sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Nas pálpebras o imensurável coração de prata o rio a ribeira a eira


(dedicado a Carvalhais – S. Pedro do Sul)

 

Diz-me que és

Noite amaldiçoada que me acorrenta à solidão

Prefiro a morte

Do que ausentar-me de ti

Não quero

E nunca quis…

Perder-te para a ilusão

Diz-me o que és

Sombra peregrina das manhãs de nevoeiro

Montanha desgovernada

Descendo a Calçada

Diz-me

Loiça de porcelana entre cigarros e algumas frestas de insónia

Nas pálpebras o imensurável coração de prata

O rio

A ribeira

A eira

O silêncio do sino da aldeia

Perdido nas espigas coloridas do milho

As abelhas poisadas nos teus ombros

A malvada da cidade

Em combustão

Sem idade

Identidade

Ou saudade

Feliz aquele que não tem saudades

Feliz aquele que não sabe o que é a saudade

A ausência

O medo de perder-te

De perder o teu perfume embriagado pelas begónias em papel

Saio de casa

Regresso sem ninguém

Vou a ela

E ela não vem

A noite das sentinelas de cartão

O texto saltitando na cabeça de um prego enferrujado

Suicídio

Suicidou-se com um beijo teu

Enrolou-o ao pescoço

Desceu alguns centímetros…

Foi-se

O poema

A manhã e a noite

Diz-me que és…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sexta-feira, 4 de Dezembro de 2015

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Despeço-me de ti



Despeço-me de ti
Enquanto o meu corpo é desventrado através da mão da paixão
Cada pedacinho catalogado
Cada sombra desenhada na penumbra das imagens da loucura
Sou eu
O teu sonâmbulo beijo
Que as árvores comem ao pequeno-almoço
Sinto-me um pássaro nos teus lábios
Um rio descendo os teus seios mergulhados na poesia minha
O imbecil
Sou eu
Recordando sonhos das tristes tempestades de areia
O miúdo dos calções
Das sandálias…
Junto ao mar esperando o teu regresso
Leio os livros que escreveste na escuridão
Com uma esferográfica de cartão
Copiando as madrugadas num caderno negro
Quadriculado
O quadrado
A esfera omnipotente da sensação de estar só
E acredita
Estou só
Só hoje
Amanhã… amanhã não
O dia aparece no meu olhar vestido de sono
Pareço um palhaço brincando num quintal longínquo
Lá longe
Das fotografias aprisionadas numa estante vazia
As personagens invisíveis da minha infância
Descendo a calçada de bicicleta
O medo de
Perder-me
Perder-te
Ou amar-te
Tanto faz
E acredita
Estou só
Despeço-me de ti
Escrevo as minhas últimas palavras
Ofereço-te a minha última fotografia
Nunca tive irmãos irmãs…
Nunca tive um País
Uma Nação para com quem conversar
Sou um apátrida
Nasci no mar
Sou filho de ninguém
E apelidaram-me de… vejam lá só… J O A Q U I M
Quim para os amigos
Senhor Joaquim para os desconhecidos
E Quinzinho para ela…
Que tédio
Nervos
Euforia de estar só neste compartimento de vidro
Não tenho cortinados
Primeiro andar
Ou escadas de acesso ao sótão
Sou um triste
Nasci no mar
E acredito que a morte é um amontoado de sonhos com acção de despejo
Tudo penhorado
A vida
A morte
Assim-assim
O dia
A noite
Assim-assim
Tive um cão de nome REX
O meu melhor amigo
Ciumento
Doentio
E às vezes… traz
Dedo para o “caralho”
Fico só
Eu e ele
A dor
O sofrimento de uma noite de Dezembro
Confesso
Não gosto do Natal
Nunca
Nunca gostei
E hoje
E hoje tenho saudades do Natal…
Porque me despeço-me de ti.

Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 2 de Dezembro de 2015

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O ausente complicado e perplexo corpo de espuma


Há no silêncio

Uma finíssima fresta de solidão

A forma geométrica do amor

Esquecida na ardósia de uma velha escola

Alguns beijos

Alguns sorrisos suspensos nos finais de tarde

Junto ao rio

Sem remetente,

 

O ausente complicado e perplexo corpo de espuma

Vagueando nas montanhas da paixão

Tenho dentro de mim uma ribeira

Com braços de saudade

Que nem o tempo consegue apagar

Que nem a tempestade sabe o seu verdadeiro significado

De tudo… e de amar

No silêncio a solidão.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 1 de Dezembro de 2015

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O amor é um cubo de vidro sem coração ama a luz odeia a escuridão


O amor é um cubo de vidro sem coração

Ama a luz

Odeia a escuridão

O amor é um covarde diplomado

Faz sofrer

O amado

Faz sofrer quem é amado

Felizes aqueles que não amam

Felizes aqueles que não são amados

Pelo amor

As pálpebras secretas da noite

Quando a fogueira do desejo invade a madrugada

Quando a morte traz a saudade

De um corpo

Entre ossos e sombras

Entre palavras e livros

Faz sofrer o amado

Faz sofrer o sofrido

O amado

Faz sofrer quem é amado

Ama a luz

E os candeeiros da solidão

O amor é um cubo

Hipercubo

Um gato

Sem nome

Um rochedo perdido na montanha do Adeus

Partiu de mim o amor

Ama a luz

E faz sofrer

O amado

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 30 de Novembro de 2015

domingo, 29 de novembro de 2015

Desfocada imagem do teu olhar entre os parêntesis da saudade


Estou só

Neste labirinto de lágrimas salgadas

Sento-me e espero o regresso do teu olhar

Que vem do outro lado do Oceano

Trazes-me o sonho e a saudade dos musseques sombreados

Trazes-me a voz e o desejo

E eu sentado nas asas em papel que inventaste apenas para mim

Olho-as e vejo nelas a desfocada imagem do teu olhar entre os parêntesis da saudade

Uma criança entre baloiços e sobejantes sorrisos prateados

Espera-te junto a um portão imaginário

Entras

Ela abraça-te e afogas o cansaço do dia na minha face

 

Não tenhas medo do mar

Nem dos barcos invisíveis

Não tenhas medo das árvores

Nem dos pássaros amestrados que brincam nas mangueiras

Desenha na terra húmida os círculos os quadrados e os triângulos da alegria

Depois vais conhecer o amor

E a paixão de amar

E a solidão do amanhecer

Estou só

Neste labirinto de lágrimas salgadas

E pareço um marinheiro aportado em Cais do Sodré…

Vendendo insónia e coisas enigmáticas de chocolate.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 29 de Novembro de 2015

Feliz aniversário - Pai


A tua ausência alicerça-se ao meu coração, penso em ti meu querido, recordo-me da tua mão entrelaçada na minha, víamos os barcos, brincávamos nas areias brancas do Mussulo, e perguntava-te

Porquê pai,

E perguntava-te a razão da saudade embainhada nos livros não lidos, e perguntava-te quando partias… e tu, e tu sorrias… sabias que partias, mas nunca mo disseste, covarde, medo de partires sem me avisar, isso não se faz, meu querido

Sentia a tua voz poisada nos meus ombros, pedia a Deus, eu teu filho Ateu, que me desse todas as forças possíveis e imaginárias para te proteger, desculpa, não fui capaz, também eu um covarde diplomado, poeta, sentinela da noite,

Isso não se faz, vais, não voltas, e deixaste de conversar comigo, covarde, partiste sem me avisar, foste, amanhã, amanhã nada, nunca, nunca acreditei na tua covardia, mas traíste-me

Foste, nada me disseste, deixaste-te ir… eu vi-te, lembras-te, meu querido,

Amanhã, meu filho,

Amanhã, amanhã meu querido…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 29 de Novembro de 2015

sábado, 28 de novembro de 2015

A água a luz o mar e o vento alimentam-se dos nossos corpos felizes de sofrer


Escrever-te

Sem saber que te escrevo

Nunca quis escrever-te…

Sabendo que o devo

Fazer

De vez em quando

Escrever

Te escrever

Sem o fazer

Fazendo não o querendo

A água a luz o mar e o vento

Alimentam-se dos nossos corpos felizes de sofrer

Às vezes sofremos

Às vezes inventamos que sofremos

Depois regressam as palavras de escrever

E as palavras de sofrer

E ficamos

Aqui

Impávidos

Deitados nesta secretária velha em melódico pinho…

Escrever-te

Sem saber que te escrevo

Nunca quis escrever-te…

Sabendo que o devo

Fazer

Te escrever

Sem o fazer

E no entanto

Escrevo-te

Pensando que não o sei fazer

E faço-o

E escrevo-te…

Não escrevendo

O escrever

Antes de morrer.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sábado, 28 de Novembro de 2015