quinta-feira, 21 de julho de 2016

pobreza


vadios lábios

que a porcelana inventa

nas manhãs sem madrugada,

minha garganta degolada

pelas lâminas do xisto amanhecer…

o meu corpo lamenta

o silêncio de envelhecer

sem acreditar nas palavras de escrever,

vadios lábios

filhos da noite envenenada…

a corda suspensa numa árvore abandonada

alicerça-se ao meu pescoço…

 

e sou fatiado pela alvorada…

 

na tua boca enrolada

a língua artificial da pobreza

que vive e alimenta o meu olhar,

o orvalho sobre a mesa…

e dos pratos vazios… a sopa que traz o mar

e os barcos da tarde magoada…

 

e sou fatiado pela alvorada…

 

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 21 de Julho de 2016

terça-feira, 19 de julho de 2016

vamos…


sossega…

vamos semear sonhos na alvorada

vamos pintar o céu de beijos

e de madrugadas... doces e belas

belas e desenhadas na tua tranquila mão de prata

sossega…

vamos plantar beijos nas searas

cobertas de películas de suor

que só a tua pele sabe escrever no fim de cada tarde…

sossega…

e vamos

adormecer no infinito.

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 19 de Julho de 2016

domingo, 17 de julho de 2016

o dependurado


o homem da guitarra inventando sons na noite envergonhada

algumas moedas

alguns sorrisos

e mais nada,

 

o artista pintava aplausos na tela nocturna do silêncio

mas os transeuntes pareciam estátuas encapuçadas

escondidas na penumbra

regressavam as sombras

regressavam as lamentações em pequenas orações

e mais nada…

 

o dependurado senhor…

de guitarra em punho

disparando balas contra o coração das pessoas…

 

o amor frequentava a rua

alguns sem-abrigo

e desapaixonados

como pedaços de sucata

enferrujada

barcos de brincar

praias de sonhar…

e o dependurado

solitário

cansado de chorar

e mais anda

e algumas moedas.

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 17 de Julho de 2016

sexta-feira, 15 de julho de 2016

15 de Julho


desce a noite o desfiladeiro dos sonâmbulos

e entranha-se no meu corpo desconhecido

abstracto

e delirante pelas tempestades de azoto,

 

o sono é uma incógnita adormecida

triste

e vagabunda

nos lábios da paixão,

a cidade morre nas mãos de uma criança

como se existisse um esqueleto em papel

com todas as minhas palavras

ossos,

ossos

e finas sombras em marfim ao cair da tarde

e renasce o livro no meu peito

ensanguentado pela espada da saudade,

 

finjo a morte,

 

tropeço nos silicatos beijos que a maré me trouxe…

sinto o barco da solidão poisado no teu cabelo

e todos os marinheiros da minha rua

embriagados pela tua beleza…

 

finjo a sorte,

 

finjo a morte desenhada na areia

pelas coxas do silêncio

finjo a sorte desterrada no xisto esquecido na montanha…

 

(desce a noite o desfiladeiro dos sonâmbulos

e entranha-se no meu corpo desconhecido

abstracto

e delirante pelas tempestades de azoto)

 

e a loucura absorve-me.

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 15 de Julho de 2016

terça-feira, 12 de julho de 2016

Espelho da saudade


Que te dizer hoje

Se amanhã não estarei aqui…

De que me servem os pássaros e as flores…

Se amanhã não estarei aqui,

 

E se amanhã não estarei aqui…

De que me servem estas palavras…

 

E este cansaço com sabor a despedida.

 

Que te dizer hoje

Se amanhã é outro dia,

Uma cópia imperfeita do dia de hoje…

Uma cópia perfeita do dia de ontem,

Nada te direi,

Porque amanhã estarei noutro lugar,

Porque amanhã serei apenas uma fotografia…

Negra,

Disforme, doente,

E este cansaço com sabor a despedida…

Uma cópia,

Uma cópia do espelho da saudade.

