quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O amor


O amor transformado em pequenas palavras
o amor
em desejos
desejado
dentro do mar
o amor transtornado em pequenos desenhos na areia
chamo docemente o teu corpo náufrago
e vem até mim a ilha dos sonhos
veste-se de ti
e coloca nos teus lábios os beijos dos pássaros do amor em amor
descem a calçada até chegarem à lua
tua desordem madrugada,

vestem-se de ti
e levas nos seios o silêncio dos poemas escondidos na gaveta da insónia,

não sei se sou eu que te amo
ou se é o meu corpo a desejar-te
quando entras na noite e desces a barra até encontrares na cidade
um porto de abrigo
um peito com marcas geometricamente inventadas
imaginadas
pelo vento que te abriga e obriga caminhando velozmente dentro do mar
o amor transformado em pequenos desenhos na areia,

teimosamente não desisto de resgatar-te das garras clandestinas da tempestade
mesmo não sabendo quem és
ou onde vives
mas sei que te amo
ou desejo
e também sei que te vestes de poema
e escreves nos vidros dos meus olhos
palavras lindas
belas
como todas as flores dos jardins em frente à tua lareira
O amor transformado em pequenas palavras
o amor,

(vestem-se de ti
e levas nos seios o silêncio dos poemas escondidos na gaveta da insónia.)

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Branco é papel

(À minha mãe)

Sabíamos que não haveriam facilidades naquele dia de despedida, os tufos de algodão nos ouvidos, as cordas que prendiam as nossas bagagens aos ferros enferrujados da carlinga meia em ruínas, e a outra metade, quase como um dia de chuva que se desprende das nuvens parecendo-nos um tecido enorme recheado de buracos, fissuras, pequenas lembranças dos dias engasgados sobre as árvores da aldeia onde ela nasceu,
Pobre,
Nasci numa aldeia pobre, filha de pobres, num País pobre, e no entanto, recordo-me de receber a primeira boneca tinha eu sete anos, na escola, gostava muito da escola, adorava aprender, mas elas, as freiras eram más como os pregos a espetarem a carne acabada de nascer, pior do que elas, talvez
Só os mabecos,
Pobres,
Eu e a minha irmã no meio de centenas de meninas, também elas, pobres, e que nos diziam
“Branco é papel e só serve para limpar o cu”,
Muita porrada, e no entanto
Adorava,
E no entanto
Gostava,
E no entanto
A escola,
Sabíamos que um dia todas as ruas desapareceriam dos nossos olhos como desaparecem as mangas das mangueiras, sabíamos que um dia Deus compensar-nos-ia por todos os sacrifícios da nossa infância, e no entanto
Adorava,
E no entanto
Gostava,
E no entanto
A escola,
Pobres, as casas com paredes transparentes que podíamos olhar a rua sem movimento, e nem óculos 3D precisávamos, porque ainda não tinham sido inventados, não havia televisão, e o cinema, ainda gatinhava pela húmida terra depois das longas tardes de chuva, e quando me deitava, depois de rezar a Deus que nos ajudasse e protegesse ouvia e sentia entre as ranhuras da parede do quarto junto ao guarda-fato
“Branco é papel e só serve para limpar o cu”,
Horrível, muita porrada, e no entanto
Adorava a escola,
E no entanto
Gostava de aprender, sabíamos que não haveriam facilidades naquele dia de despedida, os tufos de algodão nos ouvidos, as cordas que prendiam as nossas bagagens aos ferros enferrujados da carlinga meia em ruínas, e a outra metade, quase como um dia de chuva que se desprende das nuvens parecendo-nos um tecido enorme recheado de buracos, fissuras, gostava de aprender
E no entanto,
Tínhamos uma boneca de trapos que um amigo do nosso pai ofereceu-nos, tinha eu sete anos, e ela, provavelmente dez ou onze anos, e não víamos as ruas desaparecem dos nossos olhos como desapareciam as mangas das mangueiras, sabíamos que um dia Deus compensar-nos-ia por todos os sacrifícios da nossa infância, e no entanto
Adorava,
E no entanto
Gostava,
E no entanto
A escola,
A escola um amotinado de fantasmas com lençóis brancos tapando-lhes os cabelos sedosos, horrendos, horríveis, mal cheirosos, e no entanto
Adorava,
E no entanto
“Branco é papel e só serve para limpar o cu”,
A escola
Uma colónia de sonhos que me ensinou e preparou para a tua chegada e quando chegaste
Mãe, quero voar,
E nunca mais deixaste de voar e de sonhar.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
23/01/2013
Alijó

