sábado, 16 de janeiro de 2021

O sono

 

Uma finíssima sombra de gelo

Poisa docemente na tua pele.

Todas as palavras, escritas no teu corpo,

São poemas loucos, são rosas, Senhor…!

São manhãs sem dormir,

São tardes infinitas,

São lençóis de seda,

Que agasalham o teu corpo.

Uma finíssima tarde de sono

Brinca nos teus lábios encarnados,

Doces como a geada,

Transparentes como a luz do teu olhar.

Todas as palavras,

Todos os livros,

São noites ensonadas,

São Primaveras prometidas,

São toalhas de linho

Que adoçam as tuas mãos de fada.

Brincam nos teus cabelos

Todas as estátuas da cidade,

Onde habitam todos os pássaros em papel

Que a tua mão construiu na noite,

Todos os silêncios,

São lágrimas de sorrir,

São sorrisos de chorar…

Que só os pequenos livros de poesia conseguem cantar.

Toas as faces,

Todos os dedos,

São finíssimas sombras de geada

Que saltitam no teu cabelo;

Eis as lágrimas da noite

Quando todas as crianças dormem e,

Tu, sem o saberes,

Alimentas o povo faminto de liberdade.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó – 16/01/2021

sábado, 9 de janeiro de 2021

As invisíveis cidades de ontem

 

Quando as amarras se desprendem da paixão e, o rio galga os socalcos da insónia.

 

 

Eles tiram-nos a vontade de caminhar,

Mas nunca, nunca, nos tirarão a razão de pensar.

O amor,

A paixão entre dois corpos cerâmicos,

Quando dois lábios de seda, ao nascer do sol, se entrelaçam na maré e,

Um finíssimo fio de chuva,

Dorme, docemente, na cânfora manhã de ontem;

Sois vós, aqueles que me apedrejam e, depois, vêm lamber-me o cu.

Os livros, dormem,

Todas as estátuas, dormem… e,

Até as palavras, vejam lá, também elas, dormem.

O circo,

Os palhaços de farrapos que dormem na soleira das portas,

Também elas,

Todas,

Encerradas.

Querem que ele trabalhe, estude, seja educado, obedeça.

Mas, obedecer, nunca.

Como os pássaros,

Livres pensadores do destino,

Erva daninha dos caminhos de areia,

Que depois,

Dormem, como as palavras dele.

A paixão.

O orgasmo literário de um pobre blog,

Uma simples fotografia de um momento passado,

Cadernos mortos,

Corpos assados,

Na fogueira,

Da língua dos outros.

A boca, incha,

Morre de desgosto,

Sepultam-se os corpos cerâmicos, na fogueira do incenso,

Morde as palavras e,

Grita; foda-se.

Os sete cavalos de aço,

As sete pernas de gesso,

Os setenta corvos da madrugada,

Que o diabo deixou acordar;

Foda-se.

Amanhã estará neve na minha aldeia,

Um rio de sémen, em demanda, correrá para o abismo,

Nascerá mais tarde uma borboleta em papel,

Que o menino deixa adormecer na sua mão.

Hoje, sábado, tarde manhosa, triste,

Dançam as crianças à volta da fogueira,

Pequenos livros, grandes papeis,

Voam e, deixam em mim,

A cinza da tristeza.

Choram eles.

Gritam gemidos de ódio, elas.

Como sabem, o amor é uma pedra linda,

Que caminha junto ao rio;

Foda-se. A água salgada da língua amaldiçoada.

Corpo,

Carne,

Sangue,

Pedaços de pedra,

Amuletos de nada…

São estas as brincadeiras da sereia.

A mesma sereia, aquela que dorme como um porco,

Num qualquer comício de aldeia.

Foda-se, amanhã não.

Fecha.

Abre as pernas, filho,

Porque o Governo te vai foder.

E fode-nos, como fodem as pedras todas as cabeças e cabeçudos do circo e,

Fode-nos, como todos os pregos de aço que serpenteiam as manhãs de sábado.

Os secretos AMORES que habitam esta casa,

Fecha.

Abre.

Fode-o profundamente como que fode o próximo.

Come. Não come. Tem fome, ninguém quer saber.

O gajo é fodido.

Escreve nas paredes da insónia…

Estou farto desta merda.

Merda.

Foda-se.

Ponto final.

Paragrafo.

Amanhã, Domingo.

Hoje, um corpo suspenso na avenida.

O poema, morre.

Como morreram todas as palavras de há pouco;

A marmelada, fria,

Azeda ternura.

