quinta-feira, 19 de abril de 2012

A cidade dos livros

Qualquer coisa estranha à janela
olho as árvores imaginadas
por um miúdo em calções
olho-lhe os braços suspensos no cacimbo
e ele acena-me com um sorriso ténue
antes de adormecer a tarde

e enquanto me acena
vai imaginando árvores enormes quase a tocarem o céu
árvores que rompem a montanha
árvores que alguém esqueceu
num jardim de aldeia
ou perdidas numa cidade
sem janelas
sem portas
sem casas
uma cidade construída em papel
e com muitas palavras
a cidade dos livros

a cidade dos livros
com gajas poeticamente desejadas
e poeticamente amadas
como as flores dos jardins de Belém

uma cidade sem cigarros
e sem rimas
e todas as personagens

coisas estranhas à janela.

Matriz composta

Procuro nos olhos oblíquos da manhã
a bissectriz do cansaço
o meu corpo transforma-se em matriz composta
e dos meus braços
crescem linhas paralelas sem destino
algures suspensas no infinito

elevo ao quadrado a minha solidão
e à raiz quadrada do sofrimento
adiciono uma noite sem nome
sem horários

sem nada

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Poemas sem palavras

Dentro das ondas do mar
adormece o poema que nunca consegui escrever
sílabas perdidas
onde pinto os meus sonhos
e poiso as lágrimas do amanhecer

poemas sem palavras
que brincam no jardim

dentro das ondas do mar
poemas sem janelas
agarrados a mim

poemas

terça-feira, 17 de abril de 2012

Não vale a pena escreverem no google “Luís Fontinha pinturas”, não sou pintor, não sou escritor, apenas faço parte dos 15% de desempregados... e a aumentar.

Algibeiras da tarde

Pareço um espelho
poisado sobre o pavimento molhado
incenso e marfim
nas algibeiras da tarde
e tudo à minha volta arde
e tudo à minha volta
incenso e marfim
e fios de nylon
descem das árvores doentes
incenso e marfim
contentes
nas algibeiras da tarde,

pareço um espelho
um palhaço que brinca na esplanada do Baleizão (Luanda)
entre cadeiras imaginárias
e migalhas de pão,

pareço um espelho
made in China,

(um homem sem destino
desde menino)

entre cadeiras imaginárias
e madrugadas de cetim
antes do pequeno-almoço
ao virar da esquina
no centro do jardim
um espelho,

nas algibeiras da tarde.

A alvenaria da vida

Há uma pedra onde me sento
e descanso
há um banco de jardim onde adormeço
e descanso

mas não existe oceano
pedra
ou banco de jardim
que queira o meu veleiro

desde que me conheço

(Há uma pedra onde me sento
e descanso
há um banco de jardim onde adormeço
e descanso)

e os dias pregados na alvenaria da vida
fotocópias de fotocópias
noites de noites
numa rua sem saída

que queira o meu veleiro

onde me sento
e descanso.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Antes de acordar a noite

Se eu tivesse
um leve sorriso nos lábios
que se acorrentasse às árvores nuas e tristes

se eu tivesse
asas para voar
e sonhos...
e sonhos para sonhar

e mar
e mar para caminhar

se eu tivesse tudo isso
provavelmente estaria morto
dentro de uma rocha suspensa na montanha
antes de acordar a noite

e longe e longe e longe...
o rio
e barcos de papel

se eu tivesse
um leve sorriso nos lábios
… às árvores nuas e tristes
eu abraçava-me