sábado, 12 de dezembro de 2015

Nas letras nos números e nos traços


Sinto os lençóis do teu rosto

Na Cárcere dos meus tímidos lábios

Sinto o infinito solitário

Descendo a rua

De cigarro em punho

Uma espingarda para a morte

Morrer

A morte só faz sentido quando o corpo desiste da paixão

E o amor deita-se sobre os rochedos da insónia

Sinto os teus braços no meu cabelo

Sinto a tua mão cegando a minha barba

(pareço um bandido)

Pareço um sem-abrigo abrigado nos teus beijos

Um homem desiludido… desiludido do luar

E das nuvens de algodão

Negoceio em gado

Sou agricultor diplomado

Aprumado

Nas letras nos números e nos traços

Roça-se no seu corpo

Acredita na morte

E tem medo da guerra

A carta não regressa

Um par de cornos

E uma foice… a seara do cansaço

Dorme

E sente

Como eu

Sinto

Na Cárcere dos meus tímidos lábios

Sinto o infinito solitário

Um homem corpulento

Bom amante

Falante

Suicidando-se…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 12 de Dezembro de 2015

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Da noite na noite só



 
 

Porque sinto o teu corpo na escuridão da noite
Deitado sobre os meus livros
Comendo as palavras dos meus livros
Apagando os desenhos dos meus livros…
Assim acontece
Noite após noite
Semana após semana
Eternamente
Deitado
Como eu queria ser um dos meus livros!
Um qualquer
Para acariciar o teu corpo
E nele escrever a aventura
E a paixão
De viver
Da noite
Na noite
Só.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
sexta-feira, 11 de Dezembro de 2015


 


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Palavras apitos e homens de chapéu negro


Este apeadeiro sem telhado

Sofrido nas frestas e nas ripas e nos pregos

A farsa de um comboio vomitando na noite escura

Palavras

Apitos

E homens de chapéu negro

Inventam uma revolução

Eles gritam

“queremos pão”

Não é crime pedir pão

Não é crime ler com um pão na mão

Crime é sentir a liberdade

Sentada

Numa jaula com grandes de cartão…

Crime é não ter a liberdade desejada.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 10 de Dezembro de 2015

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

 

Parecíamos dois pontos de luz em direcção à morte sem passaporte



Entranhei as mãos no teu corpo de porcelana
Parecíamos dois pontos de luz em direcção à morte
Sem passaporte
Clandestinos destinos
Das madrugadas infelizes
Tínhamos no sorriso todas as fotografias da infância
Ai… ai meu amor
A tua partida
O abismo das tardes sem ouvir a tua voz
Que a janela da biblioteca absorvia
As coisas parvas que recordávamos
Sítios
Costumes
E palavras não ditas
Suspirava quando te via
Estranhava a palpitação do meu coração
Uma máquina absorta
Nas montras da velha cidade
Os apitos dos teus seios
Chamando-me para o desembarque
Os marinheiros aflitos
Embriagados
Sonolentos
Quando nos teus lábios acordavam beijos
E lamentos
Entranhei as mãos
Na caneta de tinta permanente
Escrevi no teu corpo todos os poemas da noite
(sempre te amei na noite)
Escrevia no teu corpo como se brincasse nas planícies do sofrimento
Deixei de estar presente no teu ventre
Desenhei pássaros na tua face rosada
E bebíamos como se o amanhã não existisse mais
Amava-te
Como amo as sombras desta casa
A lareira embriagada nos trilhos das montanhas da paixão
Novamente o abismo da escrita
O sexo suspenso na clarabóia do luar
Os gemidos invisíveis das noites com geada
Os términos suspiros das alvoradas
Amava-te
E tinha medo do teu cabelo
Como ainda hoje tenho medo do teu cabelo
Veio o sonho
Trouxe a morte
E acordaram todos os vampiros da madrugada
As motorizadas dos caquécticos transeuntes
Contra o medo dos dias
Tinha-me esquecido de acordar
Tinha no quarto uma fenda no espelho
Eu parecia um monstro
Uma ribeira em direcção ao púbis do Rio
Depois acordava o mar
Depois acordava o amor
A paixão
E a desilusão de não te amar
Os lençóis quase em brasa
O suor acorrentado à tua pele de cereja
Ai… ai meu amor
Que inveja
Que saudade
São dóceis as brincadeiras do teu olhar
São dóceis os sofridos orgasmos das tuas lágrimas
E tão longe
O mar
E tão longe
O mar de papel que habita nas tuas coxas…

Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 9 de Dezembro de 2015

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

É tão fácil odiarem-me aqui


O tempo cessou de vomitar

As horas os minutos e os segundos

Estou só

Aqui

Converso com um invisível copo de uísque

Recordamos os momentos passados junto ao Tejo

O embriagado soldado

Subindo a Calçada da Ajuda

Com o Doutor Vijago debaixo do braço

Não sei se o tempo me quer

Ou se eu quero o tempo

Estou só

Aqui

Neste convés sem janelas

Neste mísero abraço

Aqui

Estou só

Converso com todos os fantasmas da noite

Reparo que um deles odeia-me

É tão fácil odiarem-me

Aqui

Olhando o sonífero luar nos términos da insónia

Sou pobre

Nada telho para te oferecer…

Apenas beijos e livros

Coisas insignificantes

Sem destino

Quando menino dormindo na sombra das mangueiras

O musseque fervilhava de paixão

Havia sexo

Orgias

Orgasmos

E gemidos

África é um Paraíso

Sem nome

Sem morada física

Como eu

Aqui

E só

Escrevendo parvoíces

Coisas que ninguém lê

Palavras

Palavras

Palavras do Diabo

Sem dono

Sem ser amado

A felicidade acorda nos teus lábios

Framboesa das manhãs sonolentas

Dos castiçais amedrontados do templo do amor

As aventuras das crianças pretas meus irmãos também

A morte regressava-lhes de vez em quando

E sorriam

Cantavam

Beijavam-me como se beijam os Coqueiros nas fotografias

E o tempo cessou de vomitar

As horas os minutos e os segundos

Estou só

Aqui

Só…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 8 de Novembro de 2015

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Sempre no esquecimento de viver sem perceber o significado da vida uma passagem


A morte desliga-se do corpo

Interrupção da vida entre momentos e obscuros silêncios

Oiço a tua voz poisada no espelho do guarda-fatos

Sentes no cabelo a tempestade dos órfãos parágrafos

Apenas palavras, meu amor, palavras sem nexo

Para pessoas sem nexo

Como tu

Como eu

Sempre no esquecimento de viver sem perceber o significado da vida

Uma passagem

Uma pequena passagem…

Para o húmus

A terra incendiada pelos teus gemidos

O borrão da caneta de pinta permanente sobre as sanzalas da tua adolescência

Foste feliz, meu amor,

O homem mais feliz de todos os homens felizes

Que eu conheci

Tinhas um crocodilo em pão-preto

Algumas fotografias a preto e branco

Um carrossel de cartão

E eu era feliz nos teus braços

A morte desliga-se

Foge

Covardemente

Foge

Sem deixar rasto

Endereço

Número de polícia

Rua ou calçada

Tanto faz

Não existes

Deixaste de pertencer às manhãs televisivas

Sentavas-te no sofá

Incrédulo

Rabugento

Nas finíssimas lágrimas da tristeza

Que o teu rosto transportava

O engano

A mentira

O sofrimento do Adeus quando a presença é desconhecida

De mim

De ti

De nós…

Às vezes acreditava que conseguias voar

Mas logo percebi que era impossível voares…

Apenas os pássaros o sabem fazer tão bem

Que

Que sempre duvidei que o conseguirias

Felizmente

Não o conseguiste

Eu não o consegui

Que

Amanhã perceba porque não o consegui

Escrevo-te sem saber porque o faço

Não me importa a solidão

E as noites sem ninguém

Não me importo com o amor

A paixão

E a ressurreição dos panos de linho

Não me importo, meu amor, não me importo com as coisas simples da vida

Os livros

Sentado numa esplanada com sabor a Tejo

Uma cerveja, um prato de caracóis, e nada mais…

Amava a tua alegria

Amava os teus braços na minha face…

E nunca me disseste que ias partir!

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 7 de Dezembro de 2015