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quinta-feira, 25 de maio de 2023

O inferno em dia

 

Queimarei, um dia, os meus poemas,

Queimarei, um dia, todos os meus desenhos

E todas as minhas fotografias.

Queimarei, um dia, este corpo que me transporta…

Deste corpo onde habitam as flores em papel

E números de porta,

Números de polícia,

Queimarei, um dia, todos estes livros…

E todos estes livros

E todos estes livros…

Estes livros,

As palavras que escrevo,

Os desenhos que faço…

O céu…

Se a minha vida foi um inferno,

 

Queimarei, um dia, o meu dia,

Acenderei, um dia, a minha noite,

Noite em dia,

Do dia sem noite…

Quando a noite

Rouba ao dia…

O dia da despedida.

 

Queimarei, um dia, as asas que me deram,

O fato espacial com que visto a noite,

Antes de acordar…

E foder o dia,

De dia…

Até um dia…

Até que um dia,

Terei …

O mar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

25/05/2023

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Andorinhas em flor

 Voávamos e não sabíamos que voávamos,

Voávamos sobre uma cidade em lágrimas,

Sobre uma cidade que se escondia depois do pôr-do-sol…

Voávamos entre paredes,

Voávamos,

Voávamos entre janelas,

Voávamos nos olhos um do outro…

E esperávamos que regressassem as andorinhas em flor,

 

Voávamos de pensão em pensão,

De escadaria em escadaria,

Voávamos e não sabíamos que voávamos…

Voávamos de barco em barco e de mar em mar,

Voávamos nos lábios da saudade,

Voávamos nas mãos do luar…

Voávamos sobre uma cidade esquelética,

Uma cidade muito feia,

Uma cidade de engano,

E voávamos também nós…

Enganados,

 

Voávamos na primeira lágrima da manhã,

Voávamos no último sorriso da tarde,

E voávamos sem saber que voávamos,

E voávamos sem saber que as nossas asas…

Aos poucos,

Poucos…

Morriam depois de um poema declamado,

 

Voávamos na ausência do sono,

Voávamos nas palavras que eu te escrevia,

Voávamos enquanto alguém corria a cidade à nossa procura…

E nunca nos encontrava,

Voávamos, voávamos bem lato,

Voávamos sobre a copa das árvores,

Onde dormiam os pássaros que nos ensinaram a voar,

 

Voávamos durante o dia,

Voávamos durante a noite…

Voávamos à procura das estrelas que alguém lançou ao mar,

Voávamos,

Voávamos…

Voávamos enquanto o desejo nos consumia…

E continuávamos a voar,

E voávamos,

Voávamos entre janelas,

Voávamos nos olhos um do outro…

E esperávamos que regressassem as andorinhas em flor.

 

 

 

 

Alijó, 19/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Das tuas cores

 Todas as cores, meu amor,

Todas as cores são as tuas cores,

Todas as cores, das tuas cores,

Das cores que semeias nos meus olhos,

Sem cor,

Da cor,

Todas as cores, meu amor,

Todas as cores que pincelas em mim…

São as tuas cores,

São as cores do meu jardim.

 

Todas as cores, meu amor,

Todas as cores da paixão,

Quando das cores do desejo…

Recebo a madrugada,

Quando das tuas cores,

Nas cores, meu amor,

Todas as cores, das tuas cores…

Recebo esta pobre enxada

Que aos poucos se esconde na minha mão…

E fico sem as tuas cores,

E fico sem a janela do teu coração,

 

De todas as cores, as tuas cores,

Prefiro a cor beijo,

Todas as cores, meu amor,

Em todas as cores,

Das tuas cores…

As cores…

As tuas cores,

As minhas cores,

De todas as cores, meu amor…

Das cores que semeias nos meus olhos,

Sem cor,

Da cor,

Todas as cores, meu amor,

Todas as cores que pincelas em mim…

 

 

 

Alijó, 19/05/2023

Francisco Luís Fontinha

sábado, 13 de maio de 2023

O dia de viver

 Nasce o dia,

E em todos os dias,

Há um dia,

Do outro dia,

Do dia que nasce…

Ao dia que morre,

Morre em poesia.

