sábado, 10 de maio de 2014

cubículo de trapos


habito num cubículo de trapos
e janelas de saudade
esta cidade é uma merda como todas as merdas que vivem em mim...
habito apenas porque me obrigam a viver sob as árvores da paixão
ruas desertas
ruas onde passeiam barcos
caravelas
e os demais corpos enrolados em estrelas de sisal

habito apenas por habitar
respiro
amo?
e fujo para o mar

habito nos sonhos que morreram na madrugada em flor
sei que me pertencem alguns dos esqueletos da insónia
sei que poderia ser rico... mas que se foda toda a riqueza

que se foda o verbo habitar
e a beleza

habito...
apito
sou um comboio sobre carris de aço
um corpo pesado e aprisionado às sanzalas de ontem
habito
apito
amo?
e fujo para o mar

e fujo da palavra... AMAR!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 10 de Maio de 2014

Candeeiros de xisto


O dia esconde-se entre os teus dedos e a sombra do veleiro com asas de papel,
do silêncio vento acordam as mangueiras de um quintal em pedaços de saudade,
e há corpos farrapos numa tela pastel,

Os teus lábios são cerejas voando sobre um Oceano de neblina,
parecem o rio quando se cansa de acordar,
os teus lábios são gritos de liberdade,
os teus lábios são os sonhos de uma menina,

O dia esconde-se nos teus dedos e há candeeiros de xisto saltitando na calçada,
sei que há palavras envergonhadas nos meus cabelos frangalhos, tristes... e velhos calendários,
o dia termina, o dia deixa de ser dia e procura a madrugada,

Há no teu olhar uma mágica fechadura com janelas de cortinado envelhecer,
uma mão poisa no teu rosto varanda onde sentado um menino,
brinca com bonecas de porcelana,
brinca... brinca com o término do dia, brinca... brinca com a imaginária cama,
e eu, eu espero que acordem os teus braços com pulseiras de amanhecer,
e tudo acaba com o toque do sino,

A aldeia cresce na montanha,
e tu desapareces como nuvens de encanto tapando o Sol poesia,
o dia,
o dia já ninguém o apanha...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 10 de Maio de 2014

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Cidade-mulher


Há uma cidade infinita onde habita o amor proibido,
há uma mulher vestida de cidade, com edifícios de cartão, com janelas e portas de entrada,
há uma rua que fica nos seios dessa mulher,
há uma varanda,
dela... o mar todos os dias avança,
corre como uma criança,
há uma cidade-mulher e proibida...
sem saber que é amada,

Há uma gaivota nos cabelos da mulher proibida,
e voa sobre a espuma fictícia das ondas em flor,
há uma cidade,
uma mulher...
e um amor,
todos... proibidos,

Há uma mão que pertence à cidade-mulher e não se cansa de acariciar o sorriso da Lua,
finge vertigens e enjoos,
transforma-se em miudinha chuva,
cai nos telhados de zinco,
ouvem-se sons melódicos e palavras poéticas,
há um homem sem cabeça que caiu em desgraça...
não come, não dorme e não sonha,
e acredita que a cidade-mulher um dia vai morrer nos lençóis do pergaminho linho,

Há uma madrugada,
tão triste... Meus Deus!
Sem estrelas, árvores ou... ou outras cidades-mulher,
há um rio encurvado no púbis da vergonha de amar... amar o que nunca poderá ser amado,
proibido,
como os cigarros que fumo às escondidas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 9 de Maio de 2014

quinta-feira, 8 de maio de 2014

palavras dos teus olhos


não sei se vais conseguir
não sei se as minhas palavras podem ser escritas nos teus olhos
não sei se as tuas mãos são uma tela
ou um muro envergonhado...
... não sei porque queres fazer-me acreditar que há madrugadas de estanho
não sei porque há cortinados nas tuas pálpebras
negros
tão negros como a própria noite
não sei se vais conseguir...
não sei se te levantarás do imaginário sofá de trapos
tão antigo como os livros que leio
tão estranho como as palavras... as minhas palavras escritas nos teus olhos.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 8 de Maio de 2014

quarta-feira, 7 de maio de 2014

amor em trinta e três suaves prestações


despertavas como um relógio sonolento
de ponteiros afiados
cansado
despertavas em mim a claridade do dia ainda por nascer
crescias
e... e desaparecias entre as velhas folhas da árvore do sótão envergonhado
despertavas e brincavas sobre o meu peito de Oceano anónimo
dizias-me que eu era uma rua sem saída
da cidade com néons de meninas coloridas
sentia-me um náufrago procurando lençóis de linho
sentia-me um sem-abrigo correndo para a tua cama...
desaparecias e despertavas,

eu sonhava com barquinhos em papel
papagaios de pálpebras dilatadas
pensava que o Luar era o teu olhar prisioneiro na calçada dos esqueletos de vidro
e...
despertavas
e...
desaparecias
a cidade misturava-se no meu corpo
absorvia-me
e apenas alguns pedaços de mim sobejaram em Cais do Sodré...
e tinha no meu coração uma caneta de tinta permanente
pronta para escrever nos alicerces dos teus beijos,

eu voava
enquanto um dos meus cachimbos se masturbava nos meus lábios
e sentia o fumo a invadir-me
e sentia-me foragido
perdido na montanha do amor
amava
era amado
e agora não sou nada...
desaparecias
e despertavas
e eu esquecido na calçada dos esqueletos de vidro...
eu... um transatlântico sem apito na boca.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 7 de Maio de 2014