sábado, 2 de agosto de 2014

Jangadas de incenso


Lembras-me as jangadas de incenso nos braços de uma amada,
há dentro desta casa uma cancela em madeira,
uma cerca de prata,
lembras-me as sílabas com odor a madrugada,
numa cama onde habitam dois corpos embrulhados em azevinho,
há uma arca cerrada com cadeados de luz,
lá dentro, cartas... cartas vestidas de cinza,
migalhas,
seios de verniz suspensos no espelho das tuas pálpebras de alecrim...
lembras-me as jangadas com velhos bancos revestidos a amanhecer,
uma Lisboa apaixonada por transeuntes embriagados, loucos... e marinheiros de palha,
lembras-me uma cidade com vidros de papel,

E migalhas...
lembras-me as flores deitadas no teu peito,
um cigarro a arder..., um cigarro sem jeito nos lábios dos marinheiros de palha,
lembras-me os poemas por escrever,
quando havia no teu corpo pedaços de borboletas e canalha a brincar...
lá dentro, cartas... cartas vestidas de cinza,
e... e migalhas,
lembras-me as tardes sentado a desenhar o Tejo na minha mão,
inventava barcos de cartão,
inventava gaivotas com bolas de sabão,
lembras-me...
lembras-me o silêncio das jangadas de incenso!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 2 de Agosto de 2014

Vinhedos da saudade


Olhaste os vinhedos da saudade,
percebeste que dentro deles, eu, eu deambulava como um sorriso de vento,
chamaste aos meus olhos, olhos de desgovernar,
e às minhas pálpebras, e às minhas pálpebras apelidaste-as de cansaços do mar,
não tinha mãos para te acariciar,
não tinha braços... não tinha braços para te abraçar...
nem cores para te pintar,
olhaste os vinhedos da saudade, e percebeste que eu era um rio sem nome,

Uma cidade sem coração,
uma tempestade,

Olhaste os vinhedos da saudade,
escreveste na ardósia da tarde os versos de amar,
percebeste que dentro deles, eu, eu habitava como uma flor carnívora,
que te absorvia entre os horários nocturnos do desejo,
sem lábios para te beijar...
uma cidade sem coração,
uma tempestade,
um homem vivendo no corrimão com vontade de caminhar...

Uma cidade sem coração,
uma tempestade,
olhaste os vinhedos da saudade,
e percebeste que o amor são socalcos olhando um rio,
o mesmo rio sem nome,
que um dia decidiste que eu seria até morrer...
um rio encurvado entre os seios das montanhas madrugadas,
um rio..., um rio apressado no corpo de uma enxada.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 2 de Agosto de 2014

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Noites de Sexta-feira...


Tenho no meu peito um fóssil,
uma lâmina de aço laminado,
tenho no meu peito uma cidade, uma mulher que habita nessa cidade, uma lâmina...
que me estrangula, que me absorve,
e engole,
nas noites de Sexta-feira...

Há um triste olhar que me acompanha desde as ruas de Luanda,
olhava as sanzalas, inventava grãos de areia no Mussulo,
desenhava peixes nos machimbombos com coração de granito,
ouvia, às vezes, um grito...
e engole,
nas noites de Sexta-feira,

Há um apito quando oiço a voz do silêncio,
uma criança com mãos de sisal,
deitada na eira de Carvalhais,
tenho no meu peito um fóssil,
um lâmina de aço laminado,
uma luz esculpida na calçada do abismo...
havia entre nós um muro amarelo,
havia ao longe um rio embriagado,
eu, eu sorria,
eu, eu descia... até que os tentáculos do desejo me levavam,
e quando regressava,
o apito... apitava...

O vício vomitava sílabas com sabor a alumínio,
e eu, eu dançava sobre uma nuvem de nada,
que me estrangulava, que me absorvia,
e engolia,
nas noites de Sexta-feira...
… e percebia o significado de liberdade.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 1 de Agosto de 2014