sábado, 3 de junho de 2023

Tarde em silêncio

 

Às vezes, às vezes tínhamos pressa do cansaço,

Muitas vezes,

Das outras vezes,

Era o cansaço que se fartava de nós…

 

E escondia-se na algibeira do sono.

Às vezes, às vezes éramos acorrentados aos lábios do vento,

Muitas vezes,

Das outras vezes…

Era o vento que desenhava em nós a madrugada.

 

Às vezes, às vezes sentíamos no peito a gravidade…

E em cada segundo de colapso…

Percorríamos nove vírgula oito metros por segundo ao quadrado…

Tantas vezes,

Das outras e destas vezes…

E das vezes que não tínhamos vezes…

 

Caia sobre nós a tarde vestida de silêncio.

 

 

 

Francisco

03/06/2023

sexta-feira, 2 de junho de 2023


 

Fotografias de antigamente

 

Quis Deus e o destino e o Diabo que eu tivesse assentado praça na Ajuda, que nada ajuda, e que quando ajudava, não ajudava nada.

Depois de ter sido expulso de vários quarteis, desde o Bairro Alto a Cais do Sodré, passando por Alcântara Mar,

Fui cair…

Na Ajuda,

E da ajuda,

Quis Deus e o Destino e o Diabo…

Que da ajuda,

À Ajuda,

E logo que olhava o primeiro cacilheiro da manhã,

Zás,

Tombava no pavimento sonolento das sombras da noite anterior, depois, depois…

Nada.

Quem vem lá faz alto,

Disparava dois tiros de sono, um pirolito…

E zás,

Mais um dia, mais uma noite, mais uma Primavera e mais um Verão que era mais teimoso que a prima da prima da Primavera,

Baixava a cabeça, peganhava na minha mão…

E ao longe o Tejo em aflitivos gemidos.

Quis Deus e o Destino e o Diabo e o raio que o parta…

Que eu assentasse praça na Ajuda,

Sem ajuda,

Que apenas o Tejo me compreendia.

Inventava doenças aos meus pais, um dos meus irmãos estava sempre com problemas,

Coitado dele,

Coitado

Tinha tantos problemas que nunca saiu dos testículos do meu pai,

Tudo servia de desculpa para regressar a casa. Um dia, qualquer dia junto ao Tejo, convenci uma amiga para ir falar com o meu chefe e dizer-lhe que era a minha namorada e que estava grávida e que não sabia como fazer e que eu estava mortinho para regressar a casa…

O chefe comoveu-se, trouxe quinze dias.

Quando disse em casa que ia ficar quinze dias,

Quinze dias, porquê?

Porque a minha mãe achava normal…

E claro, que iam ser avós e que já não iam,

Não perceberam,

Eu também não,

Mas…

Ajuda, da Calçada, quando os parêntesis do sono se abraçavam a nós, e nós e eles e elas e eles todos…

Nada,

Ninguém percebia, porquê.

Durante a noite desenhava círculos nos cornos da lua, depois,

Depois,

Nada,

Depois aparecia o coveiro, pegava em nós e sepultava-nos junto a um cacilheiro, já muito velhinho, já muito trôpego, já muito…

Caia a noite sobre a alvorada, a espingarda começava a disparar fotografias de antigamente…

E depois,

Depois nada.

 

 

 

Francisco

02/06/2023

Tudo ou nada

 

Eu podia ser tudo

Não o fui

Nem de tudo de muito

Nem de pouco de tudo,

Não importa,

Eu podia ser tudo

Não o fui

Podia ser marinheiro

Cançonetista ambulante

Vendedor de arte e outros afins…

E não

Não o fui

Nem o serei.

Olha

Podia ser artista

E assim não passava a noite a olhar para os furos dela

E dela

Não a outra

Refiro-me a uma viga.

Podia ser astronauta

Medidor e orçamentista de nocturnas paisagens e afins…

E não,

Não o fui

Nem o serei.

Podia ser tudo

E não o fui

Nem o serei

Podia ser pássaro

E assim cagava na cabeça de algumas pessoas…

E claro

Podia ser borboleta

Com bolinhas

Retrovisor

E airbag circular direito…

E não

Não o fui

Nem o serei.

Quero lá eu ser tudo…

Quando posso ser nada.

 

(já agora, foram as minhas mãos que elaboraram o desenho em anexo; com os devidos respeitos,

Atenciosamente,

Francisco, Terreiro do Paço, 02/06/2023)

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Silêncio da tua boca

 

Escuta o silêncio,

Escuta o silêncio, meu amor…

Fecha os olhos,

Esconde os teus lábios na minha boca,

E…

E sonha, meu amor…

E sonha.

 

Escuta o silêncio,

Escuta o silêncio, meu amor…

Escuta o silêncio e lê as minhas palavras,

Fecha os olhos,

Pega na minha mão…

E serás a dona de todas as madrugadas.

 

 

 

 

Luís

01/06/2023

quarta-feira, 31 de maio de 2023

Janelas

 

Não estejas triste,

Não estejas triste meu amor,

Não estejas triste se uma das janelas quebrou,

Olha… aprendi a viver sem janelas…

E sou tão feliz.

 

Não estejas triste,

Não estejas triste meu amor,

Não estejas triste se o teu jardim não tem flores…

E flores, meu amor…

Flores…

Olha,

Quem sabe se não terá algo de mais importante de que flores…

 

Flores meu amor…

Tantas coisas que são mais importantes de que flores.

Não estejas triste,

Não estejas triste…

Meu amor,

Não estejas triste se a noite é tão longa.

 

 

 

 

Luís

31/05/2023

Navio de sono

 Este velho navio

Transporta-me para os teus braços

Quando a noite sitiada no teu ventre…

Um poema de lágrima

Sorri nos teus lábios.

 

Navega nos teus lábios

Este velho navio de sono

Em pequenos círculos

Navega nos teus lábios

O astrolábio dos teus olhos…

 

Veneno que mata as estrelas

As estrelas que iluminam este velho navio

Que os teus lábios absorvem…

Da noite embrulhada nos teus seios…

A madrugada apenas nos pertence.

 

 

 

Luís

31/05/2023