Um pouco
Um pouco de quase nada
Quando o nada é pouco
E do pouco que se tem
O nada
É tudo.
Francisco
06/04/2023
Um pouco
Um pouco de quase nada
Quando o nada é pouco
E do pouco que se tem
O nada
É tudo.
Francisco
06/04/2023
Porque morrem
Meu amor
Porque morrem todos os
pássaros do meu jardim,
Meu amor,
Porque ficam doentes
Meu amor
Todas as flores do meu
jardim,
E sim, meu amor…
Porque chove intensamente
no meu jardim…
Quando da janela
Olho a rua
E está um sol tão lindo,
Meu amor;
Um sol tão lindo!
Francisco
06/04/2023
Cresci
Acreditando num Deus
Pedia-lhe coisas
Muitas coisas
Era um círculo de luz com
olhos verdes
Às vezes
Este meu Deus
misturava-se com as crianças que brincavam nos musseques
Construía danças enquanto
o vento
Desenhava sorrisos junto
ao capim
Este círculo de luz com
olhos verdes
O meu Deus
O Deus todo-poderoso
Criador das palavras
Do desejo
Do sexo das palavras
Do beijo
Este pequeno-grande
círculo de luz
Com verdes
Verdes olhos das marés de
Inverno
Cresci
Rezava-lhe
Ajoelhava-me junto ao mar
Erguia-lhe as mãos…
E ficava… ali… pasmado
como um pedacinho de medo
Sempre à espera
Esperando
Que um paquete me resgatasse
daquele Inferno
E depois de eu morrer
O comandante do paquete
E o Deus todo-poderoso
Criador do silêncio
Da poesia
Da paixão
Um círculo de luz
Com olhos
Verdes
Meu amor…
Verdes olhos
À noite
Sentava-me na cama
Desenhava paquetes na
fronha da almofada
Uma espécie de miséria abraçada
à vergonha
Quando as estrelas em
finos traços de tesão
Subiam às mangueiras do
meu quintal
E eu sabia
Quase sempre…
Que o avô Domingos
regressava da cidade
E na mão
Trazia o cordel
Com que puxava os machimbombos
Por uma Luanda…
Em pequenos vómitos
Meu Deus
Meu grande Deus
Círculo de luz com olhos
verdes
De verdes olhos
Entre momentos de dor
E caixas de solidão
Um Deus hoje
Hoje arrogante
Um Deus que se está a
cagar para mim
E para as minhas palavras
Um Deus…
Um círculo
De luz
E de verdes olhos
E não me digam que este Deus
Meu Deus…
E não me digam que este
circulo de luz com olhos verdes…
É Deus…
Porque este círculo de
luz com olhos verdes
Este meu Deus…
É apenas mais um impostor
que poisou dentro de mim
Como todas as pedras
Como todos os rios
Como todos os mares;
Um círculo de luz com
olhos verdes.
Francisco
06/04/2023
Semeio na minha
mão
As janelas
quadriculadas do vento,
Enquanto os
cortinados do pensamento
Dançam no meu
coração,
Abraço-me à
tempestade,
Desenho nos
lábios a insónia das noites sem dormir…
São poucas, são
quase nada… e depois de partir
As janelas
quadriculadas semeadas,
São a saudade,
Da saudade das
tristes madrugadas,
Semeio na minha
mão,
As janelas
quadriculadas e os luares aprisionados,
Até que depois
de acordar a manhã, os velhos cortinados…
Morrem dentro do
meu coração.
Francisco
05/04/2023
Despeço-me. Despeço-me de tudo, menos da vida. Despeço-me desta personagem parva, desta personagem imbecil, desta personagem que escreve cartas à manhã e ao mar, que escreve poemas ao luar e às noites de insónia,
Repentinamente, ele
tombou da janela, como tombam os pássaros depois de acasalarem…
Estava sol, dentro de
portas, uma fresta de silêncio redopiava sobre a secretária, quase nua, quase
só…, como todas as secretárias que tive, poisada junto ao cachimbo de água,
junto à pedra de haxixe, junto ao isqueiro, junto ao ultimo cigarro, junto ao
revolver, junto ao ultimo poema, estava a fotografia de uma triste manhã junto
ao mar.
E quando o mar incendeia
os corpos, e quando do mar regressam os corpos em transe, eis que esta
personagem percebe que o mar deixou de existir, que todos os favos de mel suicidaram-se
numa noite de Primavera e da algibeira retirou a espada, cravou-a no peito, e
voou…
Deus te guie… meu
querido.
A maré tinha subido, e de
todas as preias-mar que tinha observado, ele percebeu que nunca mais teria as
estrelas em papel no tecto da alcofa; paciência, pois como diz o povo, é a
vida.
