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sábado, 12 de agosto de 2023

Cair da noite

 

Ao cair da noite

Pego na tua mão

Beijo-a como Deus me beijou.

Ao cair da noite

Pego no teu cabelo

E acaricio como Deus me acariciou

Junto ao rio

 

Quando eu procurava aquele navio

Que me transportaria para o desconhecido.

Ao cair da noite

Afugento o mar dos teus olhos

E dou às abelhas que brincam nos teus lábios

O doce mel da madrugada.

 

Ao cair noite

Beijo-te como Deus me beijou,

Como Deus escreveu no meu corpo

Os silêncios da noite,

Como Deus desenhou no meu corpo

O cair da noite.

 

Ao cair da noite

Pego na tua mão

E beijo-a como Deus me beijou

Enquanto cai a noite

No teu cabelo de Cinderela adormecida.

Ao cair da noite

Quando desisto da despedida

Vou em busca da noite

E vou à procura da tua mão

E de uma nova partida.

 

 

 

12/08/2023

(desenho de Francisco Luís Fontinha)

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Meia-noite, noite.

 A meia-noite

Noite

Quase noite

A meia-noite da outra noite

Quase, quase

A ser noite,

 

Esta meia-noite

Quando deixei de ter noite

Depois de perceber que a noite

É uma roda

Com estrelas

Com pontos de exclamação encarnados

E pontos de interrogação

Meio calmos

Meio agitados

Pincelados

De azul-paixão,

 

Noite

Quase noite

Esta meia-noite

Que dentro do meu peito

Labora

Barafusta

Contra o cadáver do terceiro esquerdo

E depois

Quando for meia-noite

Fuma-a

E escondo-a na varanda,

 

Noite

De enterro noite

Quase meia-noite

No alpendre

Da outra noite

Sendo noite

À meia-noite,

 

Os meus ossos

Noite

Em pó refinado

Meia-noite

Quase noite

Neste corpo de meia-noite

Desta noite

Quase corpo

Quase meia-noite.

 

 

 

07/08/2023

domingo, 6 de agosto de 2023

Estátua

 

Desce do pedestal

A estátua nua que o silêncio esculpiu na insónia

Desce nua

A estátua do pedestal

Sem braços

Sem cabeça para pensar

Sobe às árvores

Este livro

E estas palavras sem denominação social

Em baixo de

Sob ela

Este desenho

Esta tela,

 

Desce e sobe

Montanha abaixo

E rio acima

Daquele pedestal

Deste inferno de estátua

Sem braços

Sem cabeça para pensar

Pensar em quê

De quê

O pedestal rio acima

Abaixo de

Sob ela

Esta carta

Sem morada

Sem navegador,

 

Abaixo eles

Acima elas

Todas as estátuas de sono

Do pedestal granítico

Somítico o homem sem morada

Sem gestionário

Desta estátua

Deste pedestal

O correio-espelho

Da tua mão incendiada

Rua abaixo

Rua sem madrugada,

 

Desta montanha que as pariu

Nas estátuas que afoguentam as estrelas

De papel

Em cartão

Do pedestal colorido

Magníficos riscos sobre o chão

Curvas de sono

Sopros no coração

Desta estátua que desce

Do pedestal construído de suor

Ao decimo quinto dia da morte

Abre a mão

E escreve nos lábios;

Esta estátua não tem sorte.

 

 

 

06/08/2023

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Dois morcões

 

Não vou falar mais contigo sobre a tristeza

Já estamos todos numa outra Galáxia

Não vou falar mais contigo sobre o vento

Sobre as acácias da minha infância

Não me importo

Olha

Sabes

Onde descobri que não estou louco

Não?

Não pai

Cansado

Muito cansado diz o nosso amigo

 

Não vou falar mais contigo sobre o AL Berto que às vezes te lia

E a mãe achava mais piada de que tu

Como sempre

 

Não vou falar mais contigo sobre a tristeza

Sobre a pedra cinzenta onde me sento

E escondo

O meu mar

Não falar mais contigo sobre os meus desenhos

Porque não me apetece

Porque não quero falar mais contigo sobre a tristeza

 

Não vou falar mais contigo sobre as fotografias que herdei de ti

E eu que sou poeta

Não tive nem um terço das donzelas que tu tiveste

E no entanto

E, no entanto, parecias um morcão

E quando estávamos juntos

Éramos dois morcões…

Dois morcões que eram apaixonados pela noite

E pelas mãos e pelos lábios

Da noite.

