Sou o comandante deste
pobre navio.
Um objecto de sucata,
Toneladas de aço,
Multidões que se escondem
em corpos,
Multidões com muitos
braços,
Com muitas pernas,
Com pénis e vaginas,
Olhos e lábios e sorrisos
e pequenos luares,
Mares,
Canções e canetas,
Pedras,
Pedras em silêncio,
E silêncios em pedras,
Que morrem,
Que nascem,
Que fodem,
Que me fodem
Todos os dias,
Entre segundos e minutos,
A todas as horas que o
dia esconde,
E se me perguntarem o que
me esconde o dia,
Diria…
Nada,
Como nada são as palavras
que escrevo,
Durante o dia,
Da noite e à noite,
Nada,
Como nada me escondo do
nada,
Sabendo que entre o nada
e o medo,
Prefiro o medo.
E este navio é
impaciente,
Um pouco louca até,
Sucata,
Com um coração de lata,
Com telhado zincado,
minha pobre cubata.
E eu o pobre comandante,
O gajo que puxa o cordel
onde habitam os meus cacilheiros
Com marinheiros com putas
com flores com shots de uísque aldrabado,
Depois sentava-me em Belém,
Escrevendo palavras
também elas aldrabadas,
Digamos que sou um
charlatão das palavras,
Um vigarista da poesia,
E mesmo assim, não sabendo
nada, sei que há mulheres que gostam do que escrevo,
Coitadas delas,
Coitado de mim,
Nem elas,
Nem eu,
Somos um jardim,
E à frente deste navio,
Eu, o comandante sem
diploma de comandante,
Eu, o poeta, sem diploma
de poeta,
Eu, o velho cacilheiro
sem rio para brincar.
E este navio vai andando,
Com a graça de Deus,
Umas vezes afunda,
Outras,
Faz-se passear na lua,
E tal como as minhas
palavras,
Sem futuro,
Das palavras à morte,
O diabo que o parta e
escolha,
Esta sorte,
Ser comandante de um
navio sem nome; um navio sem sorte.
Alijó, 20/11/2022
Francisco Luís Fontinha