sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Máscara

 Há-de chegar a tua máscara

Com o nome do meu corpo

Há-de chegar à tua boca

A minha máscara

Com o meu nome.

 

Há-de chegar

à minha boca

Os meus lábios

As minhas palavras

Há-de chegar o Inverno.

 

Há-de chegar o poema

Um corpo vestido de poema

Em poema

O teu corpo silenciado pela minha boca

Sem espaço o vento que te ergue atá à lua.

 

Há-de chegar ao meu corpo

O teu poema

Do meu corpo

Há-de chegar

O suicídio das palavras em poema.

 

Há-de chegar a tua máscara

Com o meu nome

No meu corpo

A abelha que transportas na mão

Há-de chegar a chuva.

 

 

 

 

 

Alijó, 18/11/2022

Francisco Luís Fontinha

O desejo

 Não desejo este pobre silêncio

Que me inventa

Este desejo que desejo

O triste silêncio do desejo

Este meu pobre silêncio

 

Este meu pobre desejo

Este desejo

Entre pequenos e grandes desejos

Esquecido no desejo

Os barcos do desejo

 

Do pobre silêncio

E às vezes esqueço-me do desejo

No meu triste desejo

Os meus barcos

Barcos em desejo

 

As mulheres em desejo

Os meus desejos

No desejo

Nos dardos do desejo

Sem nome este meu pobre desejo

 

O desejo que me deseja

Este silêncio

Este desejo

Quando acorda em ti

O meu pequeno desejo.

 

 

 

 

Alijó, 18/11/2022

Francisco Luís Fontinha

Uma mão mergulhada no fogo

 Este corpo que me transporta

O meu corpo

Um corpo que se esqueceu do nome

Um corpo com duzentos e seis ossos

Uma mão mergulhada no fogo

 

Uma bola de fogo

Este corpo

O meu corpo

O teu corpo

Um corpo onde habitam homens

 

Um corpo onde habitam mulheres

Crianças

E ossos

O meu corpo

Uma pequena bola de fogo

 

Que incendeia

Que se move

Tem massa

Paixão

Ama

 

Um corpo envenenado

Um corpo apaixonado

Em grito

No grito

Deste corpo

 

Um pedaço de aço

Um corpo que voa

Que chora

Que dorme

Um corpo que corre

 

O meu corpo

Uma pequena bola de fogo

Um corpo que vive no sol

Brinca na lua

O meu corpo entre corpos

 

Um corpo só

Um corpo sem amigos

Um corpo entre corpos

Um corpo

Este corpo que detesta o meu corpo

 

O corpo em fogo

Dentro do fogo

Na tua boca

O meu corpo

Onde escrevo

 

O meu corpo

Um corpo sem sentido

Na tua sombra

Entre corpos

Deste corpo

 

O meu triste corpo

Dentro do teu corpo

Onde bebo

Onde fumo

O teu meu corpo.

 

 

 

 

Alijó, 18/11/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Pulseira de insónia em raio de luz

 Sou a luz cansada do teu cabelo

Em protesto contra as árvores do teu sorriso

Sou a palavra em revolta

Quando as flores que brincam nas tuas mãos

São as pequenas nuvens do luar.

 

Não

Não desejo ser o mar

Não

Não desejo ser a chuva que desce no teu corpo

Mas quero ser o perfume

 

Que habita no teu peito.

Pulseira de insónia em raio de luz

Silêncio que desce esta triste calçada

E nos poemas que semeio

Acorda a madrugada.

 

A madrugada de ninguém

Apátrida deste rio encurvado

Que nas enxadas da solidão

Faz levantar os doces socalcos dos teus lábios

E traz os pássaros ensonados às manhãs de geada.

 

Sou a luz

Grinalda em teu cabelo que dança no vento

Insónia que invento

Nas noites embriagadas do teu olhar;

Mas não me deixem ser o mar.

 

 

 

 

Alijó, 17/11/2022

Francisco Luís Fontinha

O segredo de se amar

 

Este segredo

Segredo de se amar

Esta pobre flor

Que carregas nas mãos

Em segredo.

 

Segredo de se amar

Quando o Tejo poisa nos teus lábios

Em flor

Da flor

Que carregas em teu segredo.

 

E de segredo em segredo

De cacilheiro em segredo

Essa pobre flor

Flor de se amar

No teu segredo.

 

No segredo do teu olhar

Em segredo

Quando ergues para mim o beijo

Nosso segredo

Em segredo de se amar.

 

Este amor

Que cresce em segredo

No segredo dessa flor

Que transportas nas mãos

Em teu segredo doce mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

17/11/2022

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Cordel de sono

 Morreste-me sem que eu tenha escrito no mar

As canções de embalar que deixavas ficar sobre as minhas mãos

E acreditava que os teus papagaios em papel

Eram beijos

Que eu passeava pela rua puxando-os com um cordel de sono

 

Inventava triciclos com rodas de insónia

Enquanto um boneco parvo

Caminhava na minha algibeira

Tenho medo

E não percebo porque este navio sem destino

 

Ainda se passeia pelo corredor

Porque neste corredor

Apenas habitam sombras de ossos

E lábios de dragões envenenados pelo túnel do inferno

E os apitos deste navio

 

Mal respiram devido ao cansaço do fumo

Destes cigarros sem nome

Que transporto no olhar

Morreste-me sem que eu tenha escrito no mar

As tuas súplicas

 

Nas tuas noites de medo

Ouvia-te em sofridos suspiros enquanto desenhava num caderno

As árvores

As minhas árvores que deixei ficar

E apenas os pássaros que dormiam nessas árvores se recordam de ti.

 

 

 

 

Alijó, 16/11/2022

Francisco Luís Fontinha

As mãos de Deus

 Espero que os dias

Se esqueçam de mim

Que a luz se extinga

Nas mãos de Deus

Que transporta a noite

 

E quando tiver a noite

No meu peito deliciado pelas gaivotas do teu olhar

Vou inventar o sono

Vou erguer-me até que o luar morra

Nas minhas pálpebras amaldiçoadas por este triste silêncio

 

Esta pequena folha que habita neste meu corpo doente

Espera as estrelas e as pedras e os rios

Orgasmos de néon poisam na cidade

Até que me liberto das abelhas em flor

E das palavras assassinas que me habitam

 

Escondo-me

Fujo do poema em cio como os peixes fogem dos barcos

E dos barcos envenenados pelo ciúme

Recebo o dia

E transformo-o em delírio

 

Ouve-me enquanto a cidade fervilha

E os pássaros filhos da liberdade

Mergulham na minha sombra

Uma janela onde poiso a cabeça envenena-se com a saliva

E sou incendiado pela paixão

 

 

 

 

Alijó, 16/11/2022

Francisco Luís Fontinha