Precisar


Precisava de ti
com as janelas escancaradas
precisava de ti
com as portas amachucadas
precisava
precisava de ti
com o telhado de vidro
e as paredes da tua pele
o meu abrigo
precisava
de ti
sílaba em perigo.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
23/01/2013
Alijó

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

As imagens do poema


Nunca sei se as tardes são frígidas
pacientemente esperando
as noites compridas
nunca sei
se as horas esquecidas
dormem ou não dormem
tal como eu
um pequeno cedro que tomba sobre a calçada
dormem ou não dormem
as pequenas palavras de ti
ditas pela boca em delírios desejos
e tal como eu

Nunca sei
se os relógios que me anunciam as horas esquecidas
têm ou não têm
mecanismos de ti
tal como eu
um pequeno cedro que tomba sobre a calçada

Tal como eu
nunca sei
se nos teus olhos vivem estrelas
ou dormem nuvens de chocolate
nunca sei
e tal como eu
um pequeno cedro que tomba sobre a calçada
sem perceber se as tardes são frígidas pacientemente esperando a melancolia em três actos

E o verdadeiro poema escreve-se com imagens
desenha-se com sons
e nunca sei
tal como eu
as pequenas palavras de ti
ditas pela boca em delírios desejos.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
E se um dia eu te oferecer flores?
Dir-te-ei que enlouqueceste como enlouquecem as serras depois das tempestades de neve, assim, ficar-me-ás nas entranhas mãos que o perfume dos silêncios mares deixam ficar nas pálpebras tristes dos corpos imperfeitos das cidades vazias, dir-te-ia apenas que o amor é uma coisa, fria, compacta, estranhamente estranha, infeliz, as palavras sobre a aldeia onde nasci, vazia
E se um dia eu te oferecer flores? Provavelmente não será amor, acredito que seja o meu velório, e possivelmente não o será, provavelmente seja um casamento, o teu baptizado, talvez, um dia, percebas os meus poemas que escrevi, e deixei
De escrever?
Sobre a aldeia vazia, perdidamente entre duas distâncias, um ponto insignificante algures no Rossio, ou uma recta paralela ao rio tal como os carris que te levavam para Belém, ou talvez
O que me dizes das flores?
De escrever, ou talvez sobeja um ponto final para colocar no paragrafo em suspenso, à espera que regresses do outro lado da circunferência amarela, os círculos de luz, abelhas envenenadas pelas garras ciumentas da tua boca carnívora, enfeitada com cigarros de enrolar e pedacinhos de pétalas de papel,
Ou talvez
De escrever, desesperar até que a morte nos separe, acredites, não acredites, eu vou partir, oiro, marfim, ou talvez, dir-te-ei que enlouqueceste como enlouquecem as serras depois das tempestades de neve, assim, ficar-me-ás nas entranhas mãos que o perfume dos silêncios mares deixam ficar nas pálpebras tristes dos corpos imperfeitos das cidades vazias, dir-te-ia apenas que o amor é uma coisa, fria, compacta, estranhamente estranha, infeliz,
Ou
Dir-te-ia que os telhados são como as flores que tenciono oferecer-te, ou talvez não, ou
Infeliz,
Ou
Dir-te-ia que os telegramas (telegramas?) dir-te-ia que os telhados de papel sobre a aldeia onde nascia arderam, tal como as flores, tal como os poemas do Inverno de écharpe na cabeça à lareira da sonolência à espera que o livro poisado na mão acordasse e se transformasse em simples criança desenhando sonhos nas paredes escuras, nas paredes frias, dos vidros que guardam as janelas
Do amor.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó