domingo, 15 de outubro de 2023

Sem tempo o vento



Desiste do tempo

Enquanto tens tempo

Insiste no tempo

Do tempo sem tempo

Desiste do vento

E do tempo

Sem vento

 

Desiste do tempo

Desiste do vento

Desiste da tempestade que traz o vento

E leva o tempo

 

Desiste do tempo

Quando o tempo se esconde na madrugada

Sem tempo

Coitada

Coitado é do vento

Que corre

Corre

E nunca tem tempo

Para nada.

 

 

15/10/2023

sábado, 14 de outubro de 2023

A minha rua



É noite nos teus olhos,

Meu amor,

É noite nos teus olhos,

E do outro lado da rua,

Procuro a outra rua,

A rua da minha ausência,

É noite, meu amor,

É noite e do outro lado da rua,

Procuro a tua rua,

A rua das flores,

A rua dos jardins suspensos da Babilónia…

É noite, meu amor,

É noite no outro lado da rua,

É noite nos teus olhos, meu amor,

E procuro as tuas mãos,

E procuro os teus lábios…

Do outro lado da rua,

Em frente à minha rua…

Junto ao mar.

 

14/10/2023

Aldeia

 Triste nasceu o dia

Na aldeia

Triste e fria

A mão que semeia

O dia

A poesia

E a fogueira que incendeia

 

Triste nasceu a aldeia

No triste dia

Da luz da candeia

À luz do dia

 

Triste

Triste nasceu o dia

Na aldeia

E a aldeia resiste

Ao triste dia

 

Triste acordou a aldeia

No triste dia

Da luz que encandeia

E desenha a ideia

No triste acordar da aldeia

Da aldeia que não sentia

A ousadia

Do dia

No dia onde nasce a ladeia.

 

 

14/10/2023

Flor de fumo

 

A meio da noite, meu amor, a meio da noite acorda a luz no teu corpo, a meio da noite, meu amor, a meio da noite, deita-se a luz no teu corpo, abraça-se a luz às minhas mãos, que poisam no teu corpo as primeiras sílabas da manhã,

A meio da noite, meu amor, a meio da noite acordam os pigmentos de cor, com que pincelo o teu ombro, a meio da noite, ele sonolento, tão sonolento como as predizes da madrugada,

A meio da noite,

Meu amor,

A meio da noite acorda a luz no teu corpo, ergue-se o livro esquecido no chão, poesia de uma afegã, a meio da noite, os teus olhos, meu amor, a meio da noite vestem-se de estrelas, e passeiam-se nos meus lábios, quando o meu beijo desce suavemente sobre o teu ventre, a meio da noite, o incêndio, a fogueira da noite, que a meio da noite enrola no teu cabelo, e voa sobre um ninho de cucos, perdidos na noite,

Meu amor,

A meio da noite, fogem de mim as diáfanas águas da ribeira dos sentidos, que a meio da noite, trazem as pedrinhas com que construo a minha noite, quando a meio da noite,

Sobre ti, lábios de luz, sobre ti, silêncios de ti,

A meio da noite,

Acorda,

Ergue-se o livro da poetisa afegã…

Que perdeu a noite,

Que nunca teve noite, como eu, quando procuro no teu corpo o poema mais belo do céu nocturno em “Flor de Fumo”,

E querida Nadia Anjuman, a meio da noite, porque te assassinaram, quando possivelmente as tuas noites eram como são as minhas noites, sonhar com poesia, respirar poesia, snifar poesia…

A meio da noite, uma flor se aproxima de ti, se deita no teu colo, e recorda-me a infância com muitos meios da noite, eu olhava as estrelas, pedia um desejo,

E voava,

Sobre ti a meio da noite,

Porque te assassinaram?

Flor de Fumo…

 

 

14/10/2023

Rio da alvorada

 Do rio que leva

No rio que não dorme

Do rio que traz

O dia e a fome,

 

No rio que grita

Ao rio que não come

O rio que agita

O outro rio sem nome,

 

Do rio que leva

No rio que consome

O rio dos pássaros da madrugada

E do rio com síndrome…

 

Do rio que leva

O que rio que me traz a alvorada

Do rio sem nada

Ao rio que desce a calçada.

Vida


Talvez a vida tenha começado no espaço

Frio e escuro

Dizem eles

Os cientistas

Talvez a vida tenha vindo do espaço…

Mas eles dizem tanta coisa…

Que eu não sobrevivia aos primeiros meses de vida

E cá estou eu

Sentado numa cadeira

Em frente ao mar…

À espera

À espera de que o mar me leve

E a escrever parvoíces.

 

Talvez a vida seja apenas uma imagem

Reflectida no espelho da insónia

Talvez a vida tenha começado fora

Fora da Terra

E eu

Aqui

A queixar-me da vida.

 

Talvez a vida tenha começado na tua mão

Também ela

Reflectida no espelho da insónia

Também ela

Perdida em frente ao mar

À espera

À espera da minha vida

Da minha mão.

 

Talvez a vida tenha começado na minha rua

Em frente à minha casa

No número quinze

Terceiro esquerdo

Talvez a vida

Talvez a vida tenha começado no teu silêncio

Quando me olhas…

E nem bom dia me dizes

Talvez a vida…

Eles dizem tanta coisa…

 

Talvez a vida tenha vindo dos teus olhos

Também eles reflectidos no espelho da insónia

Que existem para me acordar

Que existem para eu contemplar…

Quando acorda a manhã

Quando se deita a noite nos teus braços

E dos teus lábios

Emerge-se a vida

A vida que começou no espaço

Frio e escuro…

 

 

14/10/2023

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Sábado

 Sábado

Meu amor

Sábado vou desenhar-te

Junto à ribeira,

Sábado vou escrever-te

Enquanto a lua está desgovernada,

Sábado

Meu amor

Sábado vou lançar ao rio

Esta fogueira,

Sábado

Meu amor

Vou desenhar os teus olhos

E esperar

Que acorde

A madrugada.

 

Sábado

Meu amor

Sábado vou pedir ao teu cabelo

Que me empreste o vento,

Meu amor

Sábado

Vou esconder-me no teu pensamento…

Meu amor

Sábado

Sábado vou amar-te

Como quem ama uma flor,

Sábado vou contemplar-te

Como quem contempla uma flor…

Sábado

Meu amor…

Sábado vou reler este poema

E pedir

Que sábado

Acordem nos teus lábios

O sabor da chuva

E o silêncio da manhã…

 

Sábado

Meu amor

Sábado vou desenhar-te

Junto à ribeira…

Sábado

Meu amor

Sábado vou escrever-te

E abraçar-me ao mar

Que não tendo sabedoria

Tem artimanha…

Tem estrelas coloridas,

Sábado

Meu amor

Sábado vou subir à montanha

E gritar

Que no próximo sábado

Meu amor

Eu seja uma pedra cinzenta…

Junto à ribeira

Onde vou desenhar-te…

 

 

13/10/2023