sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Os livros e as palavras


Tínhamos no corpo o sorriso do desejo,

Tínhamos no peito as espadas do prazer cravadas,

Sentíamos a dor dos beijos na escuridão,

Sentíamos as lágrimas das madrugadas,

Acordados… e em vão,

Tínhamos os livros e as palavras,

As gotículas de suor quando o sol poisava sobre nós,

Ao final da tarde,

Gemíamos a cada verso declamado,

Sentíamos o peso das pálpebras quando abríamos a janela…

E o rio abraçava-nos como se fossemos duas crianças inventadas,

Brincando junto ao mar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 16 de Outubro de 2015

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Carta a um fantasma


Percebia-se nos teus olhos o esconderijo da noite,

Tínhamos entre nós uma parede invisível e um cortinado em veludo,

Percebia-se nos teus olhos o cansaço das manhãs sem rumo,

E enquanto clareava o esconderijo da noite, sabias que seria o último beijo,

A última palavra,

O último adeus…

O último livro, o último eléctrico para o abismo,

Lisboa continua viva, fervilha, e os jardins onde te sentavas deslumbraram a tua ausência,

Esqueleto infeliz,

Em vidro,

Os cacos,

 

Os grãos de areia descendo a calçada em direcção ao rio,

Percebia-se nos teus olhos o esconderijo da noite,

O silêncio da vaidade,

A loucura por objectos caros, raros, coisas imbecis…

Que só mulheres como tu… sabem apreciar,

Coisas imbecis…

 

Fúteis, como tu, fútil, mimada, menina das searas envenenadas na solidão das paredes pintadas,

Percebia-se no luar o teu olhar,

O outro luar, a outra avenida sem saída…

O outro olhar,

Não o teu,

Porque esse… vendeu-se por migalhas,

E evaporou-se num Sábado de neblina,

Entre transeuntes e feirantes,

Velharias e vigaristas,

Chapéus de palha…

E perfumaria pirateada,

Que alguém como tu, fútil, consegue odiar.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 15 de Outubro de 2015

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A morte da verdade


Fontinha – Outubro/2015
 
A estátua que habitava no teu peito
Esta sentada, hoje, numa cadeira sem jeito,
Brinca, hoje, num jardim amarrotado por mãos inanimadas,
Como são tristes todas as madrugadas
E todos os versos do poeta,
Como são tristes todas as manhãs embriagadas
À mesa com um qualquer pateta,
Um imbecil encurralado na noite
Esperando o acordar de um relógio sem alma,
Chora, acredita nas lágrimas do sofrimento,
Chora, e inventa o inferno
No corpo do vento…
 
A estátua… não se cansa de dançar
Sobre a tua pele grená…
Os lábios manchados de sangue,
Os braços entranhados na face de um inocente,
Chora, acredita na liberdade,
Chora, acredita na saudade
Dos ausentes corpos de esferovite,
Grita, grita contra o muro invisível da prisão,
Morre a verdade,
Morre o ditador em pedacinhos de cacimbo…
Rasga o convite
E fica esquecido no tédio limbo…
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 14 de Outubro de 2015