sábado, 25 de maio de 2013

O preto transformar-se-á em dia

foto: A&M ART and Photos

O preto ambíguo semeado em lábios de chumbo
como a poesia melancólica das paredes de uma livraria
sentia-te dentro de mim em flores de inverno
das tuas guelras se transformam as palavras
e as tuas palavras
simples gargantas ao abismo térreo,

Sentir-te no meu peito que procura nas sombras o desejo
lágrimas e pequenas voláteis sílabas mergulhadas nos teus seios cereja adormecida
o preto transformar-se-á em dia
e do branco tua pele sedosa e meiga
acordará a noite
em prazeres de insónia,

Sentir-te como pedaços de papel
ainda virgens os livros por escrever
e folheias páginas brancas
céus crispados na língua suspensa no meu pescoço imensurável
ausente como as canções que a Primavera deixa cair sobre as árvores...
e afugenta os pássaros da paixão.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Coisas de gajos como eu

foto: A&M ART and Photos

O corredor encastrado nas rochas sobre lâminas pulmonares que sobejavam das cansadas manhãs de sobriedade, o corredor, altíssimo como o abismo, e aos poucos deixava de ver-se o tecto, dando a terrível sensação de claustrofobia, parecendo ao olhar do simples comum que as duas paredes se uniam no infinito, evidentemente que não, e a largura do tecto milimetricamente igual à largura do pavimento térreo, onde as tuas sombras mergulhadas em asas de pequenos tecidos réstios, recordando-me paisagens da África do Sul ou Austrália, recordando-me silêncios submersos em canções melódicas em roda de uma fogueira, quando recheada a noite, vinham até mim, sem perceberem que eu os desejava, os esperava, vinham até mim pequenas lascas de vento, saboreava-as, e claro que quando adormeciam debaixo de ti os recusados orgasmos matinais que dos cortinados do medo remexiam páginas e pequenas folhas dispersas sobre a mesa em fórmica barata que tinha adquirido numa das minhas visitas à feira da Ladra, apetecia-me comprar uma pistola, munições de argila, e brincar como as crianças, imaginando alvos, imaginando vidros, na escola, quando pontapeava uma bola em borracha, e a milhas da baliza, quebrava um dos grandes vidros da janela onde hoje habita a biblioteca municipal,
coisas de putos,
E de “Putas”,
coisas de gajos como eu, desajeitado, imprimido numa madrugada em mil novecentos e sessenta e seis, pior do que isso, um belo domingo de Sol, era verão, e era Janeiro, havia flores em redor da maternidade algures esquecida na cidade dos sonhos, para uns, desejos, para mim, pesadelos, e para ela
A cidade da vaidade, da arrogância, uma cidade em pedras comendo as lâminas pulmonares dos homens com janelas quebradas por um miúdo desajeitado, um miúdo, estúpido, um miúdo que depois de crescido, ficou palhaço, o circo entra cidade adentro, o miúdo esconde-se nas catacumbas do desassossego, porque sempre que o corredor aumentava em altura, notava-se, que, não sei... mas parece-me que aumenta também em comprimento,
cumprimenta o senhor General, Margarida Armanda,
Bom dia, senhor General,
coisas de putos,
E de “Putas”,
uma fogueira, quando recheada a noite, vinham até mim, sem perceberem que eu os desejava, os esperava, os comia mesmo antes de entrarem em mim, (bom dia, senhor General), e ele fazia-a acreditar que a lua era redonda, e que das nuvens, depois do prazer aconchegado das mãos do senhor General, eram de algodão, porco, filho da puta, e dizia-se que era normal, as meninas, mandadas pelos pais, cumprimentarem o senhor general,
Bom dia, senhor General,
e o prazer transformava-se em dor, e as pedras da parede do corredor, algumas, transformavam-se em pequenas bonecas, bonecos, e estrelas
E de “Putas”,
que ficavam no céu até acordar o dia, deitávamos-nos quando os machimbombos começavam as alegres caminhadas palas ruas da cidade, havíamos de conquistar as sanzalas com meninas que diziam ao acordar
Bom dia, senhor General,
palhaço, o circo entra cidade adentro, o miúdo esconde-se nas catacumbas do desassossego, porque sempre que o corredor aumentava em altura, notava-se, que, não sei... mas parece-me que aumenta também em comprimento, e a tristeza na proporcionalidade de cinco para um, desfaz-se em pequenos grãos de areia, ela agachava-se para espantar o medo
Bom dia, senhor General,
e o medo sabia a lágrimas como capim enrolado na ferocidade dos mabecos que durante a noite, entravam nas casas, e subiam à cama das meninas, e numa voz dilacerante, ouviam-se-lhes
Bom dia..., bom dia, senhor General.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Saudades como as tenho

