Nunca sei ao certo se entro na dos homens ou pelo contrário, sem o saber, entro na das mulheres, confuso, os símbolos pendurados na porta de entrada, hesito
hesito entrar ou não entrar, hesito procurar o meu corpo no corredor de acesso ou tão simplesmente entrar a medo,
- arrependo-me, hesito, toco na porta ao de leve, hesito, recuo até novamente no Hall de entrada tentar perceber se é a dos homens ou é a das mulheres,
Paro escuto e olho, e nada, nem o homem de óculos escuros nem a mulher de mini-saia, nem o comboio de Cais do Sodré com paragem obrigatória em Belém, hesito, e nada, não entro, olho fixamente os símbolos meio acidentados pelas cores rosas da noite, e,
- e fico sem perceber se é a dos homens ou se é a das mulheres ou simplesmente é o cheiro do rio a mergulhar nas páginas amarelas de mais uma semana de trabalho, e nunca
Sei ao certo,
- e nunca sei se hoje é sábado ou se é antes de sábado ou se é depois de sábado, e nunca sei se junto ao rio os barcos são masculino ou se são feminino, ou, ou ambos...
Hesito, paro escuto e olho, e nada, nem o homem de óculos escuros nem a mulher de mini-saia, nem o comboio de Cais do Sodré com paragem obrigatória em Belém, nada de mim ao longe até ao Rossio, olho o céu pintado com estrelas de glicerina, olho e olho e olho, e hesito
- não entro,
E hesito no apeadeiro da vida sem os barcos fêmeas das tardes de verão, ela não pára, ela não hesita, ela simplesmente entra dentro do abismo, a porta de algodão ressuscita no vidro cinzento dos teus olhos, e não sei...
- não sei se é um homem ou se é uma mulher, não sei como chamar os barcos e distinguir-lhes os sexos azulados entre os passageiros e as companhias de viagem, companheiros de hesitação, homens e mulheres e barcos, e não entro,
E hesito, e espero pela chegada da luz dos silêncios e talvez com ela a voz de uma criança, hesito, tenho medo de entrar, apaixonadamente ele esconde-se nas flores carnívoras num compasso de espera entre o entrar e o sair, a porta abre-se lentamente e percebo que ali é a casa de banho das mulheres, longo, logo na porta ao lado ficará a casa de banho dos homens, e os barcos, e as flores carnívoras que se alimentam da minha paixão durante as noites de insónia,
- não entro, hesito,
Nunca sei ao certo se entro na dos homens ou pelo contrário, sem o saber, entro na das mulheres, confuso, os símbolos pendurados na porta de entrada, hesito, e todos os barcos na algazarra da Calçada da Ajuda, e ao longe a ponte tremendo de frio e enganando a fome com os símbolos inventados nas noites de tristeza, e triste é não ter o mar, e triste
- triste é ser o dono dos dias em fotocópias,
E triste,
as portas das casas de banho.
(texto de ficção não revisto)