sexta-feira, 31 de maio de 2013

Os ausentados

foto: A&M ART and Photos

Acreditava no silêncio
e perguntava-me porque todos os ausentados
esqueciam as pequenas rochas às palavras acorrentadas em pedaços sofrimentos
entre aços veleiros e panos transparentes suspensos sobre a cidade das colmeias adormecidas,

Acreditava na madrugada
quando eu próprio mergulhava nas suas garras como um vampiro desalmado
triste
cansado,

E mesmo assim eu acreditava
no silêncio
nas palavras
e nos muros de vedação,

Acreditava no betão
e nos telhados de areia
nas nuvens e na chuva miudinha dos Sábados à tarde...
… acreditava que o teu corpo era uma fina folha em papel crepe,

Distante
fundida como as lâmpadas da sala de jantar com pratos embriagados
e talheres roubados
da mesa de um ricaço qualquer...

Acreditava como serpentes em madeira
correndo no corredor da vizinha
e do apartamento ao lado
eu acreditava nas imagens negras em sabão clarim...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Pomba sem pátria


Significo nada
como uma pomba sem pátria
significo muito pouco ou quase nada
quando das ilhargas manhãs de Primavera
oiço as vozes camufladas
por nuvens e gaivotas acorrentadas,

Significo apenas um número com dígitos assombrados
significo quase nada no jardim das plumas árvores vestidas em purpúrea
entre migalhas de porcelana
e beijos inseminados nas ventosas gargantas da montanha branca
significo... não o acredito depois de ver desaparecer os muros em cartão
que separavam o meu quintal dos tristes fins de tarde,

Contávamos os barcos com letras pintadas a oiro
e bandeiras em pano de alecrim
gritávamos como os loucos entre janelas com grande ferrosas
e pequenos arbustos de asas de algodão...
significo nada
como uma pomba tristemente abandonada num País sem Pátria.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Noite em reflexo do velho crucifixo

foto: A&M ART and Photos

Atravessávamos o lótus húmido da manhã
como eram as escadas que deslizavam ruela acima
sentávamos-nos sobre uma sombra gargantilha
e dos pinheiros mansos de Carvalhais
ouvíamos as eiras graníticas correrem em direcção à ribeira dos aflitos,

Éramos novos e crianças
mal sabíamos ler e escrever
e falávamos entre sons desconexos como pedras a invadirem a montra de uma ourivesaria
tínhamos livros
e apenas víamos as imagens deslizantes como serpentes sem cabeça,

Gostava de ti ainda
como às paisagens de África circunflexas no interior do osciloscópio
e mágicos invadiam as janelas com cinco vidros pintados de encarnado anoitecer
vinha a noite
e via-te encostada a uma jangada invisível na esperança de voares,

Nunca o fizeste como comigo depois de eu ter caído no poço da angústia
tínhamos na boca o sabor a ervas ou a bolhas castanhas com asas verdes
deslizavam sobre uma lâmina de alumínio como correm todas as bolhas
quando chovem diamante e lábios de areia
entre canoas e pedaços de osso argamassado contra os eléctricos da Baixa,

O rio da saudade ornamentava-se e entrava em nós como silêncios gemidos
sobre uma cama de pensão com paredes rendadas e crucifixos suspensos sobre a cabeceira
olhávamos-nos no espelho
e os nossos corpos nus misturavam-se com o reflexo do velho crucifixo
… e assim deixávamos em suspenso o amor canino com dentes de marfim...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Sebastian Szymański - Your Soul (feat. Sławek Jaskułke, Grzech Piotrowski)


quarta-feira, 29 de maio de 2013

As cordas da tristeza correntes de abraços


Pendurava-me nas cordas da tristeza, sentia-me distante das pontes em madeira, algumas já em avançado estado de decomposição, de cheiro nauseabundo, também cansadas, ensonadas, como um esqueleto deformado pelas hélices das vertiginosas flores de Primavera, lá fora caminham pássaros que começam a aprender os primeiros passos, ainda não voam, mas... brevemente... ausentar-se-ão de mim, como se ausentaram milhares de estrelas, como se ausentaram centenas de sonhos, conversa fiada, uma feira de vaidades procurando abrigo debaixo do aquário nocturno da solidão, pendurava-me afinal sem perceber que em vez de cordas, eram correntes de insónia que eu durante o sono prendia ao meu corpo, e sentia-me pesado como rochas em queda livre em direcção ao abismo, abria o postigo e via coisas sem nome, coisas como simples objectos desproporcionais que o tempo encolhe, come, vomita como sendo corpos em aços, em fila, esperando a entrada no auto-forno, e entre cambalhotas e simples anedotas, eu escutava na paciência dos anjos femininos, os pássaros bebés em construções de areia, enquanto os olhava, recordava as aventuras de Fernão Capelo Gaivota, e imaginava-me um dia dentro de uma velha panela com arroz, algum feijão, e de sabor inconfundível a sonho, sonhar quando todas as grandes muralhas que a vergonha deixa das escadas para o patamar do terceiro esquerdo, a varanda cambaleava-se, embriagada pela vodka que os marinheiros Russos tinham deixado sobre os carris dos lençóis depois da ejaculação de palavras, que posteriormente, davam vida a poemas, e dos poemas, crianças, algumas pareciam vampiros com lenços de seda enrolados na cabeça, ouvia-se o desgraçado milagre da chuva de pérolas que todas as noites, sem horário definido, caía desordenadamente em nós
Sabia-te dormindo na cama do quarto encurralado entre a cozinha e a casa de banho, sem janela, e apenas uma porta de pano dividia-nos, quando te deitavas, imaginava-te sobre mim, nua, como um cobertor de lã em noites frias e que tínhamos desistido dos sonhos que esboçávamos conforme a mesma varanda, quando sóbria, deixava que nos sentássemos, com a condição, de, “Proibido Fumar”,
caía desordenadamente em vós os desejos das paralelas linhas azuis que circulavam em redor de um jardim com árvores, e confesso-o, as únicas que até hoje conheci, e que voavam, como os pássaros que eles imaginavam nas pequenas brincadeiras enquanto, os mesmos, tentavam voar com a ajuda dos papás e das mamãs, eles, aqueles que apreciavam o desgraçado milagre da chuva de pérolas que todas as noites, sem horário definido, caíamos diziam eles, caíamos das nuvens incolores que um artista plástico tinha pintado no tecto da cidade dilacerante, uma cidade velha com pessoas vestidas de negro, com pessoas voando como os pássaros, uma cidade...
Há tanto tempo que não sei o significado de cidade, de rio, de mar, de barcos, jangadas e beijos, e abraços, e lanternas mágicas, slides nas paredes encastradas que o velho João tinha deixado por esquecimento numa noite em princípios de Setembro, faziam-se apostas sobre o término do mês, e enquanto uns, os mais optimistas acreditavam que terminaria com flores sobre as mesas de granito, outros, os outros, os não optimistas, apenas que nunca terminaria o desgraçado mês de Setembro, para mim, e se eu mandasse, ainda hoje, ainda hoje
(setembro, o mês dos beijos debaixo das palmeiras)
Era setembro, sem dúvida, alguma, sempre Setembro, sempre... o eterno mês dos beijos debaixo das palmeiras, e a Ilha de Faro parecia um ponto de luz no centro do Oceano,
E de longe, via os aviões estacionados na pista, via o mar, via os barcos, mas esqueci-me da cor dos olhos do Sábado e do nome de cada palmeira junto à marina...
acordou a noite
E voamos entre os lençóis do verdadeiro amor.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha