domingo, 16 de fevereiro de 2014

criança dos teus olhos

foto de: A&M ART and Photos

há silêncios nos teus olhos
existe uma mão que absorve as lágrimas dos teus olhos
tens cabelos semeados pelo vento que cerram os teus olhos
o medo que cruza os teus braços que aprisionam os teus olhos...
há silêncios nos teus olhos
há palavras que descrevem a cor dos teus olhos
imagens
negras
a noite
o dia
a morte... que brinca nos teus olhos
há silêncios de amor nos teus olhos

há silêncios de ciume nos teus olhos
searas campos montanhas árvores nuas
despidas cidades amargas ruas cansadas
que os teus olhos vêem e se calam como pedras silenciosas
há rios mares barcos e gaivotas
há desejo nos teus olhos
há corpos em cio que magoam os teus olhos
há madrugadas onde habitam os teus olhos
bares mesas de bares copos recheados de uísque em bares dos teus olhos...
jardins inclinados
tristes tristes como os teus olhos chorados
há seios que me esperam na criança dos teus olhos


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 16 de Fevereiro de 2014

Invenção do sono

foto de: A&M ART and Photos

Tínhamos inventado o sono,
a tristeza,
desenhávamos o sofrimento nas pedras cansadas da calçada,
tínhamos nas mãos a madrugada,
o vento que nos empurrava,
um livro teu... um livro que nos amava,
tínhamos estrelas vadias nas pálpebras do céu,
palavras, palavras significando tempestades, palavras começadas por saudades,
tínhamos inventado o sono,
a alegre maré parecendo o ensanguentado milagre da beleza...
tínhamos o mar e os corpos dos marinheiros sem farda,
e mesmo assim... sonhava, e mesmo assim... amava-te como se amam os xistos muros dos nocturnos eléctricos da cidade do nada.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 16 de Fevereiro de 2014

A janela verde

foto de: A&M ART and Photos

Da tua janela sentia o pulsar inconstante das tuas veias, do oitavo andar eu conseguia, não, aprendi a perceber as árvores em movimento, aprendi a ouvir os teus lamentos, aprendi a sentir a tua minha dor, contava a vezes que o metro de superfície passava em frente aos teus olhos cerrados, perdi-lhe a conta, desisti de contar, mudei repentinamente para os automóveis sonolentos que enteavam no parque de estacionamento, eram tantos, meu Deus, tantos, tantos que... voltei a desistir,
Percebi o significado do medo, aprendi a esperar pelas palavras do invisível, e confesso que não rezei, confesso que mentalmente colocava a hipótese de te perder, e ainda não tenho a certeza se te vou perder, enquanto dormias, enquanto eu olhava os teus sonhos impregnados no cortinado de fumo, eu, eu sabia que tu me esperavas quando acordasses, acordaste,
Então, chegaram bem?
Não te respondi, sentia-me agoniado, com fome, sem palavras para responder aos teus anseios..., pegava nos cigarros amorfos, acendia um e depois outro e mais outro... até que percebi que no corredor de acesso ao teu quarto, até que entendi a solidão, o amor enquanto esperava as lânguidas manhãs de Janeiro,
Então, chegaram bem?
Muita neve, chuva, vento, e perdemos-nos na tua sonolência de cadáver inventado por um louco, perguntava-te se estavas bem, e respondias-me
Então, chegaram bem?
Que sim, que tudo não passava de um sonho, que tudo nunca tinha existido, que tudo
Então, chegaram bem?
Que tudo acorda quando os silêncios dos teus lábios me diziam
Estou mal, tenho dores, não consigo adormecer,
Me diziam, me obrigavam a acreditar nas palavras escritas na tua cama, oitocentos e trinta e cinco, para os matemáticos um belíssimo número, mas
Então, chegaram bem?
Mas para um poeta esse número significava uma perda, uma ausência de ti para comigo, imagino-te subir as escadas do sótão da saudade, imagino-te a pegar na minha mão e ir-mos ver os barcos ao porto de Luanda...
Então, chegaram bem?
(não te respondi, sentia-me agoniado, com fome, sem palavras para responder aos teus anseios..., pegava nos cigarros amorfos, acendia um e depois outro e mais outro... até que percebi que no corredor de acesso ao teu quarto, até que entendi a solidão, o amor enquanto esperava as lânguidas manhãs de Janeiro...)
E víamos os paquetes abraçados aos longínquos marinheiros com fardas de embriagados esqueletos procurando sexo, álcool... e drogas,
Os coqueiros, os treinos de Hóquei em patins, e sempre, e sempre a tua mão entrelaçada na minha mão de criança, da tua janela sentia o pulsar inconstante das tuas veias, do oitavo andar eu conseguia, não, aprendi a perceber as árvores em movimento, aprendi a ouvir os teus lamentos, aprendi a sentir a tua minha dor, contava a vezes que o metro de superfície,
Então, chegaram bem?
E olhavas-nos, e sei que choravas...




(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha- Alijó
Domingo, 16 de Fevereiro de 2014