sábado, 8 de agosto de 2020

Amanhecer

 

Amanhece nos teus lábios

Um corpo de linho.

Suspenso numa cama inventada pelo desejo,

Acaricio-te suavemente e com medo de te acordar

Do sono alicerçado na madrugada.

Oiço-te gemer em pequeníssimas sílabas de silêncio,

E de dentro do vento,

Um lençol de espuma, branco entre soníferos de alegria,

Abraço-te; tenho medo de magoar o teu corpo de porcelana,

Quando desce a montanha, em direcção ao rio…

Uma enxada trabalha arduamente na sombra dos socalcos envenenados

Pelo apito do comboio embriagado,

E, ao fundo, o túnel da solidão escorrendo um líquido viscoso, sem cor,

Derramado nos trilhos dos animais nocturnos

Onde habita o teu sorriso.

Espero. Canso-me de não te ver,

E, quando te vejo, nua como todas as luar nocturnas,

Escrevo-te,

Desenho-te,

Simplesmente te abraço.

Amanhece nos teus lábios

O sorriso de menina adormecida,

Ensonada como todas as vírgulas

No texto impregnado de estórias…

Acorda em nós a insónia.

Madruga o poeta nas ruelas do engate,

Escreve versos,

Prostitui-se nas palavras…

E dorme no teu peito; não sofro, meu amor,

Porque os teus olhos são estrelas de papel…

Dançando no Universo.

Acordas-me.

E todo o sonho não passa de uma mentira

Para me afastar de ti.

Corro.

Beijo-te.

Sabendo que amanhã é Domingo.

E todos os versos serão teus.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 8/08/2020

sábado, 25 de julho de 2020

Sem tempo


Suicídio. Acrílico s/tela 50x70. Francisco Luís Fontinha


Sem tempo, esta escuridão de azoto,

Descendo nas borbulhas do sono,
E, meu amor, a tristeza quando a partida,
Às vezes complexa, de um olhar, talvez cansado,
Começa a desenhar-se no sorriso de uma esfera.
Uma caixa de vidro, uma janela em pedra,
Uma lágrima entre sorrisos e nuvens,
Vem a nós o corpo circunflexo da insónia,
E, nos teus seios, a alvorada envenenada pela escuridão.
Desenham em traços de água, o sono dos justos,
Os emagrecidos amanheceres da palavra escrita.
Sem tempo, meu amor,
Para dormir debaixo das árvores,
E dos silêncios da morte;
É tão triste, a morte, meu amor,
Quando morre o livro,
Quando é assassinada a palavra,
E uma nuvem de fumo educada,
Deita-se solenemente na manhã a despertar.
Sei que há dias tristes, muito tristes e, aqueles, menos tristes, mas felizes,
Onde brincam criancinhas vestidas de pano,
Amarrotado,
Pequena folha em papel que arde na sanzala,
Basta um sorriso,
Uma pequena lágrima,
Para nascer em ti o poema prometido.
Sem tempo, amor,
Sem tempo neste corredor de sonhos.


Francisco Luís Fontinha
25/07/2020

sábado, 18 de julho de 2020

Margarida nocturna


Adoro os teus beijos, margarida nocturna.
Jardim incendiado da cidade da poesia.
Dos lábios, a jangada invisível do desejo,
A flor clandestina da madrugada,
Os beijos,
O portão de entrada para o sonho,
Quando o pequeno verso se alicerça no teu cabelo.
Adoro os teus beijos, meu amor lunar.
Palavra entre rios e socalcos,
Suspensa no lábio xisto adormecido,
Quando voa sobre o mar,
E, alimenta todos os barcos de brincar,
Eu, um menino em calções,
Correndo na tua direcção,
Sem medo de cair,
Sem medo de te amar nesta bela noite de dormir.
Adoro, meu amor,
Todas as noites pinceladas de sombras,
Infinito coração em batimentos silenciosos,
Aos poucos, a luz de ti nas minhas mãos,
Parecendo um veleiro encostado ao teu peito,
Sofrendo, gemendo sons melódicos do amanhecer,
Sabes, meu amor?
Adoro os teus beijos, margarida nocturna.


Francisco Luís Fontinha
Alijó, 18/07/2020