sábado, 6 de maio de 2023

Flor destino

 Do menino

Que fui,

Deixei se o ser,

Hoje sou flor destino

No destino de viver,

 

No destino de sofrer.

O menino que fui em degustação matinal,

Ao menino em que me tornei…

Que fui,

E não deixarei…

 

De o ser,

Dentro deste menino,

Há um menino, o menino destino…

No destino de morrer,

Quando este pobre menino…

 

Volta a ser menino.

Do menino que fui,

Ao menino em que me tornei,

Havia um outro menino,

Um menino que nunca amei,

 

Um menino que nunca me amou…

Do menino que fui,

Em calções de doce mar,

Quando este pobre menino

Se afoga no mar.

 

 

 

Alijó, 06/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Caravela do silêncio

 Perdidos, aqui,

Perdidos na imensidão da poesia,

Dos corpos suspensos, nos corpos em palavras de arder…

Perdidos de ti,

No novo dia,

Quando este dia… parece sofrer,

 

Quando este dia em caravela do silêncio,

Rompe a madrugada,

Quando deste dia, sem o dia…

Se faz à estrada,

 

Perdidos, aqui,

Nas mãos da minha amada,

E da querida manhã, recebo em despedida…

Na voz de gritar,

A triste madrugada,

Da triste partida…

 

Perdidos, aqui,

Coração dos milagres,

Perdidos em ti…

Perdidos na montanha envenenada,

Tão pedidos,

Tão distantes,

As mãos da minha amada…

Quando ela se esconde… se esconde dentro das estrelas brilhantes.

 

 

 

Alijó, 06/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Salgado mar

 O mar és tu

Milhafre ferido

O mar de ti

Abraçado ao mar que era meu,

 

O mar és tu

Gaivota das madrugadas

Estrela da manhã

Quando o mar sou eu,

 

O mar és tu

Corpo cansado das noites em luar…

Do nosso mar…

Naquele mar que sofreu.

 

 

 

Alijó, 06/05/2023

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 5 de maio de 2023

A tua mão, meu amor

 Levo as minhas palavras

Em rebanho,

Subo a montanha, subo-a até ao cume,

Abro os meus braços de invisível silêncio…

E voo-o até longe,

Pego naquele livro que não se cansa de me olhar,

Aquele mesmo livro,

Olha… aquele…

O das palavras de dormir,

E lá dentro brincam as mãos com que acaricio o teu rosto de mar,

 

Sou filho do silêncio,

Meu amor,

Preciso tanto do silêncio,

Como preciso dos teus lábios…

Como preciso da tua boca,

E se não estivéssemos em Maio,

Sim, meu amor, Maio…

Mês de Maria, Maio de mulher, Maio de mãe…

 

Se não estivéssemos em Maio,

Eu estava louco,

Louco por ti,

Louco por todas as flores…

Louco dentro destas palavras em loucura,

E, no entanto,

Meu amor,

Não estou louco…

 

Nunca estive louco.

Abraço-te enquanto a noite se despede de mim…

E uma lágrima de sono

Anda de cama em cama,

E beijo-te calorosamente na ausência da tua mão,

Sofri tanto, meu amor,

Sofri tanto com as ruas de Setembro,

Quando ainda acreditava nas acácias do meu pai…

As acácias do meu pai morreram,

Mais tarde, morreu o meu pai,

E eu, continuei a acreditar nas acácias do meu pai,

Mas depois, ficou tudo tão triste…

 

Procuro a tua mão perdida no lençol da paixão,

Ó madrugada de sonhar…

Procuro-a, e não me canso de a procurar,

Quando sei que a noite começa a embriagar-se nos teus lábios,

(tenho medo de que a noite roube os teus lábios, meu amor!)

Tenho tanto medo.

Todos os dias, escrevo-te,

Escrevo-te dentro desta ausência que o meu corpo sente…

Escrevo-te enquanto percebo que há uma lágrima de mar

Na tua mão que procuro;

E mesmo assim…

Tenho medo de que me roubem os teus lábios meu amor!

 

Tenho tanto medo…

E não me canso de a procurar.

Procuro-a entre os destroços das minhas palavras,

E sobre esta secretária, a minha ausência travestida de insónia…

(Levo as minhas palavras

Em rebanho,

Subo a montanha, subo-a até ao cume,

Abro os meus braços de invisível silêncio…

E voo-o até longe)

E quando chegar ao longe…

A tua mão procurada poisará no meu peito.

 

 

 

Alijó, 05/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Mãe de mulher

 Que todas elas

Têm nas mãos a singela madrugada,

Têm no sorriso, às vezes, as lágrimas deixadas pelo luar…

No final da noite estão cansadas…

Cansadas de lutar,

Cansadas de gritar,

Que todas elas

São mulheres… e são mães em flor de mar,

Que todas elas são tempestades,

Que todas elas…

São os poemas

E depois… são saudades.

 

 

Alijó, 05/05/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Rio da alvorada

 Todos, todos somos um rio,

Um rio que é filho da espuma da manhã,

Todos, todos somos um rio,

Uns perderam alguma coisa,

E os outros tudo perderam,

Mas o entre perder e o ganhar…

Somos um rio de sorriso,

Um rio… um rio que correr para o mar,

 

Todos, todos somos um rio,

Um rio de sono,

Somos um rio sonâmbulo…

Somos um rio de palavras,

Somos todos,

Somos todos um rio…

Um rio que nasce…

Em cada dia de alegria.

