Quis Deus e o destino e o
Diabo que eu tivesse assentado praça na Ajuda, que nada ajuda, e que quando ajudava,
não ajudava nada.
Depois de ter sido expulso
de vários quarteis, desde o Bairro Alto a Cais do Sodré, passando por Alcântara
Mar,
Fui cair…
Na Ajuda,
E da ajuda,
Quis Deus e o Destino e o
Diabo…
Que da ajuda,
À Ajuda,
E logo que olhava o primeiro
cacilheiro da manhã,
Zás,
Tombava no pavimento
sonolento das sombras da noite anterior, depois, depois…
Nada.
Quem vem lá faz alto,
Disparava dois tiros de sono,
um pirolito…
E zás,
Mais um dia, mais uma
noite, mais uma Primavera e mais um Verão que era mais teimoso que a prima da
prima da Primavera,
Baixava a cabeça, peganhava
na minha mão…
E ao longe o Tejo em
aflitivos gemidos.
Quis Deus e o Destino e o
Diabo e o raio que o parta…
Que eu assentasse praça
na Ajuda,
Sem ajuda,
Que apenas o Tejo me compreendia.
Inventava doenças aos
meus pais, um dos meus irmãos estava sempre com problemas,
Coitado dele,
Coitado
Tinha tantos problemas
que nunca saiu dos testículos do meu pai,
Tudo servia de desculpa
para regressar a casa. Um dia, qualquer dia junto ao Tejo, convenci uma amiga
para ir falar com o meu chefe e dizer-lhe que era a minha namorada e que estava
grávida e que não sabia como fazer e que eu estava mortinho para regressar a
casa…
O chefe comoveu-se, trouxe
quinze dias.
Quando disse em casa que
ia ficar quinze dias,
Quinze dias, porquê?
Porque a minha mãe achava
normal…
E claro, que iam ser avós
e que já não iam,
Não perceberam,
Eu também não,
Mas…
Ajuda, da Calçada, quando
os parêntesis do sono se abraçavam a nós, e nós e eles e elas e eles todos…
Nada,
Ninguém percebia, porquê.
Durante a noite desenhava
círculos nos cornos da lua, depois,
Depois,
Nada,
Depois aparecia o
coveiro, pegava em nós e sepultava-nos junto a um cacilheiro, já muito velhinho,
já muito trôpego, já muito…
Caia a noite sobre a
alvorada, a espingarda começava a disparar fotografias de antigamente…
E depois,
Depois nada.
Francisco
02/06/2023