foto: A&M ART and Photos

Saudades são gotas de água
que descem da imensidão da pele ensonada como bocas em despedida
saudades são pergaminhos enrolados nas tuas mãos de andorinha
quando acorda a Primavera
saudades das palavras pronunciadas como migalhas de sílabas
nas pálpebras das vogais adormecidas,

Saudades como as tenho
pensando acreditar nas manhãs de sábado
aquelas que ainda não acordaram
que nem sequer sabem se vão acordar
saudades de ti quando te sentavas num banco de jardim a passear livros
ou inventando a resolução de integrais numa sebenta envelhecida,

Saudades as tuas quando dos teus lábios de madrugada
sonhavam os beijos salivais com perfume a hortelã...
saudades são gotas de água
são rios
e ribeiras
são palavras e imagens a preto-e-branco numa janela sem vidros.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Sonhos que acompanhavam o vendedor de sombras

foto de: A&M ART and Photos

Não sabia como apelidar-te, se de anjo, chuva... ou Primavera enlouquecida, mas sentia-te logo pela manhã, ainda meio acordado, ainda meio sonâmbulo, ainda não sentido a musicalidade dos pássaros que horas mais tarde, e de árvore em arbusto, passeiam-se como se fossem transeuntes embriagados com palavras do motor de arranque do automóvel que me transportará ao meu destino final,
não sabia,
E no entanto, quando ancorava o rabo na cadeira de couro, com pernas elegantes e rodinhas que me transportavam e me faziam transportar, em círculos, em ondas, como atravessando os espaços vazios do compartimento a que baptizaram de “escritório”, eu recordava-me dos teus olhos...
dirão... olhos, quais olhos, de quem são os olhos que neste momento dormem sobre as palavras acabadas de escrever?
E tantos, de tantas cores, uns cansados e usando óculos, outros, menos cansados, e não necessitando de uma bengala para simples leituras a curtas distâncias, e outros, outros da cor do desejo e com sabor a melancolia, a saudade, a tristeza, a... vinham as tempestades, e traziam-me os cordéis que serviam para me acorrentar às árvores em protesto pela sombra prometida, e víamos que de sombra nada ou algo parecido, concluindo que tínhamos sido burlados pelo vendedor de sombras, homem que se fazia passar por honesto, como todos os homens burlões, bem falante, com cultura superior à média, bem apresentado visualmente, e no entanto, abria a pasta de couro, e de um catálogo colorido, mostrava-nos vários tipos de sombras, algumas pareciam lâmpadas de baile de aldeia encurralada na montanha dos apaixonados cus de de um desonesto homem vendedor de lanternas, que além das sombras, nos impingia algibeiras envenenadas contra todas as perdas monetárias, como se de uma vacina se tratasse, comprei uma delas, e logo por azar, perdi trinta euros, paciência, digo-me enquanto folheio mentalmente as imagens das milhares de sombras, que ele, o homem, nos vendia por uma módica quantia de cinco mil euros,
adquiri uma em treze suaves prestações, mas até à data de hoje, sombra nenhuma,
Voltando ao apelidado “escritório” quando carregava no interruptor que supostamente serviria para ligar a lâmpada do pequenos espaço com duas secretárias (em madeira – não das outras), só não acendia lâmpada alguma como ouvia do rés-do-chão o rinchar de uma égua, a princípio não sabia explicar o sucedido, depois, depois de tanto pesquisar, de descer escadas, entrar no curral do animal, carregar no interruptor e a luz apagada, e do primeiro andar a voz da menina Augusta
acendeu a luz do escritório...
O electricista tinha trocados os fios, e o interruptor do escritório servia para acender a luz do curral da égua, e o interruptor do curral da égua, acendia a luz do “escritório”, não sabia como apelidar-te, se de anjo, chuva... ou Primavera enlouquecida, mas sentia-te logo pela manhã, ainda meio acordado, ainda meio sonâmbulo, ainda não sentido a musicalidade dos pássaros que horas mais tarde, e de árvore em arbusto, passeiam-se como se fossem transeuntes embriagados com palavras do motor de arranque do automóvel que me transportará ao meu destino final,
não sabia,
E dos inúmeros olhos que poisaram sobre os meus olhos verdes, foram os teus, foram os teus, aqueles olhos cristalinos como a água transparente da ribeira quando desce a montanha, e sem o perceberes, estás sentada num lago invisível, e nas tuas costas, cisnes, brincam, conversam contigo, iluminados pelos
não
Sonhos que acompanhavam o vendedor de sombras, e agora, não sei, se foste uma sombra, ou se és um sonho, não sei,
acendeu a luz do escritório...
Ou... talvez saiba, luzes, luzes embainhadas em cores como os milagres do burlão vendedor de sombras, que na compra de uma, me ofereceu como bónus... o teu olhar de feiticeira, escondida sempre entre jardins e clarabóias de sótãos com janelas viradas para o rio, o mesmo, que te viu despedir-se do mundo...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola

quarta-feira, 22 de maio de 2013

A cidade perpétua

foto: A&M ART and Photos

Mergulho na cidade perpétua, ambígua e solitária, mergulho-me como se eu pertencesse à classe dos aços carbono, um ser estranho, diletante, companheiro e amante de melodias poéticas, das flores carnívoras e das árvores em desenhos herbívoros, poisava-me no varandim com quatro cadeira de vime, uma mesa também ela de vime, e na companhia de três invisíveis cadáveres de areia, sobressaia um sorriso defunto com lágrimas de incenso, ouvíamos tocar o telefone, propositadamente, não atendíamos, tínhamos medo da cidade perpétua, tínhamos medo às sombras das sombras que subtraiam à cidade as saborosas multiplicações e divisões,
o miúdo dos calções, multiplicava beijos e dividia abraços, conclusão
Empobreci, quase tudo perdi, porque ninguém, a não ser numa outra cidade, ninguém enriquece multiplicando beijos e dividindo abraços, ninguém engorda lendo poesia, e ninguém, ninguém...,
conclusão, pertenço à classe dos aços carbono, tenho cento e setenta e cinco centímetros e vivo numa casa com silêncios em pedaços de rés-do-chão, na rua dos milagres, sem número, cidade perpétua, as pessoas apelidam-me de barra de ferro, e quando entro no café, quando tudo parece adormecido, ouvem-se os murmúrios das cadeiras vazias
Ninguém na sala, um exemplar espaço exíguo, liminarmente penumbro, vazio, ninguém se levanta à minha passagem, ninguém se recorda da minha existência, ouvíamos os candeeiros a petróleo quebrarem os vidros de gelo das janelas com inclinação a norte, um edifício de quase trinta e cinco andares, tão alto, meu deus, alto, tira-nos a visibilidade, acorda a neblina, e nem com os faróis de nevoeiro conseguimos ver o mar,
vazias?
Porquê?
vazias, e tristes, e longas manhãs de doce claridade, e
Traziam-nos os pães de leite em réstias de desassossego, e como hoje, e como agora
(um terramoto sonolento entranha-se-me)
e como agora, ontem, o nevoeiro entrava-nos porta adentro, brincava no corredor e depois de algumas horas, sentíamos-lo deitado no nosso sofá, vestido de criança, uma criança amena, simpática como todas as crianças, como todos os apitos dos petroleiros quando se fazem à costa, ao longe, ouvíamos-lhes os cigarros de enrolar perdidamente perdidos nos corações dos marinheiros com âncoras de plátano bordados com fio doirado,
e
Traziam-nos...
(um terramoto sonolento entranha-se-me)
… pequenas borboletas de papel, e ouvíamos-lhes os sonoros ruídos das montanhas ensanguentadas pelos perfumes marinhos, coisas tristes com roupa de uma cidade perdida e ausente, farta em alturas, até que quase, não nós, mas eles, quase que chegavam com as pontas dos dedos da mão ao céu,
Ao céu?
pode lá ser isso possível,
