Uma gaivota de sono
Poisa nos teus lábios,
E fico tão triste,
Tão triste… meu amor…
Porque não sei como afoguentá-la
dos teus lábios
E tenho medo de que ela me
roube o teu olhar,
Ai meu amor…
Como são tristes as
janelas do teu silêncio,
Como são tristes,
Meu amor,
As palavras das minhas
madrugadas,
Enquanto penso se essa
maldita gaivota…
Te vai roubar esse lindo
olhar,
Cartas que te escrevo
Nas suspensas manhãs de
enxofre,
Enquanto nas tuas mãos ardem
as flores do teu luar…
E essa maldita gaivota
com asas de veludo
Que não se cansa de te rondar,
Qualquer dia,
Regressarão as tristes
Primaveras,
De que nunca tive medo,
Medo não tenho,
Medo nunca o terei…
Mas preocupa-me essa
gaivota de sono
Sem nacionalidade…
E filha da lua,
E dizem que o pai é a
saudade.
Qualquer dia,
Um outro dia do meu dia,
Teremos dentro de nós as derramadas
lágrimas da manhã…
Sem que regressem as rimas
nocturnas do teu púbis,
E sendo assim,
Que faz essa gaivota,
Meu amor…
No silêncio dos teus
lábios?
Uma gaivota de sono
Poisa nos teus lábios,
E fico tão triste,
Tão triste… meu amor…
É que nunca sei…
Se essa maldita gaivota
te vai roubar o olhar,
Ou se essa maldita
gaivota…
Apenas me quer chatear,
Olha, meu amor…
Tal como a madrugada,
Quando acorda,
Me lança ao cardume do
silêncio,
E apressadamente,
Tenho de correr para o
próximo apeadeiro do desejo,
E de comboios nada
percebo,
Mas parece que não
interessa nada perceber de comboios,
Não interessa nada
perceber de aviões ou de barcos…
Tive muitos barcos, meu
amor,
Muitos barcos em toda a
minha vida…
E quase que sou capitão da
marinha mercante e afins…
Estacionava-me nos teus
braços…
E zás,
Lábios com lábios,
Boca com boca,
Cabelo com cabelo…
E quando lhe perguntaram qual
é era a raiz quadrada de seiscentos e vinte e cinco…
Não sei, professor…
Nunca o soube,
Que tens uma gaivota de
sono nos teus lábios…
E da rua da masturbação
número vinte e cinco,
As flores da tia Joana em
decomposição,
Todas elas mortas,
Todas,
Todas elas em profundo
silêncio…
Enquanto rezávamos que a
tarde nunca terminasse,
E como é triste, meu amor…
Como é triste a partida
daqueles que amamos…
Um filho perde o pai,
Perde a mãe,
Perde o seu melhor amigo,
O amigo já tinha perdido
o melhor amigo…
Um pai e uma mãe…
Perdem tudo, quando
perdem um filho…
E eu,
Nada,
Aqui sentado sobre uma
pedra de sono,
Cinzenta,
Rabugenta,
E tenho medo, meu amor,
Tenho medo dessa gaivota
de sono…
Tenho medo do sono que
pertence a essa gaivota,
Tenho medo do feitiço da
lua
E das garras da alvorada,
Cansaço do corpo que
protege o silêncio,
E depois,
Bom…
Depois vinham a nós as
primeiras palavras da noite,
E a noite traz-nos de
tudo,
Traz-nos as sementeiras
da noite anterior,
Traz-nos o desejo do próximo
dia…
E sempre que posso,
Rezo à minha mãe…
Que me proteja,
E que nunca me falte a paciência
para um novo dia,
Abraço-me à imensidão deste
mar selvagem,
Onde os cardumes da
paixão sobrevivem apenas com duas gotas de água…
E um pequenino silêncio
de sono,
O teu sono,
Esconde-se na minha mão,
Remexo os papeis,
Todos,
Encontro tudo,
Tudo,
Menos aquilo que procuro,
Apenas, meu amor,
Apenas preciso de um
pedacinho do teu corpo…
Onde desabafar as
alvoradas que perdi em Luanda,
Os vidros sem janelas,
O vento aprisionado na
tua boca…
E se me perguntassem qual
era a cor do silêncio…
Certamente,
Com toda a certeza,
Responderia…
Não o si,
Nunca o soube,
As cartas voam…
E só a maldita dessa gaivota
é que não levanta voo,
Essa gaivota de sono,
Sem dó nem piedade…
Que se alapou nos teus
lábios…
E que não me deixa
aproximar…
E tão pouco escrever o
que penso sobre a equação de Deus,
Não sei, meu amor,
Não sei se a resolva…
Ou simplesmente a deixe
ficar, tal como está, em cima do guarda-vestidos…
O professor Carlos
Andrade, põe-te fino Francisco…
O professor Luís Mesquita,
põe-te fino Francisco…
E o Francisco que também
é Luís,
Nunca sabe se quando está
a falar com os professores…
É o Luís poeta,
Se é o Luís escritor de
estória sem fundo…
Se se é o pintor…
Que mal acordou, após
nascer…
Escreveu nos olhos da
doce mãe…
Amo-te,
As madrugadas são como os
vidros,
Sem janelas,
Sem barcos de engate,
(e se eu pudesse
afugentar essa maldita gaivota de sono.)
Mas não o posso fazer,
Não,
Quando do silêncio,
Uma pequena árvore se
ergue no teu cabelo…
Um pequeno sorriso se
desenha nos teus seios de esmeralda…
E depois,
Nada,
Como sempre,
Sento-me sobre esta pedra
cinzenta…
E rezo,
E rezo muito…
Que nunca tenha asas de
verdade.
Alijó, 04/05/2023
Francisco Luís Fontinha