 

 

 

Alijó, 04/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Gaivota

 Uma gaivota de sono

Poisa nos teus lábios,

E fico tão triste,

Tão triste… meu amor…

Porque não sei como afoguentá-la dos teus lábios

E tenho medo de que ela me roube o teu olhar,

 

Ai meu amor…

Como são tristes as janelas do teu silêncio,

Como são tristes,

Meu amor,

As palavras das minhas madrugadas,

Enquanto penso se essa maldita gaivota…

Te vai roubar esse lindo olhar,

 

Cartas que te escrevo

Nas suspensas manhãs de enxofre,

Enquanto nas tuas mãos ardem as flores do teu luar…

E essa maldita gaivota com asas de veludo

Que não se cansa de te rondar,

 

Qualquer dia,

Regressarão as tristes Primaveras,

De que nunca tive medo,

Medo não tenho,

Medo nunca o terei…

Mas preocupa-me essa gaivota de sono

Sem nacionalidade…

E filha da lua,

 

E dizem que o pai é a saudade.

Qualquer dia,

Um outro dia do meu dia,

Teremos dentro de nós as derramadas lágrimas da manhã…

Sem que regressem as rimas nocturnas do teu púbis,

 

E sendo assim,

Que faz essa gaivota,

Meu amor…

No silêncio dos teus lábios?

 

Uma gaivota de sono

Poisa nos teus lábios,

E fico tão triste,

Tão triste… meu amor…

É que nunca sei…

Se essa maldita gaivota te vai roubar o olhar,

Ou se essa maldita gaivota…

Apenas me quer chatear,

 

Olha, meu amor…

Tal como a madrugada,

Quando acorda,

Me lança ao cardume do silêncio,

E apressadamente,

Tenho de correr para o próximo apeadeiro do desejo,

 

E de comboios nada percebo,

Mas parece que não interessa nada perceber de comboios,

Não interessa nada perceber de aviões ou de barcos…

Tive muitos barcos, meu amor,

Muitos barcos em toda a minha vida…

E quase que sou capitão da marinha mercante e afins…

Estacionava-me nos teus braços…

E zás,

Lábios com lábios,

Boca com boca,

Cabelo com cabelo…

 

E quando lhe perguntaram qual é era a raiz quadrada de seiscentos e vinte e cinco…

Não sei, professor…

Nunca o soube,

Que tens uma gaivota de sono nos teus lábios…

 

E da rua da masturbação número vinte e cinco,

As flores da tia Joana em decomposição,

Todas elas mortas,

Todas,

Todas elas em profundo silêncio…

Enquanto rezávamos que a tarde nunca terminasse,

 

E como é triste, meu amor…

Como é triste a partida daqueles que amamos…

Um filho perde o pai,

Perde a mãe,

Perde o seu melhor amigo,

O amigo já tinha perdido o melhor amigo…

Um pai e uma mãe…

Perdem tudo, quando perdem um filho…

E eu,

Nada,

Aqui sentado sobre uma pedra de sono,

Cinzenta,

 

Rabugenta,

E tenho medo, meu amor,

Tenho medo dessa gaivota de sono…

Tenho medo do sono que pertence a essa gaivota,

Tenho medo do feitiço da lua

E das garras da alvorada,

Cansaço do corpo que protege o silêncio,

E depois,

Bom…

Depois vinham a nós as primeiras palavras da noite,

 

E a noite traz-nos de tudo,

Traz-nos as sementeiras da noite anterior,

Traz-nos o desejo do próximo dia…

E sempre que posso,

Rezo à minha mãe…

Que me proteja,

E que nunca me falte a paciência para um novo dia,

 

Abraço-me à imensidão deste mar selvagem,

Onde os cardumes da paixão sobrevivem apenas com duas gotas de água…

E um pequenino silêncio de sono,

O teu sono,

Esconde-se na minha mão,

 

Remexo os papeis,

Todos,

Encontro tudo,

Tudo,

Menos aquilo que procuro,

Apenas, meu amor,

Apenas preciso de um pedacinho do teu corpo…

Onde desabafar as alvoradas que perdi em Luanda,

 

Os vidros sem janelas,

O vento aprisionado na tua boca…

E se me perguntassem qual era a cor do silêncio…

Certamente,

Com toda a certeza,

Responderia…

Não o si,

Nunca o soube,

 

As cartas voam…

E só a maldita dessa gaivota é que não levanta voo,

Essa gaivota de sono,

Sem dó nem piedade…

Que se alapou nos teus lábios…

E que não me deixa aproximar…

E tão pouco escrever o que penso sobre a equação de Deus,

 

Não sei, meu amor,

Não sei se a resolva…

Ou simplesmente a deixe ficar, tal como está, em cima do guarda-vestidos…

O professor Carlos Andrade, põe-te fino Francisco…

O professor Luís Mesquita, põe-te fino Francisco…

E o Francisco que também é Luís,

Nunca sabe se quando está a falar com os professores…

É o Luís poeta,

Se é o Luís escritor de estória sem fundo…

Se se é o pintor…

Que mal acordou, após nascer…

Escreveu nos olhos da doce mãe…

Amo-te,

 

As madrugadas são como os vidros,

Sem janelas,

Sem barcos de engate,

(e se eu pudesse afugentar essa maldita gaivota de sono.)

Mas não o posso fazer,

Não,

 

Quando do silêncio,

Uma pequena árvore se ergue no teu cabelo…

Um pequeno sorriso se desenha nos teus seios de esmeralda…

E depois,

Nada,

Como sempre,

Sento-me sobre esta pedra cinzenta…

E rezo,

E rezo muito…

Que nunca tenha asas de verdade.

 

 

 

 

Alijó, 04/05/2023

Francisco Luís Fontinha