Não inventes o mar dos
monstros marinhos
Não deites fora a
espátula que dá forma à tela
E que faz com que os
pássaros brinquem sozinhos
Não. Não deites fora o
vento que faz trabalhar os moinhos
Enquanto na tua mão
brinca um barco à vela.
Não penses que o mar é só
teu
E que da ondulação
Um cachimbo de prata
Se alicerça na tua boca.
Não. Não penses que
ganhastes o céu
Porque nem à terra
pertences. Não deites fora as gaivotas do silêncio
Que povoam os cabelos
amargurados da madrugada.
Não
Não deites fora a magreza
dos pinheiros mansos
Quando da montanha vem a
escuridão.
Quando a montanha é o teu
coração.
Não. Não inventes o sono nas
planícies
Enquanto o sono é apenas
um voo
Uma constelação de
silêncios
Que morre nos lábios das
estrelas.
Não. Não digas que a
manhã está nublada
Só porque a manhã está
nublada,
Ou porque morreu uma
gaivota,
Morrem todos os dias
milhões de gaivotas
Morrem por dia
Milhões de crianças
Mulheres
E versos
E aterra sempre a girar.
Suicidam-se por dia
Não sei quantos homens e mulheres
E que ambos acreditam que
o suicídio é a solução…
E o suicídio não é a solução
Para homens
Para mulheres
Quanto mais para uma
gaivota.
Não inventes o mar
Nas mãos daquele que não
gosta do mar.
E não culpes Deus porque
o dia está nublado,
Porque Deus não entende
de meteorologia
Nem de matemática
Nem de nada;
Deus é apenas um colar de
pérolas
Que transportas ao peito
E quando uma gaivota está
em silêncio…
Deus… está a cagar-se
para a gaivota
E para ti
E para mim
E para a terra
E para todas as gaivotas
em silêncio
E para os versos das
gaivotas em silêncio.
Não inventes o mar
Nas mãos daquele que não
gosta do mar
Não desejes que o mar
Entre pela tua janela
Quando tão pouco tu tens
uma janela…
E que esta gaivota não
seja estúpida.
Alijó, 19/12/2022
Francisco Luís Fontinha