Oiço a cidade a desaparecer para lá da noite
onde se perdem as almas sem nome
de todas as algibeiras construídas em cetim doirado
e mesmo assim
e mesmo assim há quem não tenha medo de atravessar a fronteira
não regressando nunca mais ao fim de tarde junto ao rio
as peles flácidas que transportam nos lábios
onde em letreiros gatafunhados se podem ler os desejos da noite
antes das almas sem nome atravessarem a fronteira e sentarem-se sobre as pedras
de nylon com que um esqueleto de óculos escuros constrói as redes para a apanha da solidão
e do chá e das torradas
antes
antes de ele se deitar dentro da sepultura de cordas e pregos de marfim
antes do cerimonial complexo à iniciação dos sem abrigo com cigarros de pluma em oiro
oiço o meu nome transformado em “filho da puta”
é a cidade travesti em direcção ao outro lado do rio para lá da noite
gajas chamam-me e eu recuso-me
curiosamente hoje e ontem “FEBRE COM PINTINHAS DE SARAMPO”
antes
antes de deitar-me dentro da sepultura de cordas de marfim
vi um homem louco com uma cabeça de areia embrulhada em correntes de aço
e do chá e das torradas
as redes com que apanhava debaixo da madrugada
pedacinhos de solidão com restos de esperma
e eis que para lá da noite
a cidade cresce nas peles flácidas dos olhos pedrados no pólen
(curiosamente hoje e ontem “FEBRE COM PINTINHAS DE SARAMPO”
curiosamente hoje e ontem “FEBRE COM PINTINHAS DE SARAMPO e nunca fui feliz”)
eu vi a noite comer os letreiros gatafunhados
e as frases começavam a misturarem-se com os restos esquecidos no passeio dos infelizes...
“vendo todo o recheio da minha biblioteca – motivo Fartei-me dos livros”
“vendo braços e pernas e dentes de madeira – Bom estado”
eu vi
a noite a transformar-se em palavras além da fronteira dos infelizes
com febre e papeira ou sarampo ou gajas a gritarem do outro lado do rio
para mim
eu o gajo mais infeliz do cardápio da infelicidade
eu vi
tu viste
a cidade a desaparecer para lá da noite...
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