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 12 de Julho de 2016

domingo, 10 de julho de 2016

Que te despeças de mim


Que te despeças de mim como se eu fosse um louco

Apavorado no deserto

Não tenhas pena do meu corpo

Entre esqueletos e pedacinhos de fumo…

Porque por pouco

Partias sem dizer adeus

Ao rio

Ao meu destino

Nas tenhas pena deste menino

Que escreve esquecendo os teus lábios

Doces como a planície

E amargos como a madrugada

Sem horário para saborear os teus abraços

Que te despeças de mim

Para sempre

Até sempre

Neste labirinto de carcaças

E abelhas

Na floresta adensada

Sem perceber a paixão das palavras amaldiçoadas

Sem perceber a canção da alvorada

Que te despeças de mim como se eu fosse um louco

Das pedras amarelas

Na tela da vida desgraçada

Entre xisto e cancelas…

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 10 de Julho de 2016

sábado, 9 de julho de 2016

o silêncio da morte


peço-te desesperadamente que me esperes junto ao canastro

que a vida deixe de fazer sentido

e pertença aos teus lábios de menina

linda

envenenada pela madrugada

peço-te meu amor

que me tragas as sonâmbulas sombras das palavras

e dos poemas…

o silêncio

a morte do silêncio

o silêncio da morte

quando a morte é a própria morte

peço-te

desesperadamente

meu amor

me que leves para os teus braços

peço-te

desesperadamente

meu amor

que me tragas as âncoras da dor

e do sofrimento

no silêncio

no desesperadamente


meu amor

esperando junto ao canastro

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 9 de Julho de 2016

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Labirinto de sombras


Embrulho-me nos teus braços

Sem perceber a chuva do teu olhar,

Lamento este meu corpo de cansaços

Que acordar em cada madrugar,

O silêncio,

O infinito silêncio dos teus lábios

A cada momento meu,

Ausente,

Como as nuvens do Céu…

Embrulho-me na tua boca de amêndoa infinita no prazer

Quando lá fora sinto os soluços do mar…

Esquecer,

E amar…

Este labirinto de sombras

Que dormem em mim como árvores eufóricas…

Embrulho-me no teu coração,

Como um pássaro embriagado

Nos corredores da solidão.

 

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 7 de Julho de 2016

terça-feira, 5 de julho de 2016

os meninos da escuridão


os dias anónimos

nas falésias do sofrimento

o mar sangrando nas lágrimas do só

quando o corpo se despede

e a alma voa em direcção ao abismo

a escuridão dos dias camuflados pelo silêncio

a sinfonia da paixão

nas mãos desordenadas de uma criança

que brinca em mim

até ao pôr-do-sol…

depois regressa a tempestade

traz nos lábios os beijos da saudade

 

(que só um sem-abrigo sabe fingir…

e desenhar

antes de partir)

 

tenho na solidão um amigo

uma amante desmedida

nas finas películas do destino

tenho no corpo um esqueleto vadio

sem nome

pobre

agreste como as palmeiras da minha terra…

e quando eu menino

e quando eu zarpava sem rumo

sem precisar de bussola ou astrolábio

e apenas me contentava

com os finos cabelos do amanhecer…

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 5 de Julho de 2016

domingo, 3 de julho de 2016

junto ao Tejo


deixei de ouvir a tua voz

e os sussurros da madrugada

sento-me na tua ausência programada

enquanto o dia tem o seu término nas tuas mãos de fada

nos rochedos

as vírgulas da inocência

entre cigarros e medos

deixei de ouvir o teu olhar

nas paredes deste velho quarto sem janela para o mar

deixei de pertencer à vida

e às montanhas do silêncio

e aos abrigos da escuridão

este insignificante relógio de pulso

entre pulos e soluços

entre pedras

e terra fértil onde brincas em todos os finais de tarde

deixei de ouvir a tua voz…

junto ao Tejo.

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 3 de Julho de 2016