terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Dentro do livro de atum, era tarde, descias as escadas do sonhos, e tinhas acabado de perder o sono nos rochedos junto aos correios, pegavas-me na mão e
Gosto de ti sabes?
Nunca soube, espesso, castanho, a nota de cem escudos transformada em periscópio, e percebi que era isto o verdadeiro amor, transformada em tubo com acesso ao centro da terra, roubaste-me
Os livros com sabor a uvas Moscatel,
As imagens de ti,
Espesso, áspero, cinzento, e notava-se uma saliência esquelética
Um livro de atum, que deus o tenha, Amo-te sabes? Gosto de ti sabes?
Um livro de atum,
E começava a pingar um líquido castanho, espesso, e juro que não sabia, e juro que deixei de acreditar nas palavras embriagadas, deixei de acreditar nas sanduíches de atum que o nosso avô deixava ficar na sala de jantar em cima da mesa de vidro, um homem gordo dentro de uma caixa de madeira sorria-nos, tu
Tenho medo,
Amo-te sabias?
Nas pálpebras da lua, roubaste-me e roubas-me o sono, os sonhos, a vida, roubaste-me o jardim onde ele ao final da tarde se sentava, pegava num cigarro, acendia-o e estava ali até que caísse a noite, acordassem as estrelas, e todos os sorrisos da aldeia,
Amo-te sabes?
Espesso, áspero, cinzento, e notava-se uma saliência esquelética
Nas faces da lua.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

A fragrância das tuas sílabas


A fragrância das tuas sílabas em seios de andorinha
voando entre lábios e arbustos dos jardins meu peito envenenado
coisas boas
em Lisboa
um rio me chama
e um mar me engole
com sabor a poesia
e ruas de alegria
este louco amor
ao de leve os vulcões sem crateras corações de areia
uivas em gemidos constelações
que o mapa das estrelas lança sobre a lua,

queres só para ti o luar
e as janelas belas
que a noite deixa cair nas esplanadas ósseas dos orgasmos que os pássaros em teu redor
remoem
e saboreiam
a liquidificação do sémen das manhãs do eterno Inverno
no deserto enterro
as tuas mãos
em teus lábios desespero
o silêncio
que nas palavras prometidas
escreves e ditas e ditas e escreves,

porcarias sem sabor
hormonas voadoras como pássaros incolores
que o amor transporta nos dentes do desejo
desejas-me sabendo que no meu corpo
há parafusos de aço
roldanas
chapas metálicas e zincadas
placas de madeira que a lareira incendeia
come
alimenta
as verdes noites do prazer
quando todos os relógios em ti dormem comem e fodem,

o quê?
os governos fodem o povo
o povo fode o vizinho do lado
coitado
do sapateiro
e do barbeiro
fodidos eles
também
pelo governo que fode o povo
em nome de deus
o quê?
a primeira vez das palavras inquietas e amargas das árvores adormecidas,

(a fragrância das tuas sílabas em seios de andorinha
voando entre lábios e arbustos dos jardins meu peito envenenado
coisas boas
em Lisboa
um rio me chama
e um mar me engole
com sabor a poesia
e ruas de alegria)

comes-me sabendo que os meus ossos poeirentos
são a argamassa luz que rompe e zumba as paredes fictícias do arame de papel
debaixo das mimosas de tecido negro às coxas da maré
em Lisboa
o Tejo que fode o povo
fodido pelo governo
que voa
e voa
entre o desterro e os rochedos dos pénis agachados nas planícies Alentejanas
coitados
dos sapateiros e barbeiros
e as ruas da alegria...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Menina de porcelana