Os beijos.

A ferradura.

A mão de enxada na mão.

O polícia quase a vomitar parágrafos e travessões…

“Felizes os convidados para a ceia do Senhor…”

Que são poucos.

Bons companheiros de tribunal.

Levanta-se o réu: inocente, “senhou” Juiz.

Inocente.

Pernas, paus, picaretas, todos à molhada,

Parecendo brinquedos em plástico,

Que o tio “Celito” vende nas ruas de Lisboa…

O cu amarelejado de centeio,

A peida perfumada, quando se senta na esplanada, assume que é apenas um pouco de raiva, a que sente ao estar completo no signo mais estúpido do zodíaco.

Há fogo dentro dela.

Ardem palavras de amêndoa, cornos descascados e,

Putas, muitas, na feira da cidade.

Assim termina mais um confinamento:

Fodam-se.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó, 09/01/2021

sábado, 2 de janeiro de 2021

Sonham todos os pássaros do Ujo…

 

Quando a cidade se despede do pó e,

Uma nuvem de silêncio acorda no Vale do Tua,

A cidade morre; como morreram todas as pedras da cidade.

A terra adormece na insónia sombra da manhã,

O rio corre entre rochas e suspiros,

Como dois amantes,

Antes de nascer o Sol.

Ai senhores, tão nobre beleza!

Deitar-me enroscado ao cobertor de cinzas,

Da poeira morna do meu velho cigarro,

Erguer-me e, lentamente, aconchegar o meu estômago ao pobre silêncio granítico da alma.

A mesma cidade de há pouco,

Despenteada, de barba enrugada, caminha lentamente nas margens do Tua,

A alma veste o veneno mais belo da montanha,

Como uma criança,

Deitada na esperança.

Sonha o homem,

Sonha a mulher,

Sonham todos os pássaros do Ujo…

Até que um relógio de sombra,

Se senta na minha mão.

A invisível parede de vidro,

O fumo agreste do néon silêncio,

O barco em papel, o poema escrito no barco em papel…

Como todas as palavras das margens deste rio.

Oh Tua!

Mensagens cíclicas em nome de Deus,

Beleza do teu prazer,

Quando a cidade se despede do pó e, todos os Céus –

São motivos para escrever.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó – 02/01/2021

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

A voz melódica da manhã

 

(Dois mil e quinze, foi uma merda; dois mil de dezanove, foi uma merda e, dois mil e vinte, contra tudo e todos, foi maravilhoso).

 

A alvorada voz da manhã,

Quando a terra se encosta ao Douro e, descansa.

Descansa a alma,

Descansa a mão inanimada da esperança,

Descansa o menino,

Descansa,

Descansa a criança.

Descansa o raio que o parta,

Quando subo à montanha e,

Uma fotografia, que descansa,

Descansa a vida malvada.

Ai, menino,

As suas mãos são de oiro,

São castanhas, são cinzentas manhãs em Paris,

Descansa,

Descansa corpo santo,

À voz de quem o diz.

São palavras,

São desenhos,

Descansa mão do artista…

Descansa, descansa mundo,

Na voz melódica da manhã,

Que descansa sem se ver,

Descansam as palavras,

Descansam todos os versos;

Descansa sua beleza,

Nos cadernos de escrever.

 

 

Francisco Luís Fontinha, 01/01/2021

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

O beijo é uma fotografia

 

Uma casa cansada despede-se da saudade.

Todas as portas e,

Todas as janelas,

Dormem docemente na umbria da tarde.

O beijo louco das árvores,

Quando o louco amor,

Desce a calçada,

Quando a boca, da casa, beija a tarde em despedida.

E essa mesma casa,

Cansada,

Dorme docemente na tua mão.

Sabes, amor? Todas as flores do teu jardim e,

Todas as árvores do teu jardim,

Alimentam-me quando o sono desaparece na alvorada,

Uma pomba, voa entre pedaços de papel,

Até à claridade do dia,

Uma casa,

O amor da casa pelo pobre jardineiro,

Uma carta escrita entre parênteses e,

Fica sempre aquém um simples ponto final.

O rio foge das suas margens,

Os peixes agradecem todos os rochedos que encontram,

Todos os dias,

Ao meio-dia.

O café encerrado,

A esplanada entre pontas de cigarro e,

Lâmpadas de néon…

Tristes, como a aldeia dos chocolates.

Sabes, amor?

O beijo é uma fotografia,

Como a casa,

Cansada da saudade.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó 31/12/2020