domingo, 18 de novembro de 2018

O choro da laranja


Meu amor, hoje pertenço-te, absorves-me, alimentas-te das minhas palavras esquecidas num qualquer engate, é tarde, meu amor, a noite rebenta no meu peito, sinto o peso das estrelas nas minhas pálpebras inacabadas, o pintor adormeceu sobre o seu próprio corpo, é inerte, invisível na paleta das cores diluídas na alma, a morte, meu querido, o fantasma clandestino do abismo descendo a Calçada, e ao fundo

- O rio reflectido nos teus lábios, meu amor, a vaidade da folha de papel esquecida sobre a pobre secretária de pinho, o caruncho, a ferrugem das ardósias iluminando a noite,

E ao fundo, os barcos adolescentes brincando na sonolência da inocência,

- Tenho medo, meu amor, alicerças-te ao meu cansaço, o Francisco partiu hoje para o desconhecido, sabes, meu amor, gostava dele, amava-o… e amo-o, e tenho medo, meu amor, dos pássaros que voam, das flores que choram, das abelhas que incendeiam a manhã dos silêncios de Oiro, sabes, meu amor, tenho medo

- De ti, de mim, de estar vivo inventando a vida em quadriculados poemas, mais nada, meu amor, mais nada, apenas o medo, a alegria de amar-te, sem saber que o amor habita neste caixão de enxofre,

Oxalá

- As portas, os tristes alicates da escuridão vestidos de mendicidade, a tua boca na minha, o beijo, a orgia matinal da poesia, gemes

Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii,

E nada quer de mim o que tu desejas…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 11 de novembro de 2018


(…)

 

Os sete orgasmos do Mussulo, a liberdade sobre as palmeiras invisíveis que me atormentavam, como campânulas de sofrimento, ao deitar, o caixão que dançava deixou de o fazer, dificuldades com o cachê, dispensa de artistas e cadáveres de cera, um altar recheado de almas, tantas almas como os versos do sem-abrigo quando sentado numa cadeira apodrecida de um circo ambulante,

Quero ser artista, mãe!

Nem penses..., nem... penses...

Filho meu não é artista!

Nunca,

Nunca, mãe?

Os sete, juntos, e sós, no Mussulo era mais barato, a saia descaída, o soutien desenhado no peito

E...

Nunca, mãe?

Nunca,

Nunca

No peito uma flecha de sémen rodopiando no gelo do ringue de patinagem... o belo, a dança... e o corpo em pequenas rotações...

Os teus lábios acorrentados aos meus beijos embriagados pelo desejo, não o sinto, o vulcão da tua pele, não vejo o sorriso da tua mão, em vulcão, mergulhada nas palavras que o silêncio desenha na melancolia,

É falso,

O dia disfarçado de lápide, os outros destinos rejeitados pelo cacimbo, há uma fogueira no corpo da sinfonia do amor,

É falso,

O falso prazer, a liberdade to TEXAS e Cais do Sodré gingavam na penumbra salgada do abismo,

O querido, dança?

 

 

(…)

 

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 4 de novembro de 2018

A caneta de espuma


Uma caneta de espuma dispara contra mim a bala da saudade.

Traz dentro de si o amor das noites mórbidas,

Que habitam nesta velha cidade.

Embrulho-me no papel amarrotado pelo sonho, escrevo-me como se fosse o último banho antes de partir,

Entrelaço as mãos, e voo em direcção à tempestade,

Sento-me no teu colo,

Pego no teu cabelo sombrio, cor de noite, como as serpentes da minha vida, cansadas de envelhecer em mim…

Sei que os teus beijos são porcelana de açúcar, rosas mortas no jardim da solidão,

Como os teus olhos, negros da saudade envelhecida dos relógios engasgados pelo luar…

Habitas-me,

Habitas-me enquanto eu respirar, e aos poucos, sinto-me deslizar montanha abaixo…

E escondo-me no rio da morte.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 4 de Novembro de 2018

sábado, 3 de novembro de 2018


(…)

 

Não, não amanhã, amanhã vou à cidade, deixar o meu cadáver para ser enviado para a Metrópole, uma ardósia no peito, 123768979/66,

Só isso, pai?

Só isso, quando chegamos, nada tínhamos, apenas um caixote de nada, um rio nas veias... e tu

O mar, pai?

Morreu, disseram-me.…, não percebi, morte!!!!!

O que é a morte, pai?

Voar, 123768979/66... em combate, o silêncio do Grafanil, os sorrisos das mangueiras nos meus lábios,

E...

Pai?

Sim, filho, Margarida reaparece da escuridão, tinha como hábito brincar na areia branca da praia dos sonhos,

Mãe, o pai?

Ficção, tudo isto, nada, a dor, acordava de madrugada a gritar por granadas, G3 e literatura, literatura, mãe?

Poesia, textos, trazia na algibeira da farda...

Farda, mãe?

Poesia, textos, trazia na algibeira da farda... toda a sua estória, as canções de menino, os primeiros beijos,

Margarida?