Sábado, e uma casa abandonada, escura, fria, sábia e doce, sábado, ela vem buscar-me, pegar-me-ás sem que ele perceba o que é o amor, sem que tu percebas
A fina escória neblina que o soalho de vidro provoca em nós, mulheres, esposas sem marido e filhas de um Deus esquisito, às vezes, Ateu, outras vezes, malfadado, hirto, sujo, eu, quando te encontro em frente à rua onde vive a tua mãe, e tu
E eu sem que tu percebas as fotografias a preto e branco que dormem no álbum do teu pai, fotografias antigas, dos tempos de
E tu
Luanda, as gaivotas atravessavam a Baía e deitavam-se nas mãos dos mabecos enfurecidos pela escuridão das palavras mortas, murmuradas por cadáveres estonteantes, embriagados, às vezes, outras vezes
E tu
Desgovernada sem saber o que fazer, corrias pela cidade, batias às portas, e ninguém, ninguém dobre o zinco da noite a abraçar-te, ninguém para ti
Deita-te sobre mim, meu amor, e deitavam-se as nuvens sobre as mangueiras que os pássaros deixavam ficar nos quintais abandonados, deita-te sobre mim
Meu amor...
Ninguém para ti, ninguém para mim, de candeeiro em candeeiro, uma corda de aço prendia um petroleiro, homens maus com um chicote
Não me bata por favor, gritavas quando ele acendias os cigarros nas janelas da lareira, e que a morte nos trazia todas as noites nos finos cobertores que o inverno construía, e nós
Não sabíamos o que era o Inverno,
Imaginavas a neve como sendo areia dentro de uma caixa de sapatos, pesadíssimas botas mordiam-te os pés lilases de pétala amordaçada, e não sorrias, escondias-te no sótão, e choravas, e gritavas
Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e
Adormecias agarrada a uma boneca de trapos que nasceu e cresceu no primeiro andar com janelas e vidros envelhecidos, alguns deles em perfeita decomposição, o cheiro imundo a vidro putrefacto, em pedaços, suspensos nos peitoris de madeira apodrecida, e suja
Repetição
Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e
E suja
Minha amordaçada menina de porcelana,
Sábado,
E tu
Luanda, as gaivotas atravessavam a Baía e deitavam-se nas mãos dos mabecos enfurecidos pela escuridão das palavras mortas, murmuradas por cadáveres estonteantes, embriagados, às vezes, outras vezes, vezes a mais, aparecias em casa numa lástima, perdias as calças, perdias as mãos, perdias os braços, regressavas, entravas, não falavas, e deitavam-se elas sobre os muitos lençóis que o cacimbo deixava ficar pelas ruas, outras vezes, às vezes, um carro zumbia, rosnava entre cães e mabecos e cavalos que tinham fugido de um carrossel estacionado junto aos Coqueiros, mostravas-me os treinos de hóquei em patins, inserias a moeda na ranhura
E os barcos começam em círculos longos voos sobre os telhados poeirentos que pertenciam às nádegas húmidas do ciume, e as fotografias do teu pai
A Preto e branco, mortas, esquecidas no fundo de um caixote de madeira, em viés um seta pintada apressadamente e letras que mal se percebia
CUIDADO PARA CIMA,
E um tipo com os dentes virados para o céu, e esperava, CUIDADO PARA CIMA
A Preto e branco, mortas, esquecidas no fundo de um caixote de madeira, em viés um seta pintada apressadamente e letras que mal se percebia que sábado, e uma casa abandonada, escura, fria, sábia e doce, sábado, ela vem buscar-me, pegar-me-ás sem que ele perceba o que é o amor, sem que tu percebas, a fina escória neblina que o soalho de vidro provoca em nós, mulheres, esposas sem marido e filhas de um Deus esquisito, às vezes, Ateu, outras vezes, malfadado, hirto, sujo, eu, quando te encontro em frente à rua onde vive a tua mãe, e tu, e eu sem que tu percebas as fotografias a preto e branco que dormem no álbum do teu pai, fotografias antigas, dos tempos de
CUIDADO PARA CIMA,
Repetição
Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e
E suja
Minha amordaçada menina de porcelana,
Sábado,
E tu
Luanda,
E eu
Não Luanda.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Rua B

O trânsito infernal, o (pára arranca) leva-me a imaginar uma rua sem saída, e muitas pessoas a caminharem em direcção, não sei, e não mo perguntes
Em direcção ao vazio,
Ao nada, ando uns míseros milímetros, agacho-me, sinto o próprio vazio da rua sem saída a coexistir dentro de mim, ruas, pessoas
Em direcção ao vazio, nuas
Muitas pessoas,
Em direcção ao vazio, os edifícios agachados também, tal como eu, e as árvores voam, fogem para longe, levam as folhas e as flores, muitas pessoas
Vazio,
Que transportam pele e osso, quilogramas de lixo cinzento, cigarros made in China, com sabor a Primavera, procura nos bolsos, não as encontra, as chaves, de casa, do carro, procuro-os nos bolsos
Os edifícios, não os encontro, os carros, as casas, procura nos bolsos as pessoas, fugiram, deixaram de pertencer à rua B do número trinta e três, outra vez, repita comigo
Trinta e três, rua B, quito esquerdo, e ela repetia, Trinta e três, rua B, quito esquerdo, abria as asas e começava a voar sobre a cidade, deixei de a ver, deixei de a ouvir
Perguntas-me se à cidade ou a ela, à rua B
E eu simplesmente tinha saudades, da rua B, dos alicerces, as pessoas, os pássaros, o trânsito infernal, o (pára arranca) leva-me a imaginar uma rua sem saída, e muitas pessoas a caminharem em direcção, não sei, e não mo perguntes, hoje, não, amanhã talvez, saio de casa, sais de casa, encontras no bolso
As chaves do carro,
Os cigarros, as chaves de casa, os edifícios, não os encontro, os carros, as casas, procura nos bolsos as pessoas, fugiram, deixaram de pertencer à rua B, os ciganos em exames à volta de uma fogueira, três ou quatro tendas, alguns animais, cães e burros, e uma leve e fina cortina de vento, silêncio, grito-te
Não te oiço, respondes-me, trinta e três, como? Chegas a casa, e desapareces como desapareceram todas as pratas e porcelanas que tínhamos na sala de jantar, entras, não te percebo
As chaves do carro,
Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, que nunca tivemos
Um carro,
Não te percebo, que nunca tivemos
Um burro e uma carroça,
Não te percebo, que nunca tivemos
Nada, casa, que nunca vivemos
Na rua B? Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, que nunca tivemos
Nada
Chegas a casa, não te conheço, perguntas-me se o jantar já está pronto, olho-te, olho-te e não te percebo
Porquê se não tenho, Porquê se nunca ti, Porquê marido,
Um carro,
Um burro e uma carroça,
Assistíamos à dança dos ciganos à volta da fogueira, lembras-te, perguntavas-me e eu juro que não, na rua B deve ser engano, não conheço, não sei
Não te oiço, respondes-me, trinta e três, como? Chegas a casa, e desapareces como desapareceram todas as pratas e porcelanas que tínhamos na sala de jantar, entras, não te percebo
As chaves do carro,
Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, que nunca tivemos
Um carro,
Não te percebo, que nunca tivemos
Um burro e uma carroça,
Não te percebo, que nunca tivemos
Nada, casa, que nunca vivemos na rua B deve ser engano, não conheço, não sei, chegas a casa, entras em cada compartimento de luz, não me encontras, finjo-me invisível, e tu perguntas-me
Como se faz Rafael?
Não te percebo, que nunca tivemos
Um burro e uma carroça,
Que eu me lembre, apenas uma rua sem saída, e muitas pessoas a caminharem em direcção, não sei, e não mo perguntes
Em direcção ao vazio.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

