terça-feira, 31 de março de 2015

O fim


O fim

Duas rectas paralelas…

… Abraçadas

No infinito cansaço

A sinfonia das pálpebras em veludo

Na sombra do amor

Gaivotas tontas

Tontas… tontas flores de papel

Sobre o teu ventre

Envenenado

O fim

Duas

 

Rectas

Longas

Infinito…

Abraçadas

Triste

A distância

Triste

A solidão nos dias em companhia

Os livros

Me alimentam

Abro a janela

O Douro à espreita

 

Nos barcos azuis da madrugada

O comboio pára

Os homens e as mulheres

Nos livros

Triste

Infinito…

E longas

As tardes sem ti

Adormecia no teu colo

E inventava aviões de musgo prensado

Olhava as lâmpadas dos teu olhar

O tecto dos teus seios

 

No mar

O comboio se esconde no teu púbis

E entre apitos

Uma nova paragem

As mão

Escalam o teu corpo de cera

Em chamas

Não sei o teu nome

Meu amor

Sei o dia em que nasci

Sei o dia em que vi o mar pela primeira vez…

Mas o teu nome

 

Meu amor

As mãos

Nos livros

Triste

Infinito…

E longas (pernas)

Ruelas sem saída

Mulheres de ébano

Semeadas no passeio da ilusão

O esqueleto meu amor

Dançando sobre a praia

Nua (ela ou ela?).

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 31 de Março de 2015

Entre beijos e poeira…


As línguas abraçadas no céu-da-boca

A chuva argamassada contra o silêncio nocturno

Em redor de dois corpos invisíveis

O prazer nas palavras

Saltitam enquanto folheamos um livro sofrido

Em lágrimas

Da morte inanimada

O Sol embrulhado dentro de quatro paredes

O tecto desce

Desce…

E tomba no pavimento lamacento de um dos corpos

O fim da tarde evapora-se

Nos lábios de um cigarro

Negro

Noite

Sombrio

Como os pássaros da minha aldeia

Subo aos teus cabelos

E sento-me nas avenidas envernizadas da madrugada

A cidade cresce

Os automóveis enfurecidos

Em raiva

Como os cães selvagens

Montanha abaixo

A ribeira espera-os

Como visitantes insignificantes

O sexo suspenso nos cortinados do desejo

Os gemidos

E as sílabas da saudade

Há no teu corpo

Vapor de água

E cristais de prata

A imagem das tuas coxas em finas lâminas de desassossego

O mar

O mar dentro de ti

Construindo marés de esferovite

E alguns sorrisos apaixonados pelo sono

Perdi-me neste tempo infinito

Quando ainda existiam equações de areia

No quadriculado olhar

Hoje

Sou uma caneta avariada

Que deixou de escrever palavras

Que…

Que tem uma lápide sobre a secretária

E uma fotografia

Húmidas vogais

Agarradas às escadas da paixão

Sem saberem que a morte

Não é a morte

Que o medo

Não é… o medo

Voar

Sofrer enquanto caminho sobre um arame

(sempre quis ser trapezista)

Artista de circo

Palhaço

Andante…

Sem nome

Quando acordo e sinto que estou vivo

A praia parece a eira de Carvalhais

Graníticas espigas de cio

Nas frestas do sonho

Oiço o sino da Igreja

Quase a desfalecer

Tensão alta

(dizem)

E nos teus cabelos

As luas de Saturno

Envergonhadas

E Titã…

Entre beijos e poeira…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 31 de Março de 2015

segunda-feira, 30 de março de 2015

Nublado


Não me contes a estória

Aquela

Do coitadinho sem dinheiro

A sua riqueza era a literatura

E a poesia

Tínhamos construído a tenda do silêncio

Alicerçada às tuas coxas

Como serpentes em aço

Voando

Gritando…

Não

Não me contes a estória

Aquela

De…

A tarde mergulhava no sémen da tristeza

Os barcos brancos

Roucos

Sós

Caminhando nos teus lábios

O poema habita no sexo do poeta

O teatro encerrado

A casa de putas embrulhada na insónia

Não tenho palavras

Para aliciar o teu cigarro

A morte vive nesta casa

E nesta casa vivem

Livros

Velhos

E loucos

Jardins de naftalina

Escrevo-te

Meu amor

Vivo apressadamente no intuito de um dia

Amar-te

Não acredito

Nas palavras

No chocolate derretido entre quatro paredes

O colchão envenenado

Morto

Amado

O teu corpo de mogno

As flores

E os socalcos envidraçados do abismo…

Não sei… meu amor

O que é o amor?