Ultimamente, trocou a
vida pelo (MEF) Método dos elementos Finitos, e entre a vida e o (MEF),
escolheu beber o seu último copo de uísque, como se na manhã seguinte partisse
para uma longínqua viagem, sem retorno, sem bagagem, sem esqueleto para lhe
atrapalhar a vida.
Poisou os cotovelos sobre
a secretária, escreveu palavras simples, porque em qualquer despedida a
simplicidade é a melhor conselheira, pegou na pedra de haxixe, fez um pequeno (paivo)
e quando terminou de o fumar, pegou no revolver e
Coitado, coitado do
senhor Mário de Sá-Carneiro, coitado, tão novo, coitado…
Acontece a todos os
poetas. Acontece a todas as personagens que se despedem dos poetas.
Estava sol, dentro de
portas, uma fresta de silêncio redopiava sobre a secretária, quase nua, quase
só…, dois corpos cambaleavam na embriaguez do desejo, sobre a pele dela
pequenas gotículas de suor com sabor a paixão brincavam como duas crianças num
qualquer jardim público; e coitado dele, coitado, tão novo…
Pegou-lhe na mão, levou-a
aos lábios e beijou-a, tão intensamente que pequenos gemidos perfilavam-se
junto à janela para serem os primeiros a observar o regresso daquele enorme
petroleiro que desde a infância se tinha perdido e só agora tinha descoberto o
caminho para casa.
A casa, a casa.
Coitado dele, coitado…
Tão novinho, vinte e seis
anos…
Uma fina e espessa massa
cinzenta soltou-se do crânio e todas as frestas de silêncio foram tapadas por
esse amontoado de pedacinhos de carne, osso e sangue…
Deus te guie, meu
querido, Deus te guie até ao Inferno,
Acreditava ele.
Depois de lhe beijar a
mão, enquanto ela desenhava sorrisos no olhar dele
Amas-me?
Ele, atrapalhado, como quando
está no processo criativo e lhe faltam as palavras para terminar um poema ou um
texto, olhou-a, sorriu
Sim, amo-te.
Pegou no copo de uísque
que estava sobre a secretária, levou-o até aos lábios, e em pequenos tragos,
tal como já anteriormente se tinha despedido da personagem parva, imbecil,
estúpida…, sim, essa, aquela que escrevia textos e poemas e cartas… e
despediu-se também do copo e despediu-se também da espada que tinha cravado no
peito.
Despeço-me antes que a
tarde se despeça de mim, despeço-me desta personagem parva, imbecil, desta
personagem que escreve cartas e textos e poemas…
Aos gatos, que são
meigos.
Coitado dele, coitado do
senhor Mário de Sá-Carneiro…
Coitado.
Tão novo.
Uma fina e espessa massa
cinzenta soltou-se do crânio e todas as frestas de silêncio foram tapadas por esse
amontoado de pedacinhos de carne, osso e sangue…
Deus te guie, meu
querido, Deus te guie até ao Inferno, Deus te guie e te dê o merecido descanso,
o sono eterno, porque amanhã
Amanhã… amanhã não
poemas,
Amanhã… amanhã não
cartas,
Sem remetente,
Com remetente,
Cartas que escrevo, a
gatos, porque são meigos.
Coitados de todos os
gatos, que lêem as minhas cartas, que lêem os meus poemas…
Coitados deles e dele,
Coitado,
Tão novinho, tão novinho…
Francisco
(04/04/2023
Sento-me nesta
pedra, fria e cinzenta, sento-me nesta pedra e espero que o vento me leve, e
Espero que o
vento me mate.
Sento-me nesta
pedra, tão fria e tão escura, e tão cinzenta, como os dias, como as noites,
sento-me nesta pedra e espero,
Espero que o
vento me leve, que o vento me acolha.
E de todas as
pedras onde me sentei, e de todas as pedras onde dormi, esta pedra traz-me as
lágrimas da madrugada, traz-me o silêncio da madrugada,
Tão fria, meu
amor, tão fria a madrugada…
Francisco
Ao preço que está a morte
Nem apetece morrer
Ao preço que está a fome
Nem apetece comer
Quanto mais viver
Neste País sem nome
Ao preço que está a morte
De todas as mortes
Nem apetece morrer
Comer…
Tanto faz
Quando as palavras são
lágrimas
E as lágrimas
São as sobras das palavras
Ao preço que está a morte
(está pela hora da morte)
Ao preço que estão as
flores
Os beijos
E os abraços
Ao preço de custo
Ao preço da morte
A morte
Nos meus braços
Alijó, 02/04/2023
Francisco