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(Inventavas pássaros)
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Sapo Angola

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Absorviam-te as palavras

Insisto, desistes facilmente como se fosses a chuva miudinha dos finais de tarde em Belém, e nunca percebi, senti, sem ti, perceber

Porque me perseguias entre sombras e canaviais que escondem a cidade, porque me perseguias, sem perceber, sem ti e sinto, hoje, não propriamente hoje, ontem talvez, às vezes esqueço-me que já morri, defecado dentro dos orifícios das lilases masmorras de granito, sentavas-te e acorrentavas-te aos candeeiros encardidos, velhos, ontem, hoje não

Perceber, sem ti, sentir-te dentro dos meus olhos cabisbaixos, amorfos, fabricando euros clandestinos num barracão da Madragoa, e entortavas-te com a vestimenta disfarçada de gaja Espanhola, made in China, perceber

Hoje não, desculpa-me,

E entortavas-te nos lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti

Hoje não, desculpa-me,

Sem ti e sinto, hoje, não propriamente hoje, ontem talvez, às vezes esqueço-me que já morri, defecado dentro dos orifícios das lilases masmorras de granito, os sexos murchos como as palmeiras da Baía de Luanda, quando o vento, as levava, e eu

Sentavas-te, sem ti, senti, sentavas-te a olhar o mar, e esperavas, pelo regresso das palmeiras, algumas regressavam, outras morriam, e outras

E entortavas-te nos lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti

Libertavam-se das manhas de cacimbo, e o capim mergulhava nas tuas coxas de linho, o cortinado tremia, sentavas-te

Sentia-te,

Sentavas-te nos rochedos que as nádegas, e entortavas-te nos lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti a paixão dos homens que se suicidavam dentro dos cubos de vidro, e sentavas-te nos rochedos que as nádegas de manteiga desenham nos espaços vazios da areia das parais do Mussulo, caraças

Sentavas-te e sentavas-te e sentia-te

Regressavam os barcos nocturnos das viagens sem regresso, perdias-te nas caves escondidas dos porões esfomeados que a saliva do desejo traçava nas paredes murmuradas em parêntesis incompletos, pontos finais sem fim, continuação da história, da mulher de saltos altos e meia de vidro no palco em delírios e sentavas-te

No caixão revestido de sorgo, amêndoas e chocolates fora de validade, acreditavas nas esplanadas junto ao rio, abrias as pernas, fincavas os dentes num pedaço de pano, sujo, imundo, húmidas as tuas mãos, e

Absorviam-te as palavras, desculpa-me, sentavas-te, sentavas-te, senti, sem ti, absorviam-te as palavras como se fosses um poema de amor, como se fosse uma rosa, uma nuvem, pássaro, ou uma árvores inventada pelas mãos de um apaixonado motorista dos machimbombos, com asas de de vodka, embebias os lençóis em sangue menstrual, limpidamente à janela de onde se observava a pastelaria, e quem diria

E entortavas-te nos lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti,

E quem diria, que eu, um dia, acabaria como um lençol mutuário, sem testamento, herdeiros, e quem diria, que eu, um dia, sem ti e sinto, hoje, não propriamente hoje, ontem talvez, às vezes esqueço-me que já morri, defecado dentro dos orifícios das lilases masmorras de granito, os sexos murchos como as palmeiras da Baía de Luanda, quando o vento, as levava, e eu

E eu

Um vulcão,

E eu

Sentia-te,

E eu

Libertava-me das manhas de cacimbo, e o capim mergulhava nas coxas de linho construída por uma noite de insónia, e o cortinado tremia, e sentavas-te

Sentia-te,

Nos meus silêncios do inverno à lareira dos sonhos,

E eu

Não acreditei.

(Texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha