sábado, 10 de dezembro de 2022

Poemas a retalho

 Do dia

Triste dia

Na triste noite

Das tristes estrelas

As que nascem

Às que morrem

Das estrelas à morte

Quando o corpo levita

Vendo poemas a retalho

Quilogramas de palavras

Palavras fatiadas

Vendo poemas

Poemas que escrevo nas madrugadas.

 

Dia

Este dia que é filho da noite

Na noite que me faço passear

Sobre as nuvens

Debaixo do mar.

 

Poemas a retalho

Barcos plastificados

Barcos semeados

Nas terras de amar.

 

Do dia

Quando o dia é uma janela encerrada

Com chuva

Sem chuva

Com tudo ou com nada.

 

Do dia

Triste dia

Na triste noite

Das tristes estrelas

As que nascem

Às que morrem

Das estrelas à morte,

 

Da morte às estrelas,

 

Nos poemas que vendo a retalho.

 

Um quilograma de poemas para aquela miúda gira

Meio quilograma de poemas para a lua

Dois quilogramas de poemas para o sol…

Vendo poemas a retalho

No retalho da minha vida.

 

Dia.

Noite.

Sem dia.

Sem noite.

 

Poemas a retalho

No retalho dos dias.

 

Nos dias que não tenho noite.

 

 

 

 

 

Alijó, 10/12/2022

Francisco Luís Fontinha

Meio grama de sono

 Se eu pudesse comprar

Um grama de sono

Como compro livros,

 

Mas o sono não se compra

Não é possível escrever o sono

Como se escrevem os livros

Não se pode plantar o sono

Como se planta uma árvore,

 

E se ao menos alguém me emprestasse

Só…

Só meio grama de sono,

 

Mas não o posso comprar

Nem tenho quem mo empreste,

 

E se alguém tiver para empréstimo

Apenas

Apenas metade de meio grama de sono

Ou até menos de metade de meio grama de sono,

 

Mas não tenho quem me venda ou empreste

Um mísero meio grama de sono

Ou mesmo até

Metade de metade de meio grama de sono…

 

 

 

 

 

Alijó, 10/12/2022

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Uma pequena sombra de luz nos teus lábios

 Quando a manhã

Sai dos teus braços

A noite

Entristece

E transporta uma pequena sombra de luz.

 

Nos lábios

E entre carícias e desejados silêncios

Os rios

Abraçam o mar.

 

E a manhã

Vestida de medo

Leva na mão,

 

Leva na mão a flor do teu olhar.

 

 

 

 

Alijó, 09/12/2022

Francisco Luís Fontinha

Noite de mim

 

Quando regressa a noite,

E a noite está bem-disposta,

Alegre,

Sorridente…

Escondo-me.

 

Não gosto do olhar da noite,

Detesto o sorriso da noite,

Odeio a alegria da noite; (odeio a alegria das pessoas)

Quando regressa a noite,

Escondo-me.

 

Quando regressa a noite,

Finjo-me de morto…

E assim,

Não tenho de olhar a noite;

A minha noite. Que odeio, que detesto, que não quero.

 

 

 

 

Alijó, 09/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Trago-o no peito – o teu olhar

 Às sete e trinta horas da manhã

Num lindo e belo Domingo

De sol e calor

Em Janeiro

Acordaram-me;

Olho-a

Ela olha-me

Ela beija-me loucamente (era a primeira vez que me beijava)

Toca-me docemente

Depois

Pego-lhe no olhar (de quem acaba de dar à luz)

E guardo-o no peito.

 

Trago-o no peito.

 

Sou pastor de um lindo rebanho de palavras

Quase sempre

Ao final da tarde

Levo-as para o pasto

Uma fina e branca folha em papel

Depois

Tenho o final da tarde

E toda a noite

Depois

Regressamos

Ficamos exaustos

Cansados,

 

Dormimos; eu e o meu rebanho de palavras.

 

Às sete e trinta horas da manhã

Num lindo e belo Domingo

De sol e calor

Em Janeiro

Acordaram-me…

 

Acordaram-me para a vida.

 

Pastor de um belo rebanho de palavras

Desde as sete e trinta horas da manhã

Num lindo e belo Domingo,

 

E enquanto as palavras

O meu rebanho

Olham os rabiscos de uma tela minha

Pego na fotografia dela;

E percebo o quão ela me amava!

 

Pego-lhe no olhar (de quem acaba de dar à luz)

E guardo-o no peito,

 

E no peito construo uma escultura de saudade.

 

 

 

 

 

Alijó, 08/12/2022

Francisco Luís Fontinha

(à minha mãe)

As estrelas do teu olhar

 Encosto a cabeça

À sombra do teu corpo.

 

Faço um cigarro com as estrelas do teu olhar,

Enquanto abraço a nudez do teu corpo

Que cresce no espelho da noite,

Escrevo nos teus doces lábios de mel,

 

Tanta coisa que poderia escrever,

Tanta coisa, minha querida…

Que nada escrevo.

 

Pego num pequeno cordel do sono,

E com ele,

Trago o silêncio

E o mar que habita no teu peito,

Depois,

Pego na insónia,

E da insónia faço uma flor

Que poiso na tua boca; uma flor colorida de beijos.

 

Encosto a cabeça

À sombra do teu corpo,

E espero que o nosso mar…

Que todo o nosso mar…

Entre pela janela,

Como entram as estrelas do teu olhar,

Quando abro a janela da manhã.

 

 

 

 

 

Alijó, 08/12/2022

Francisco Luís Fontinha

A tatuagem do desejo

 Tatuar o teu corpo

Com a minha boca

Nas tuas costas

No canto superior direito

Tatuava o sol

 

Ao centro

Podia tatuar o mar

E os barcos da minha infância

 

Ao fundo

No canto inferior esquerdo

Junto à nádega

Tatuava a lua

E o luar

 

Nas tuas coxas

Tatuava a noite

E todas as estrelas que tem a noite (tantas estrelas tem a noite, meu amor)

 

Depois

Escrever no teu corpo

 

Nos teus lábios

Escrevo desejo

Beijo

Nos teus olhos

Quando estão poisados na maré

Escrevo paixão

No teu peito

Posso escreve o silêncio

Quando dorme nos braços do mais belo pôr-do-sol

Depois

Pego na tua mão

Cerro os olhos

E escrevo; amo-te.

 

 

 

 

 

Alijó, 08/12/2022

Francisco Luís Fontinha