A
navalha suspensa no pescoço da saudade, o terrível ausentado sentado na cadeira
do barbeiro, o silêncio da espuma de barbear esvoaçando pelos jardins do
sofrimento, adoro o Outono, diz ele reflectindo os lábios em suspiros no
espelho,
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É o penúltimo andar do edifício do amor,
O
ouro liquefeito escorrendo-lhe entre os dedos queimados pelo cigarro, não dorme,
e, em lágrimas, recorda a solidão das tardes perdidas, lá fora está frio, o
sussurro da alma descendo a montanha, velozmente, sente, na garganta,
-
Ai Sr. José, cuidado com a navalha,
O
Sr. José, diplomado desde 1835 em navalhas,
-
Sabe, tenho fome, sede, saudade das sombras e dos pinheiros mansos, e, mesmo
assim, deixei de escrever,
Navalhas
duplas, triplas, circulares, quadrangulares e outras,
-
Já faço isto à muito tempo, Sr. Francisco…
A
noite é fria, a casa está escura, e, quando abro os olhos vejo as pirâmides do Egipto
flutuando no tecto da sala, corro, desço as escadas até ao rés-do-chão, e,
nada, absolutamente nada,
-
É o que faz ser poeta, Sr. Francisco,
Os
poemas matam-me, sofro, e, choro, escrevo cartas que nunca envio, tristezas e
desabafos alucinados pelo luar,
-
Vamos cortar o cabelo?
Pelo
luar, o eterno abraço, o beijo enfeitiçado, como as velhas folhas de papel
amarrotado onde escrevia, respondo-lhe que não, cabelo não,
-
O Sr. É que sabe,
Abro
a janela, um lenço de suicídio desce à velocidade de nove virgula oito segundo
quadrados, aterra no pavimento, e, nada, deixou de respira, está moribundo, e
tem na mão o esqueleto da insónia,
-
Está novo, Sr. Francisco,
E
depois da insónia regressam as lágrimas, e depois das lágrimas regressam as
madrugadas sem ninguém…
-
Tenha uma feliz noite, Sr. Francisco,
Dou
um aperto de mão ao Sr. José pelo poema que me desenhou no rosto, e, vou jantar…
(ficção)
Francisco
Luís Fontinha
Alijó,
1 de Dezembro de 2018