terça-feira, 15 de maio de 2012

imagens de néon

havia no teu corpo
uma finíssima sombra de palavras
um uivo de rimas
caminhava desesperadamente sobre a tua pele macia de amanhecer
ainda não tinha acordado o dia
ainda dormias dentro dos poemas de inverno
e na janela da sala
o meu rosto imaginava o longínquo mar de Luanda

havia barcos enferrujados pela solidão
das palmeiras
havia gaivotas poisadas sobre os barcos
enferrujados pela solidão das palmeiras

havia um miúdo à procura de rimas
e rimas à procura de um miúdo
que rabiscava desenhos cansados
no pavimento do porto de mar
onde adormeciam rebocadores
e velhos abraçados a bengalas de pergaminho

(havia no teu corpo
uma finíssima sombra de palavras)

havia vento
e palavras na sombra das palmeiras
havia a solidão
que caminhava na tua pele de desejo

(havia no teu corpo
uma finíssima sombra de palavras)
havia um rio que me conhecia
e me amava
e me abraçava
havia um porto de mar sem número de polícia
havia barcos
e livros deitados nos olhos dos barcos
meu deus – Tanta coisa que havia...
e hoje são apenas imagens de néon

segunda-feira, 14 de maio de 2012


A quem vou passar a multa!!! Ao vento? Não...

viagem à lua

a viagem à lua
o rio encharcado de suor
a manhã toda nua
de joelhos no altar-mor,

o terço abraçado
a uma pétala em flor
deus ao teu lado
a escrever versos de amor,

ave maria cheia de graça
que voa sobre o mar
desce uma pomba à praça
levanta-se a manhã do altar.

domingo, 13 de maio de 2012

o menino francisquinho

e zás
caiu o tecto da miséria
sobre a horta da saudade
e traz
o sangue na artéria
e vem de longe a felicidade

e zás
e traz

alimentos biológicos
pimentos
ventos
tomates analógicos
TV digital
e zás
e traz
um bebé prematuro
e traz
e zás
o menino francisquinho
coitadinho
poisado no quintal
barrigudo
pançudo
vem de longe a felicidade

e zás
e traz

a côdea na algibeira
o sangue na artéria
vai para longe a ribeira
e leva a miséria

freguês...
e zás
e traz

vai uma voltinha?
Duas por uma
não custa nada
burguês
dá cá uma notinha
(de cinco, de dez ou de vinte)
ai freguês...
e zás
e traz
o som na espingarda e PUMBA
o sémen de aço
no peito do pedinte

o coração estilhaçado
e o palhaço sem braço
sem pernas nem cansaço
caiu o tecto da miséria
o sangue na artéria

sobre a horta da saudade
um tomate ficou danificado
e um pimento
coitado
como o menino francisquinho
deitado
no ninho
ao vento
sem alimento
sem pensamento
em sofrimento
à espera que cesse a tempestade

Mulher de armas

prescindir

Podia prescindir
de viver com livros e literatura
de escrever
ler
mas não fumar cigarros
é como fingir
semear orgasmos
no meio da rua

os livros o medo todos os sonhos

travestis
putas
homens honestos
ruas em cidades
aldeias sem ruas
prédios sem janelas
e luas
nuas
sem portas de entrada
jardins floridos
fodidos
a literatura
os livros
o medo
todos os sonhos
na sepultura

sábado, 12 de maio de 2012

Vi o vento partir

vi o vento partir
da esplanada na tarde de Agosto
fingi sorrir
sorrir sem gosto,

vi barcos atracados nos muros da insónia
cabeças sem estrelas
línguas afiadas às paredes do inferno,

vi crianças sem pão
sem pátria sem memória
vi o vento partir,
ouvi o silêncio de uma nação
com história
a resistir,

a mentir,

(Vi o vento partir
da esplanada na tarde de Agosto
fingi sorrir
sorrir sem gosto),

a fugir
o povo mastigado
cansado
o povo a fingir
sossegado
a mentir
vi soldados
de punho cerrado
antes de acordar a alvorada
gargantas cortadas em pedaços
sem braços
a madrugada.

cansaços de amar

Os olhos
gotículas pétala flor
em cansaços de amar
nos olhos
o perfume de uma flor
quando a noite se suicida no mar

sexta-feira, 11 de maio de 2012

e é tão triste o inverno

Olho-te sem me olhar
nas paredes do inferno,

olho-te em sonhos de sonhar
quando os lençóis do mar
em beijos amar
adormecem sem acordar,

olho-te sem me olhar
nas paredes do inferno,

e é tão triste o inverno...

coisas invisíveis

imaginárias
as coisas invisíveis que vivem em mim

os sábados sem cigarros
domingos sem poesia
e hoje
sexta-feira...
(imaginárias
as coisas invisíveis que vivem em mim)
e hoje escrevo num sábado com cigarros
e o domingo sem poesia
e o domingo com nuvens sobre o teu peito
e hoje
sem poesia
domingos deitado dentro de um cubo de vidro
sem janelas
portas...

imaginárias
as coisas invisíveis que vivem em mim

quando me olho no espelho.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

e coisas banais

A abelha do amor
perde as asas nos lábios de uma pétala
incendeia-se o desejo entre pergaminhos e palavras
e coisas banais
sem sentido
significado
coisas
muitas coisas
tal como as abelhas do amor
sem asas
sem palavras
sem nada

à espera que cresça a madrugada.

Um dia vou perceber

um dia
vou perceber os teus sonhos
as tuas palavras
os teus anseios...

um dia
quando acordar

vou perceber o silêncios das tuas mãos
e os gemidos do teu olhar

um dia
vou perceber
que as flores são belas
e a noite deslumbrante

um dia
quando acordar

vou perceber
os teus lábios
um dia
vou perceber
quando acordar
que a lua te faz chorar
quando acordar
um dia
vou perceber
que a noite te vai buscar
e das estrelas
vão descer
sorrisos e sonhos e sílabas de algodão
e madeixas de cetim
oiro e mirra e incenso
e todas as ervas invisíveis...