Tínhamos o céu,
Tínhamos as gaivotas
junto ao mar,
Tínhamos no silêncio o
véu,
O véu de chorar,
Tínhamos a montanha
doirada,
Tínhamos as palavras de
escrever,
Tínhamos tudo ou quase
nada,
Nada para comer.
Tínhamos um rio selvagem,
Que poisava, durante a
noite, na nossa mão,
Tínhamos medo da viagem,
Da viagem sem coração,
Tínhamos poesia, palavras
envergonhadas,
Tínhamos nos livros de amar,
Todas as madrugadas,
E… tínhamos o cansaço do
mar.
Tínhamos lápis para riscar,
As paredes da solidão,
Tínhamos vontade de
gritar,
Nós queremos é pão.
Tínhamos a saudade
travestida de amanhecer,
Tínhamos muitos barcos de
brincar,
Tínhamos vontade de
correr,
De correr e gritar.
E tínhamos o silêncio no
nosso peito.
Tínhamos espingardas de
papel,
Tínhamos um barco sem
jeito,
Que puxávamos com um
cordel.
Tínhamos alegria,
Tristeza,
Tínhamos a fantasia,
No desejo em beleza,
Quando tínhamos no
sonhar,
O perfume de uma flor,
Quando trazíamos do mar,
Silêncio e dor.
Tínhamos a vaidade de
crescer,
Sob os pincelados beijos
de arenato,
Tínhamos as nuvens a morrer
Nas lágrimas de um
regato.
Tínhamos a paixão,
Tínhamos as sandálias do
pescador,
Tínhamos sempre na mão,
Uma e linda pobre flor.
Tínhamos sanzalas em
prata
E cinzeiros amordaçados,
Tínhamos sonhos de lata,
E tínhamos os filhos
envergonhados.
E tínhamos a fogueira…
E tínhamos a canção…
E não tínhamos maneira,
Maneira de dizer não.
Hoje, não temos nada,
Hoje apenas uma
fotografia junto ao mar…
Hoje, apenas a madrugada
E a vontade de voar.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 23/04/2022