Nem que a cidade mude de nome, e de perpétua passe a chamar-se “a cidade da neblina encarnada” onde vivem barcos de porcelana, onde vivem meninas de olhar castanho com cabelos negros, meninas, e meninos, o circo, esta cidade, a cidade dos circos, palhaços, malabaristas, a minha apaixonada trapezista, e claro
pode lá ser possível, amanhã chover, amanhã acordarem as sobrancelhas e depois de levantadas, e depois do duche, voltarem para a cama, embrulharem-se nas pálpebras quebradas e numa voz húmida
Até amanhã, meu querido,
e numa voz húmida, cansada, (um terramoto sonolento entranha-se-me), e claro, o imprescindível AGENTE, o nosso querido Alberto, aquele que nos sustenta, aqueles que ainda acredita nas nossas capacidades, aquele... parvalhão, e de um até amanhã, meu querido, depois, descem os grandes rios às íngremes ruas da cidade, e claro
A tua inconfundível voz
até amanhã, meu querido,
Sem perceberes que amanhã já não vivo nesta cidade,
“mergulho na cidade perpétua, ambígua e solitária, mergulho-me como se eu pertencesse à classe dos aços carbono, um ser estranho, diletante, companheiro e amante de melodias poéticas, das flores carnívoras e das árvores em desenhos herbívoros, poisava-me no varandim com quatro cadeira de vime, uma mesa também ela de vime, e na companhia de três invisíveis cadáveres de areia, sobressaia um sorriso defunto com lágrimas de incenso, ouvíamos tocar o telefone, propositadamente, não atendíamos, tínhamos medo da cidade perpétua, tínhamos medo às sombras das sombras que subtraiam à cidade as saborosas multiplicações e divisões”,
sem perceberes que amanhã já não sou eu.
(ficção não revisto, o sono em decomposição, o cansaço sobrepõe-se ao livro que ultimamente tem vivido sobre a mesa-de-cabeceira, e em vez de folhear as páginas com sabor a “Abraço” de José Luís Peixoto, certamente folhearei os tristes lençóis com pronuncia de insónia... - Pronuncia? Sim, claro, propositada, e não Prenúncia...)

@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 21 de maio de 2013

Menina mimada

foto: A&M ART and Photos

Que cansaços
os teus abraços
que lábios vou ter
para construir um beijo com sabor a Primavera
que triângulo colocarei em minha mão para entrar no teu peito,

Que coração
teu ou emprestado
meu sem jeito
deitado sobre a sombra da paixão
que maçada as coisas tristes que me recordam o teu olhar,

Que movimentos são esses de pássaros em bater de asas
montes e vilas e casas
e tu e tu deitada nas sandálias que caminham sobre a praia...
que tempo e que desejos os teus véus de amendoim
quando rompe a madrugada dentro do meu jardim,

Que flores são as tuas mãos
quando poisam no meu pescoço apreensivo
desmedido
perdido...
que cansaços os teus abraços,

Que loucura ser teu sem o ser
escrever as palavras com medo de adormecer
de caneta na mão sobre a secretária em madeira...
que
que dizer de ti menina mimada.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha