Fictícias palavras nos feiticeiros lábios dos
amores incompreendidos, por vezes, perdidamente esquecidos na berma
de uma rua sem saída, e ao fundo, bem lá longe, do enorme corredor
de orvalho oiço-te balançando entre espadas com lâminas de desejo
e ferros de açúcar que se espetam silenciosamente no peito da
mulher desenhada numa tela de vidro doirado, abrem-se todas as luzes,
e no entanto, ela ficou quieta, dócil, às vezes voa pela casa, e de
tecto em tecto, e de espelho em espelho, multiplicam-se
Hoje são milhares, como a formigas sobre as sandes
de marmelada numa tarde de praia, as finas areias brancas
solidificavam-se nos pés emagrecidos da criança perdida e que
procurava os sobejados pingos de saliva que o vento vomitava contra
os rochedos de insónia, não dormíamos, não comíamos, e hoje,
somos milhares, como as formigas, fictícias abelhas entre dois
Sábados consecutivos, ela sozinha, eu sozinho, multiplicam-se, e
sobressaem nas camisolas de pura lã virgem, quando as ovelhas do
padrinho desciam a montanha, havia noites sinfónicas com hastes e
palavras embriagadas pelos cretinos guardas que existem em todas as
prisões imaginárias, tantas coisas dentro da minha bocas, coisas
Poucas, muitas, sons, cheiros, tanta coisa em mim
disfarçada de palavras, de sombras, de calçadas, enormes dentes de
marfim do crocodilo em pau preto, bela escultura, antiquíssima
silhueta de arame farpado que dividia Angola e o antigo Congo Belga,
e ele
Vou atravessar o rio,
E desapareceu como desapareceram todos os meus
sonhos, e como desapareceram os triângulos das minhas folhas de
papel, a cartolina resumia-se a um pedacinho de ardósia desnorteada,
sem nome, com fome, à procura
Dos velhos machimbombos da agonia em cachimbos de
água, lembras-te Fernando?
Dos pasteis de nata embrulhados nos cigarros, hoje
são milhares, como a formigas sobre as sandes de marmelada numa
tarde de praia, as finas areias brancas solidificavam-se nos pés
emagrecidos da criança perdida e que procurava os sobejados pingos
de saliva que o vento vomitava contra os rochedos de insónia, não
dormíamos, não comíamos, e hoje, somos milhares, como as formigas,
e os cigarros de ontem eram os cigarros de hoje, como as horas que
De Sábado em Sábado, entre duas sílabas de tinta
dentro do aparo, aglutinado, e às vezes
Apertar-lhe os pescoço como um laço de corda
vestida de luz, não matá-lo, não, e às vezes oiço-te
desordenadamente caminhando nas pedras azuis poisadas sobre a
cristaleira, não matá-lo, não
E às vezes (as alheiras saborosas) atravesso o rio,
sento-me do outro lado e recordo entre Sábados e cigarros os
cheiros, as luas, as plantas e os pássaros
Do antigo Congo Belga,
As plantas e os pássaros, os cortinados e as
janelas do amor, e nunca esquecer as clarabóias da paixão debaixo
dos tectos com estrelas de silicone, vícios desfeitos em trapos, e
ruas, e calçadas, e espero, desespero
O jantar está pronto,
E eu não quero saber do jantar de hoje,
Do antigo Congo Belga, algumas fotografias, e o
arroz com chouriço durante trinta dias de tortura alimentar, e
enquanto comia, imaginava que no prato de alumínio viviam os seios
da mulher desenhada na tela de vidro doirado, parvalhão
As alheiras óptimas, saborosas,
Como os livros empilhados no pavimento térreo da
vida que construí numa noite de tempestade, os barcos morreram, de
quê?
Estupidamente afogados no rio que separava Angola e
o antigo Congo Belga, ao longe, muito longe, ao fundo do corredor de
escuridão uma criança de medo inventa papagaios de papel, sorri,
saltita entre dois Sábados e três fotografias do antigo álbum que
guarda os mortos momentos das vidas encalhadas por quatro cantos de
uma vivenda em Casais, demorava-me
Como os livros empilhados no pavimento térreo da
vida que construí numa noite de tempestade, os barcos morreram, de
quê?
Demorava-me a barbear, e deixei de me barbear,
demorava-me a pentear, deixei de me pentear,
Fizeste a contagem das cabras, Francisco?
Esqueci-me, não contei hoje, e aqui entre nós,
entre dois Sábados, nem ontem as contei, que se lixem as cabras e os
montes e as terras e as palavras de gordura como torresmos em sandes
de marmelada, longe, muito longe, numa tarde de praia, havia abelhas
bronzeadas, havia borboletas apaixonadas, por borboletas abelhas
bronzeadas, de quê, Francisco?
Afogados no rio que separava Angola do antigo Congo
Belga, fotografias a preto e branco, alheiras e chouriças de
Trás-os-Montes, o presunto chegava de cá, lá
E os barcos meu amor?
Como serão os barcos apaixonados por traineiras ou
cacilheiros? E lá
E os barcos meu amor?
Como os livros empilhados no pavimento térreo da
vida que construí numa noite de tempestade, os barcos morreram, de
quê?
Afogados meu amor, a fo ga dos...
Todas e todas,
Demorava-me a barbear, e deixei de me barbear,
demorava-me a pentear, deixei de me pentear, demorava-me a dormir, e
deixei de dormir, demorava-me a comer, e deixei de comer, demorava-me
a atravessar o rio, de deixei de ver os salgados comboios em direcção
ao infinito, às vezes, poucas, lá longe, muito longe, ao fundo do
corredor, terceira porta à direita, ele lá
A fo ga dos,
Como os mármores sobre os telhados de madeira,
subia e sentava-se, e eu
E eu ouvia-a soletrar palavras ensanguentadas de um
jornal acabado de ser atropelado pelos salgados comboios em direcção
ao infinito,
Sabiam-me os poemas que lia a incenso, e deixei de
barbear-me porque demorava-me a contar as cabras quando regressavam
do pasto, ao fundo, do corredor, (esqueci-me, não contei hoje, e
aqui entre nós, entre dois Sábados, nem ontem as contei, que se
lixem as cabras e os montes e as terras e as palavras de gordura como
torresmos em sandes de marmelada, longe, muito longe, numa tarde de
praia, havia abelhas bronzeadas, havia borboletas apaixonadas, por
borboletas abelhas bronzeadas, de quê, Francisco?),
A fo ga dos,
Todos e todas,
Entre dois Sábados, nem ontem as contei, que se
lixem as cabras e os montes e as terras e as palavras de gordura como
torresmos em sandes de marmelada, a fo ga dos, Francisco?
Todos,
Todas,
A fo ga dos...
Como drageias que os loucos comem, como todos, como
todas, as tardes perdidas, como todos, como todas, as tardes de
janelas encalhadas na areia das fachadas em ruínas, o mar em ruínas,
os barcos em ruínas, todos e todas
A fo ga dos.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha