segunda-feira, 22 de novembro de 2021

A derivada da saudade

 

Quando o beijo

Se abraça à derivada

Da saudade,

Integra-se o desejo,

Liberta-se a madrugada…

E acorda a verdade.

Depois de integrado,

O desejo voa em direcção ao mar,

Senta-se no chão molhado,

Senta-se, senta-se para conversar.

E conversa com o menino,

E brinca com a sombra desse menino,

Depois, aparece a equação do silêncio desesperado,

Triste,

Triste e cansado;

Triste, triste como o sino.

Na igreja deitado,

Entre parêntesis e vossemecês e excelências…

Menino traquino,

Menino das ciências.

Quando o beijo

Se abraça à derivada

Da saudade,

E da saudade,

Ouvem-se as palavras da despedida.

São versos, são prosas, são pedaços sem medida…

São beijos, são esqueletos de lata,

Que correm, correm, correm para o mar;

Para o mar que mata.

E esta equação

É tão preguiçosa,

Senta-se junto ao mar,

Lê AL Berto, Pachecadas e afins…

Afins de matar.

Puxa da espingarda,

Fuma um cigarro envenenado,

Escreve na ardósia: abaixo a guarda,

Abaixo o enforcado.

Somos corpos enlatados,

Somos papeis descartáveis nesta pobre cidade,

Abaixo os enforcados,

Abaixo a maldade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 22/11/2021

domingo, 21 de novembro de 2021

Apenas, apenas menina do mar

 

Oiço-te, madrugada em delírio,

Pedacinho de voz

Que voa junto ao mar.

Oiço-te, noite obscura da vaidade,

Oiço-te, sabendo que não consegues falar;

Por medo, as palavras da verdade.

Oiço-te, poema envenenado

Pelo desejo de um luar só meu,

Com cadeiras, uma mesa e, alguns livros de leitura.

Oiço-te, percebendo que amar

É mais do que amar.

Oiço-te, madrugada em delírio,

Pedacinho de voz

Que voa junto ao mar.

Oiço-te, primeiro beijo.

Oiço-te, o meu primeiro poema,

O meu primeiro texto.

Oiço-te, sabendo que dentro da tristeza,

Habita a canção da saudade,

E dentro da canção da saudade,

Habitam as tuas doces palavras;

Tem cuidado!

Não venhas tarde hoje!

E, peço-te,

Peço-te que quando me ouvires,

Te lembres do meu papagaio em papel,

Aquele tricolor, lembras-te?

Sim, aquele que deixamos, lá longe, junto à sanzala.

Oiço-te, madrugada em delírio,

Pedacinho de voz

Que voa junto ao mar,

Oiço-te, apenas,

Apenas menina do mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21/11/2021

A equação de Deus

 

Era um sábado triste; ela tinha morrido.

Quando me perguntaram o que era a ausência e a saudade, respondi que ambas são uma equação matemática sem resolução.

Não gosto de conversar com psicólogos, respondi-lhe.

Aos poucos, a manhã levanta-se de um sono hibrido, parecendo um buraco nego esquecido no Universo. Entrei, sentei-me e, pedi um café. Enquanto saboreava o primeiro café de muitos, percebi que na TV falavam de uma imbecil qualquer, que eu desconhecia, por ignorância e, que tinha arrasado com um determinado vestido, numa determinada gala. Confesso; nada percebo de vestidos. Na percebo de galas.

Cansei-me da TV e apenas oiço rádio e tenho como companhia a TSF.

Era um sábado triste. Aos pouco percebi que todas as flores do meu jardim se preparavam para o passeio matinal de um sábado triste. Indiferente, puxei de um cigarro e sentei-me junto a elas. Comecei a desenhar no chão uns riscos estranhos, que só me lembro de os ter feito quando do falecimento do meu pai.

Esses riscos, esses desenhos, acompanham-me diariamente e, quando me perguntam o que é a ausência e a saudade, respondo que são uma equação matemática sem resolução; e claro, não gosto de conversar com psicólogos.

Despedia-se de mim o sono e todos os sonhos da minha infância. Estar vivo, era sem dúvida um presente de Deus; dizia-o a minha mãe, vezes sem conta e, acredito que ela tinha razão.

Imaginem, por hipótese, que Deus não é nada mais do que uma complexa equação matemática que vive, brinca e, dorme nas nossas mãos.

Imaginem, que essa mesma equação, um dia, vai ser descoberta e resolvida.

Parece que estou a ver essa equação, dormindo na minha secretária.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21/11/2021