Ninguém cobre o mendigo
Nem a noite o protege
Das estrelas,
O pão que ele transporta
na algibeira
São os meus cigarros
Porque de pão não vivo
Tão pouco vivo de
pequenos luares
Que se estendem sobre o
mar,
E do pão
Nasce o dia
O dia do mendigo que de
pouco lhe serve
Quer lá saber o mendigo
do dia
Ou o dia do mendigo,
E podíamos ser todos
felizes
O mendigo feliz com a
noite
O dia feliz com as
lágrimas do mendigo
O luar muito mais feliz
de que ambos
E o poema está feliz com
o poeta,
Poeta que ainda não é
mendigo
Poeta que é o coveiro das
palavras
As boas
E as fumadas
Porque o poeta fuma
palavras
E o mendigo fuma os
cigarros do poeta
O poeta que descobre a noite
E quando se senta junto
ao rio
Deixa-se ficar por ali…
Depois aparece o mendigo
Aprece a noite
E o cobertor
O cobertor que serve para
o poeta cobrir o mendigo,
E quando batem à porta do
meu postigo
Uma trave de sono cai
Cai sobre a cabeça do
mendigo
O mendigo que fuma o pão
E bebe as palavras já
fumadas pelo poeta,
E um beijo se despede da
alvorada
Enquanto o mendigo e o
poeta
Fumam todas as estrelas
da noite;
E a noite sem estrelas
É como o dia sem palavras
Quando o fantasma da
solidão
Abraça o mendigo
E acorrenta o poeta à
melancolia do silêncio,
Porém
Ainda não o sei
Deixei de ver o mendigo
Deixei de ver o cobertor
que servia para eu cobrir o mendigo…
E agora
O mendigo descoberto
Morre
Como morrem os poemas no
leito em desejo.
Alijó, 01/01/2023
Francisco Luís Fontinha