Uma espingarda

Um canhão de beijos…

… ou… o amor

A paixão tridimensional da razão

O coração arde

E lança-se ao povo

Gritam

Choram

As luzes da aldeia

E sem o saber

Ele

Desculpe… quem é ele?

O esqueleto de pano…

Do meu sonho

Nublado…

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 20 de Março de 2015

Carta ao destino


Pareço um sedimento

Quando acordam as abelhas

E as migalhas de gelo

Que não pareço

Sonham nas árvores do teu jardim

Sou o vagabundo transatlântico

Desgovernado

Como sempre fui

Desde que nasci

Quando abriram a janela do perfume

E lá estavam elas

Todas preenchidas

 

Empilhadas

As nuvens de um Domingo

Sem endereço

Ou… ou identidade

Sinto no teu olhar o luar de Janeiro

Porque nasci em Janeiro

Era Verão

O calor entranhava-se na minha mão

Ouvia o sorriso dos parvalhões

À minha volta

Tão pequenino

Tão…

 

(o caralho que vos foda, pensava eu)

Quem são estes gajos

E estas gajas…

Ninguém me respondeu

Ninguém

Hoje são apenas palavras

Mortas

Numa cidade

Morta

Como as ditas migalhas de gelo

Cambaleando num calendário enforcado numa parede

Havia riscos

 

Letras indecifráveis

Papéis velhos

Não amigáveis

A guerra

O silêncio das balas

Cruzando o berçário

Eu era um ranhoso

Rabugento

Sempre aos berros

E mal abri os olhos

Barcos

O meu primeiro sonho

 

Fugi

Mudei de nome

Hoje não sei onde nasci

E se essa terra ainda existe

Ou… ou é apenas uma imagem sem coração

O dia deitava-se sobre a pedra fria da morgue

Eu percebia que lá fora

Alguém

Me esperava

Para quê?

Se eu nunca quis ninguém…

Ao meu lado para me esperar

 

Eu só queria partir

E voar…

Pegar numa faca

E cortar todos os segredos

E todas as sombras

De um quintal

Com mangueiras

E um papagaio em papel

Desenhos

Desenhos no meu peito

Que hoje escorregam quando me levanto

E se transformam em lixo…

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 30 de Março de 2015

Das palavras às palavras…


As arcadas tristes da memória

O silêncio insigne da estória

Quando o corpo geme nas minhas mãos

No vão de escada imaginado

O teu sexo nos meus braços

Sinto o peso da tua solidão

Como se fosse um ponto esquecido no espaço

Atrevo-me a ajoelhar

No altar da poesia

Um uivo

Um gemido

Uma… profecia

Na maior das hipóteses

O corpo amarrado ao silêncio

Sinto o teu perfume

Nas minhas pálpebras de estanho

Perder-me

Em ti

Sem saber que as coisas boas da vida

São círculos de chocolate

Na ardósia das palavras

Não falo

Não imagino as pedras de xisto

Comestíveis na alvorada

Nos teus olhos

As palavras me enforcam

E matam

Antes de adormecer

Lapidando o teu corpo de amêndoa

Nas sílabas tontas da paixão

Meu amor

Porque são tristes as tuas nádegas?

Porque são alegres os teus íngremes salivares desenhos

Do desconforto

Amar-te

Não… não amor

Não quero

Voar nos braços da inconfidência

Trabalhar

Nos poços da solidão

Ser o Príncipe perfeito

Imperfeito

Amargo

Amanhece na tua boca

E visto-me de gaivota

Louca

Das palavras

Às palavras…

 

 

Francisco Luís Fontinha - Alijó

Segunda, feira, 30 de Março de 2015