 

E em cada dia,

Um pequeno dia,

Um dia

Que se abraça a outro dia,

Que nascerá dia,

E que morrerá dia…

Do dia que foi dia.

 

E todos temos um dia,

Um novo dia…

Nasce o dia,

Morre o dia,

E quem diria…

Que em todos os dias,

Há um dia…

 

E do filho do dia,

Nasce um novo dia,

O seu dia,

O dia que abraça a noite,

Enquanto não há noite que mate o dia,

Porque um dia sem dia…

Não é dia.

 

 

 

Alijó, 13/05/2023

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 9 de maio de 2023

O livro da insónia

 O que resta de mim,

Um amontoado de ossos,

Sem nome,

Pedaços de nada,

O que resta de mim,

Depois de tantas tempestades,

Silêncios…

E mares;

Alguns, navegados.

 

O que resta de mim,

Depois que o silêncio se travestiu de mendigo,

Quando neste pequeno papel,

Escrevo-te aquilo que poderia ser uma carta de despedida…

 

Mas não me despeço

E vou andar por aí…

O que resta deste corpo em constante baloiço,

O que resta de mim,

Depois de o vento levar o meu cabelo,

As mãos com que afago o teu cabelo,

E os meus lábios…

Com que desenho nos teus lábios,

O beijo.

 

O que resta deste miúdo,

Que transportava uns simples calções

E umas sandálias em couro…

 

O que resta de mim,

O que resta de mim…

Um amontoado de ossos,

Sem nome,

Pedaços de nada,

E algumas palavras…

 

O que resta de mim

E da minha terra,

Onde o sangue jorra por entre o capim,

O que resta de mim

E da minha terra,

Quando a chuva cai…

E aquele cheiro inconfundível se ergue até ao céu,

 

O que resta de mim,

Poema do meu peito,

Palavra que respiro…

E em cada final de dia,

Vomito a solidão das noites aprisionado,

O que resta deste louco poeta,

O que resta de mim,

Deste pobre pintor…

O que resta de mim,

Quando Deus…

Não quer que reste nada.

 

 

 

Alijó, 09/05/2023

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 5 de maio de 2023

A tua mão, meu amor

 Levo as minhas palavras

Em rebanho,

Subo a montanha, subo-a até ao cume,

Abro os meus braços de invisível silêncio…

E voo-o até longe,

Pego naquele livro que não se cansa de me olhar,

Aquele mesmo livro,

Olha… aquele…

O das palavras de dormir,

E lá dentro brincam as mãos com que acaricio o teu rosto de mar,

 

Sou filho do silêncio,

Meu amor,

Preciso tanto do silêncio,

Como preciso dos teus lábios…

Como preciso da tua boca,

E se não estivéssemos em Maio,

Sim, meu amor, Maio…

Mês de Maria, Maio de mulher, Maio de mãe…

 

Se não estivéssemos em Maio,

Eu estava louco,

Louco por ti,

Louco por todas as flores…

Louco dentro destas palavras em loucura,

E, no entanto,

Meu amor,

Não estou louco…

 

Nunca estive louco.

Abraço-te enquanto a noite se despede de mim…

E uma lágrima de sono

Anda de cama em cama,

E beijo-te calorosamente na ausência da tua mão,

Sofri tanto, meu amor,

Sofri tanto com as ruas de Setembro,

Quando ainda acreditava nas acácias do meu pai…

As acácias do meu pai morreram,

Mais tarde, morreu o meu pai,

E eu, continuei a acreditar nas acácias do meu pai,

Mas depois, ficou tudo tão triste…

 

Procuro a tua mão perdida no lençol da paixão,

Ó madrugada de sonhar…

Procuro-a, e não me canso de a procurar,

Quando sei que a noite começa a embriagar-se nos teus lábios,

(tenho medo de que a noite roube os teus lábios, meu amor!)

Tenho tanto medo.

Todos os dias, escrevo-te,

Escrevo-te dentro desta ausência que o meu corpo sente…

Escrevo-te enquanto percebo que há uma lágrima de mar

Na tua mão que procuro;

E mesmo assim…

Tenho medo de que me roubem os teus lábios meu amor!

 

Tenho tanto medo…

E não me canso de a procurar.

Procuro-a entre os destroços das minhas palavras,

E sobre esta secretária, a minha ausência travestida de insónia…

(Levo as minhas palavras

Em rebanho,

Subo a montanha, subo-a até ao cume,

Abro os meus braços de invisível silêncio…

E voo-o até longe)

E quando chegar ao longe…

A tua mão procurada poisará no meu peito.

 

 

 

Alijó, 05/05/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Estrela semeada

 Semeio esta estrela de cor silêncio

Em teus lábios de prazer luar,

Semeio esta estrela que ainda não tive coragem de apelidar,

E não sei se ela vai sobreviver,

Ao vento,

À chuva,

Ao desejo…

Ou ao teu doce olhar.

 

Semeio esta estrela brilhante,

Sem nome…

Nos teus lábios de prazer luar,

E esta estrela me guia

Quando subo a montanha…

Semeio esta estrela de cor silêncio

Na tela da vida,

Quando da vida…

 

Apenas recebo os beijos do mar.

Semeio esta estrela desejada

Nos teus lábios em feitiço,

Quando esta estrela semeada…

É poema, é madrugada,

Semeio esta estrela de cor silêncio

Em teus lábios de prazer luar,

Em prazer teus lábios da noite apaixonada.

 

 

 

Bragança, 04/05/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 3 de maio de 2023

O poeta dos sonhos

 Dormíamos na copa das árvores.

Regressava a noite,

O Alfredo, sonolento, encostava-se ao interruptor do silêncio…

E segundos depois, acordavam todas as estrelas.

Meia-dúzia de putas…

Desciam a rua e encostavam-se a Cais do Sodré,

Regressava o vento lá dos lados do Tejo,

Depois, descíamos da copa das árvores,

Desenhávamos um abraço na doce manhã…

Fumávamos um cigarro,

E nada,

 

E nada vezes nada,

O zero medo quando os planetas machos procuram os planetas fêmeas,

Da varanda, a linda serpente embrulhada nos braços do Alfredo,

E tínhamos medo, e sempre que olhávamos o Tejo,

Um petroleiro com fome poisava em nós…

E acabava sempre, mas sempre, nas algibeiras da insónia.

Dias depois, o Alfredo…

PUM.

Dizem que por desgostos de amor,

Pegou no revolver…

E zás,

Um tiro nos cornos e dizem,

Dizem que ganhou um par de asas,

Asas,

Ou talvez cornos,

Já nem sei…

Passou tanto tempo, meu amor,

Tanto tempo escondido dentro daquele pedaço de silêncio,

E há tanto tempo que o Alfredo deu o tiro nos cornos…

Pedia-lhe perdão,

E ela,

Nada,

Zero vezes zero…

O zero primeiro milagre dos tristes embondeiros,

 

Ouvíamos os mabecos esfomeados em busca de sexo,

Num dos bolsos da gabardine,

O isqueiro,

E no outro…

A pedra e o livro das mortalhas,

E sabíamos, e sabíamos que brevemente,

Estávamos nos braços de um do outro,

 

Erguia-se da cadeira, olhava cada livro estacionado na biblioteca…

Depois, depois segredava-me…

Não gosto de ti.

Que se foda, pensava eu, e pensava bem,

E pensam bem todos aqueles que pensam.

Porque pensam.

Porque estão bem,

E quando tudo está bem…

Não se muda uma palavra ao poema.

Eu lia-lhe AL Berto no sorriso de um pedacinho de sémen,

E ela gostava tanto dos poemas de AL Berto…

Que eu, rapaz nada ciumento,

Sentia os meus primeiros capítulos de ciúme;

Os poemas de AL Berto.

 

Regressava a noite nos lábios da coruja,

Ele nunca soube o significado de ser amado…

Ele nunca soube o significado de ser desejado…

E, no entanto, ele amava todos os barcos do oceano,

E, no entanto, ele morreu, sem que todos os barcos do Oceano soubessem.

