quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Carta a um fantasma


Percebia-se nos teus olhos o esconderijo da noite,

Tínhamos entre nós uma parede invisível e um cortinado em veludo,

Percebia-se nos teus olhos o cansaço das manhãs sem rumo,

E enquanto clareava o esconderijo da noite, sabias que seria o último beijo,

A última palavra,

O último adeus…

O último livro, o último eléctrico para o abismo,

Lisboa continua viva, fervilha, e os jardins onde te sentavas deslumbraram a tua ausência,

Esqueleto infeliz,

Em vidro,

Os cacos,

 

Os grãos de areia descendo a calçada em direcção ao rio,

Percebia-se nos teus olhos o esconderijo da noite,

O silêncio da vaidade,

A loucura por objectos caros, raros, coisas imbecis…

Que só mulheres como tu… sabem apreciar,

Coisas imbecis…

 

Fúteis, como tu, fútil, mimada, menina das searas envenenadas na solidão das paredes pintadas,

Percebia-se no luar o teu olhar,

O outro luar, a outra avenida sem saída…

O outro olhar,

Não o teu,

Porque esse… vendeu-se por migalhas,

E evaporou-se num Sábado de neblina,

Entre transeuntes e feirantes,

Velharias e vigaristas,

Chapéus de palha…

E perfumaria pirateada,

Que alguém como tu, fútil, consegue odiar.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 15 de Outubro de 2015

Sem comentários:

Enviar um comentário