Se me procuras,
Não estou; a verdade é
que nunca estive
Onde estou e pensam que
estive.
Não tenho número de
polícia,
Destinatários para enviar
cartas,
Os meus amigos,
Os verdadeiros amigos,
morreram. Quase todos por cancro.
Uma merda, o cancro.
Escrevo poemas aos
caracóis,
Às abelhas e aos
pássaros,
Às árvores e às putas das
árvores
Onde poisam os cornudos
dos pássaros.
E os caracóis ouvem-me,
São afáveis, sinceros e
honestos,
São como eu; quando a
conversa não me interessa,
Escondo-me em casa,
Dentro desta carapaça que
transporto desde que nasci.
Já as abelhas,
Bom, com essas não me dou
muito bem,
Sou alérgico às abelhas,
Sou alérgico à mãe das
abelhas,
Que pensam que os filhos,
Tal como os pássaros,
São cornudos diplomados,
Mas só os caracóis é que
me escutam,
Os únicos a quem escrevo
cartas.
Vou ao cemitério, e quase
todos os gajos e gajas que lá habitam,
Levou-os o cancro; os
meus amigos.
E vou continuando a
escrever cartas aos amigos que me restam…
Os caracóis,
E de caracol em caracol,
De flor em flor,
Palavra puxa palavra,
Penso na merda do Natal
que se aproxima;
Por mim, proibia o Natal
e merdas afins…
E devia haver censura
para quem festeja o Natal e prisão domiciliária,
E lá terei de entrar no
cemitério,
E de campa em campa,
Feliz Natal companheiro,
Bom ano, minha querida,
Brevemente estaremos
todos à volta da fogueira,
(mas qual fogueira,
caralho)
Se nem fogueira vai
haver,
Que esta terra foi excomungada,
ai isso foi.
Tinha um amigo, amigo de
verdade,
Quando se aproximava o
Natal,
Oferecia-me erva e erva e
erva para fumar…
E fumávamos erva enquanto
o tempo se escoava nos anéis de Saturno,
E o gajo falava e o gajo
falava e o gajo não se calava,
Mas calou-se; e morreu.
O meu pai, no Natal, dava-me
livros,
Livros, livros e muitos
livros,
A minha mãe, livros,
Fui um felizardo, o
felizardo dos livros.
E sabes, meu amigo caracol,
Sabes?
Que se foda o Natal…
Alijó, 20/11/2022
Francisco Luís Fontinha