 

 

 

28/07/2023

Luís

domingo, 16 de julho de 2023

Versos em luar

 

Escondo o meu silêncio nos teus seios de prata,

Na promessa,

De amanhã regressar,

Não ter medo desta janela em lata,

Nem ter medo de te amar.

 

Escondo no teu desejo,

O meu desejo,

Escondo as minhas mãos dentro dos teus gemidos…

Sem perceber se este poema,

Se estes versos…

Um dia terão um pedacinho de ti,

 

Escondo-me no teu corpo em delírio,

Quando com os meus lábios escrevo nele o primeiro poema da manhã…

 

E o mar nos abraça.

Escondo-me de ti, dentro de ti…

Neste mar de inveja que nos assombra,

Deste mar que os assusta,

Deste mar de te amar,

Enquanto no meu olhar

Dançam as estrelas dos teus lábios.

 

Escondo a minha arte

Nos teus lábios de primeira lágrima da manhã,

E lanço neles as cores que a noite deixa em mim,

Escondo-me em ti,

Dentro de ti…

E de mim.

 

Escondo o desejo de te amar

Nas tuas mãos,

Quando me acaricias e nos perdemos na noite…

Quando somos envenenados pela noite,

E de dentro de ti…

Erguem-se os versos em luar,

E a vontade de te amar.

 

 

 

16/07/2023

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Palavras de um corpo

 O corpo extingue-se nas lágrimas do fogo

O corpo desaparece

E reaparece

Nos braços da madrugada,

O corpo finge

O corpo grita

Às estrelas de um doce olhar,

O corpo move-se

Contorce-se

E abraça-se ao vento

Quando o vento regressar

E novamente partir,

O corpo extingue-se

Dentro do teu corpo sempre que acorda a manhã,

O corpo escreve

Ao meu corpo

As palavras de um outro corpo,

Frágil

Doce

Meigo

Deste corpo que morre

Neste corpo quando se deita…

A triste noite ensonada.

 

 

 

07/072023

Francisco

domingo, 2 de julho de 2023

Santa Apolónia

 O comboio

Com destino a Santa Apolónia…

Dará entrada na linha dois dentro de momentos,

Uma Donzela

De cabelo pincelado de vento

Pergunta-me se tenho isqueiro…

Digo-lhe que não fumo

Que nunca fumei…

Nem fumarei

Coisas estranhas,

 

Ela diz-me que para ter isqueiro

Não preciso de fumar

Porque posso transportar na algibeira uma esferográfica…

E nem saber escrever,

(pensei: ela é muito inteligente)

 

Passeio-me pela rua Augusta

Com um par de asas…

E que nem voar sei,

Pergunta-me ela…

O que são as pirâmides da insónia…

Respondo-lhe que nem sei o que são pirâmides…

Quanto mais essas coisas da insónia,

 

Claro que não

Voar dá muito trabalho.

 

Um gato aproxima-se

Dá-me um beijo na face esquerda

E segreda-me que está loucamente apaixonado por mim

(e eu que odeio gatos e os gatos também me odeiam)

Mulheres vendem o corpo a retalho

Por catálogo

Bebem uísque de Sacavém…

E dizem-se felizes

E dizem-se…

Tanto como eu…

 

Junto ao rio há um barco em apuros

Os meus cigarros parecem lareiras depois da meia-noite

E do livro que poisa na minha secretária…

Oiço a voz do silêncio,

 

Senhores passageiros

O comboio com destino a Santa Apolónia

Dará entrada na linha dois…

E partirá

Se chegar a partir…

Às dezanove horas e dois minutos,

 

Hesito

Ela hesita

Fico na dúvida se sigo destino

Ou se eu e ela desertamos…

E vamos apanhar o comboio

Com destino a uma pensão barata…

Que nas paredes em gesso

Tem frestas e um pequeno crucifixo,

 

E eu detesto

Odeio

Escrever o mais lindo poema de amor

No corpo de uma desconhecida

E ter Cristo suspenso num pedaço em madeira…

A olhar-me,

 

Fico sem jeito.

É como estar a fazer amor com a vizinha…

E o marido a olhar-me,

Poisei a esferográfica

Peguei num lenço em papel…

E aprisionei os olhos de Cristo,

 

Na tarde seguinte

O saudoso guarda Saraiva

Vai a minha casa

Vai a minha casa e pergunta à minha mãe se eu estou…

Claro que não

Senhor Saraiva…

Ele nem sabe voar…

Ele foi para a tropa!