Despia-a na lentidão de Milan Kundera,

Acariciava-lhe os lábios entre os pequenos destinos de luar,

Começava a escrever no seu corpo todas as palavras que tinha recolhido durante a noite…

Mas como sempre, ela, horas depois, evaporava-se e depois de entrar na neblina sobre o Tejo…

Coitado do Alfredo,

Coitado,

Um tiro nos cornos…

E um par de asas em camurça.

 

Eu desenhava nas frestas da parede em gesso, junto a um crucifixo,

Todos os seus gemidos,

Todos os seus beijos,

Desenhava nas frestas da parede em gesso,

A paixão e o amor,

E enquanto fodíamos,

Cada um de nós pertencia ao sorriso da lua,

Ela dizia que queria ser bióloga,

Eu…

Quanto a mim,

Nada.

Quero lá eu ser isto e aquilo ou aqueloutro…

Para que quero eu um carro com tantos cavalos?

Nem tenho terreno onde os deixar durante a noite a pastar…

 

O relógio tinha-se esquecido de nós,

O marido dela estava de regresso do outro lado da rua,

E eu,

E eu tinha de apanhar o cacilheiro para o primeiro beliche que encontrasse,

Corria, corria e pensava como poderia um dia desenhar nas nuvens a primeira lágrima da manhã,

Mas como sempre, não o consegui; decididamente não sei desenhar lágrimas,

Não sei o que é uma nuvem…

E o relógio, sorria-me.

 

Amanhã é sábado, meu amor.

E depois?

O que me interessa a mim,

A mim,

Se amanhã é sábado,

Se ontem foi quinta-feira…

Ou se daqui a uns dias será terça-feira,

Se estamos em Janeiro ou em Outubro…

Ou no Natal.

Mas amanhã é sábado, meu amor,

Pois,

Pois,

E o Alfredo que se foda,

Pensas que vou deixá-lo sozinho com uma bala nos cornos?

Amanhã é sábado, meu amor…

Não. Os meus amigos são os meus amigos. E tive-os bons…

 

E eu vou começar a escrever-te cartas.

Olha, cartas de amor,

Com as palavras de um transeunte das noites de Alcântara…

Terra à vista,

Barcos na algibeira,

O comboio não pegou hoje,

Deve estar constipado, meu amor,

Só pode estar constipado.

 

Tantas flores, meu amor,

Tantas flores que lançámos da janela,

E hoje tratam-nos como dois viciados da poesia de AL Berto…

Dos jardins de Belém,

Quando da noite…

Regressavam os Mercedes Topo de Gama,

(CD),

E eu, meu amor,

E eu apontava num pequeno caderninho…

Todas as matrículas do sono.

 

Dias antes de o meu pai morrer,

Enquanto retirávamos a documentação para posteriormente entregar à agência funerária…

Eu, acreditas meu amor,

Eu estava lá; eu e a minha avó Valentina.

Que coisa estranha, meu amor…

Quantos anos eu andei dentro daquela carteira.

Quantos anos…

Quantas noites...

Quantos dias e horas e minutos e segundos e milésimos de segundo…

E eu, meu amor,

E eu nem carteira uso…

E eu, e eu nem um filho tenho para deixar o seu retracto dentro de uma carteira que não uso,

Que não tenho,

Que nunca tive

E que nunca terei.

 

Abraçava-te sabendo que depois de percorreres a ponte…

Te lançarias para o rio.

Mas eu, o covarde de sempre…

Nada,

Eu, nada.

Deixei-te morrer.

Deixei morrer os teus poemas e as palavras dos teus poemas…

 

Hoje, meu amor,

Hoje sou um velho sentado numa pedra cinzenta,

Fumo os cigarros da angustia e da puta que os pariu…

Desenho barcos na areia das tuas coxas…

Escrevo poema no sorriso dos teus seios…

E sei que um dia,

Qualquer dia,

Dentro do dia,

Depois de ser dia…

Morrerei…

E vão dizer,

Sim, meu amor,

Vão dizer que naquela pedra cinzenta,

Naquela pedra de ninguém…

Era a pedra onde se sentava o poeta dos sonhos.

 

 

 

Alijó, 03/05/2023

Francisco Luís Fontinha