Acordava aos poucos o dia
Acordava
Docemente
Sem perceber que a
madrugada tinha posto termino à vida
Da vida nocturna entre
pedaços de lata
E fios finíssimos de
geada
Acordava
E aos poucos
Na correria de sempre
Tomar banho
Pequeno-almoço
Correr
Correr
Logo
Logo
Começa a tarde
Despede-se a manhã do
feiticeiro
E tudo recomeça
E tudo se repete
Todos os dias
A cada dia
Acordava aos poucos o dia
Sem saber ele
Que brevemente seria
trocado pela noite
Feito prisioneiro na mão
de alguém…
E posteriormente
Muito mais tarde
Condenado a cinco noites
de sono
Acordava o dia
Todos os dias
O mesmo tédio
As mesmas fotografias
As flores são as de ontem
Os pássaros que ontem
poisavam nas minhas árvores
Hoje
São os mesmos pássaros
que ontem poisavam nas minhas árvores…
E ainda há quem pense ser
superior
Quando cá cheguei
Tudo já cá estava
E quando eu partir
Tudo cá ficará
Acordava o dia
Aquele fatídico dia
E mais uma longa espera
Junto ao cais
Eu
O guardião das nuvens
cinzentas
E dos tristes Sóis da
noite anterior
Mais tarde
Talvez um outro ontem
Longínquo
Mais tarde recolhíamos
todas as ossadas
Cada risco
Um osso
Dois ossos
No canto esquerdo do
papel
Um silenciado sorriso
Quase
Quase
De tristeza
Acordava o dia
O dia envergonhado
Cansado do tédio
Cansado do mar
E dos barcos que se
escondem no mar
Acordava o dia
Aquele fatídico dia…
Na ausência do corpo
Vendeu a alma ao merceeiro
do quinto esquerdo…
E hoje é professor de
Botânica.
Luís
27/05/2023