O saudoso guarda Saraiva

Um pouco comovido

Diz à minha mãe que eu ainda não tinha aparecido no quartel…

Ela fica aflita

Depois mais calma…

E responde-lhe…

Talvez ele fosse voar nos braços de alguém…

 

Talvez ele esteja a rezar

A Cristo…

Ou a escrever um poema nos lábios da noite

Numa qualquer parede

De uma pensão de merda

Onde só pernoitam putas

E gajos a vender o corpo,

 

Do Tejo

E da Calçada da Ajuda

Muitas más notícias…

Ficaria de castigo duas semanas

Ausente de casa,

 

Fiquei feliz,

Muito feliz…

 

Entro no carro

Coloco o sinto de segurança…

E logo após este começar em marcha lenta

De Cais do Sodré… para Santa Apolónia

Começo a sentir a mão do oficial graduado…

A acariciar-me

E repentinamente

Fiquei na dúvida

Se lhe partia os cornos

Ou abria a porta do carro

E me lançava contra o Tejo…

 

E que dia de merda

Pensava eu

Junto ao Tejo…

 

As doze badalas nascem no quinto esquerdo

São duas da madrugada no rés-do-chão direito

A temperatura está agradável…

O comboio com destino a Santa Apolónia está quase de partida…

Na linha dois

E no duzentos e doze

Cristo consegue finalmente libertar uma das mãos

Retira o lenço em papel que lhe aprisionava o olhar

E em gritos histéricos…

TENS UM ERRO DE ORTOGRAFIA NA MAMA ESQUERDA DA TUA DESCONHECIDA…

Fiquei sem jeito

Um pouco envergonhado

E cuidadosamente pego na minha mão direita com a ajuda da minha mão esquerda…

E que sim…

Em vez de escrever desejo-te

Escrevi “desejou-te”

Ainda mais envergonhado fiquei,

 

Enquanto o comboio

Aos pucos

Despede-se de nós…

E quando acorda a manhã…

Estava só…

A desconhecida tinha ido apanhar o comboio das oito da manhã…

Para Santa Apolónia.

 

 

 

02/07/2023

Francisco Luís Fontinha

Noite

 

Podia ser noite,

Podia ser dia…

Dia sem noite,

Noite sem o dia,

 

De noite não durmo,

E de dia…

Mal consigo comer,

 

Podia ser noite,

Noite com poesia,

Dia sem literatura,

Sem dia,

Sem ternura,

Podia,

 

Podia ser noite,

Dia…

Podia ter amigos,

Podia…

Não os tenho,

Não me importo de não os ter…

Podia ser noite,

Podia ser dia…

 

Podia ser noite,

Dentro de mim,

Sempre noite,

Sempre…

 

 

 

02/07/2023

sábado, 1 de julho de 2023

Noite de Primavera

 Era a noite mais bela

De todas as belas

Belas noites

De

Primavera,

Que se escondiam na floresta,

Um dia,

Um dia vestiu-se de dia,

Saiu à rua…

E percebeu que não queria ser mais dia…

Que desejava voltar a ser noite,

A mais bela noite

De

Primavera,

Que se escondia na floresta.

 

Era a noite mais bela,

De todas as belas noites…

Quando as noites ainda transportavam na algibeira

Um pedacinho de silêncio

E uma pedra cinzenta,

A mais bela pedra cinzenta…

De todas as pedras cinzentas que se escondiam na floresta…

Pertinho da aldeia.

 

Era a noite,

Era a noite mais bela

De todas as belas noites que se escondiam na floresta…

Um dia,

Um dia percebeu…

Que o dia apenas é dia,

Porque alguém o apelidou de dia,

Se o tivessem baptizado de noite,

Hoje o dia,

Era a noite…

A noite mais bela

De todas as noites de Primavera

Que se escondiam na floresta…

 

 

 

01/07/2023

Francisco

Noite

 Ainda ontem era noite

Nos teus doces olhos em pedacinhos de vergonha

Ainda ontem era noite

Nos teus lábios de insónia

Ainda ontem era noite…

No teu sorriso de madrugada,

 

Ainda ontem era noite

Nas tuas mãos em desejo

Nos teus braços

Os doces beijos,

 

Ainda ontem era noite

Quando da noite de ontem

Uma outra noite

Se despediu de mim…

Ainda ontem era noite

Noite estrelada…

Da noite do teu corpo

Na noite…

Sem mais nada,

 

Ainda ontem era noite

No sorriso da alvorada

Da pouca noite que resta…

Uma nova noite

Da noite apaixonada.

 

 

 

01/07/2023

Francisco