Sim António...

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 1 de novembro de 2018


(…)

 

A fome dentro de um subscrito, lembrava-se das tardes de infância inventando barcos em esferovite e sonhos, ele

As palavras?

Ele sorria, percebia-se no seu rosto o esqueleto e a alma da alegria, e, no entanto, morreu...

E nunca, e nunca mais conversou comigo...

António... António amava-o...

Não sei, António, não sei

Regressar, porquê?

Hoje acordei cedo, Margarida embrulhada nos lençóis do Pôr-do-Sol, e lá longe

Cintilações dos minguados beijos nos teus lábios, os seios de cera desenhados nas eternas mesas-de-cabeceira

Louco, ele?

E lá longe, murmúrios e incorrigíveis uísques brincando dentro de um livro, Margarida

Amor?

Amar...

Os homens tinham regressado da faina, olhava-me um barco, tive medo, confesso,

Eu confesso

Tu confessas

Ele confessa,

E confesso que fiquei perplexo, tão triste, tão triste como as flores de Inverno,

A faina, peixe... nenhum, nada, nada ao quadrado vezes seis a raiz quadrada de mil novecentos e sessenta e seis, o pequeno-almoço, as torradas,

Para ninguém, devolvida

Endereço desconhecido,

Ele confessa,

Um galão, escuro,

António?

Sim, amor,

Hoje,

Hoje o quê, meu amor?

Hoje não vou escrever palavras de chocolate...

 

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 28 de outubro de 2018


(…)

 

Nunca soube o que era o amor, acreditava nas gaivotas em papel da minha infância, recordo o triciclo enferrujado, o boneco estúpido que apelidei de “chapelhudo” ..., que parvalhão apelidava o seu fiel amigo de “chapelhudo”, eu, claro,

As palavras misturadas entre orgasmos e flores, gemidos cirílicos suspensos nas andorinhas em flor,

Eu?

Nunca,

O amor,

Poemas escritos debaixo da embriaguez

Freguês?

Nem uma modinha habita na minha algibeira, e o amor sossegado debaixo de uma mangueira, crescia, brincava e...

Nunca,

E embrulhava-se na timidez de um novo dia, e lentamente, os meus ossos alimentados pelos sulcos solitários da noite, a barriga crescia-lhe, é menino? Menina?

Freguês?

Eu, simulador de voo quando as estrelas dormem, e habita na minha algibeira uma película fina de desejo,

O que é o desejo...!

Não

Nunca soube o que era o amor,

Não pai, não pode ser,

A vida é viver, um dia, dois dias, um quarto de dia..., percebes?

VIVER...

E amar?

 

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha

Sem medo de te perder


Teus lábios são amêndoas cansadas nos socalcos do douro,

Dentro de mim habita o cansaço da solidão,

Descendo a calçada,

Perpendicular aos penhascos doirados,

Sobre as minhas pálpebras um camião em transe, molhado pelo cacimbo,

Treme-me a mão que afaga o teu rosto,

Escrevo nas tuas lágrimas de papel amarrotado,

Doente,

Cansado.

Sofro, por ti, sabendo que existe no teu peito a injustiça,

Como todos os livros que leio,

Sofro, por ti, sabendo que em breve a geada te levará para o infinito adeus…

E eu, sem medo de te perder.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 28/10/2018

domingo, 21 de outubro de 2018


Amar,

Desenhar no alpendre as verdadeiras palavras, simples, comestíveis nas noites de insónia, o caminho alicerça-se aos seus dedos, ele permanece impávido, incrédulo, com todos os sorrisos das montanhas de sémen,

Não pago, não quero saber da paixão, do amor proibido que só os lençóis de porcelana conseguem desfrutar,

O amor,

O poeta,

As migalhas de Deus descendo a calçada encarnada das escadas para o sótão, trazias no corpo as flores mais belas dos jardins sem nome

O amor,

As janelas fotocópias de mares e marés ensonadas, a carta envenenada sem remetente nos candeeiros do Luar,

“A ponte,

O fumo vadio galgando as minhas roupas como uma aranha sem nome, fios, pedaços de saliva e gotículas de suor, a luz absorvida pelo teu corpo de naftalina, a gaveta do guarda-fato sem nada guardar, esfomeado, húmido, este triste quarto despido dos vidros e dos cortinados, frestas, sombras que um dia se ergueram durante a noite e fugiram...

Regressar?

Partíamos...

Sem perceber o que era a Saudade...”

Onde moras, menino,

Perdi-me sem saber o significado de saudade, Lisboa crucificava-me,

Abrias os braços...

E pensava em ti...

As sombras, e pensava em ti, meu amor, quando adormeciam as imagens lânguidas do sofrimento, o vulcão das tuas coxas,

O regresso?

Nunca

As sombras, o timbre fixo da foz espetada numa caixa de cartão, tinhas nas mãos a safira paixão das noites em flor,

Nunca, nunca conheci a tua pele, era sempre noite em nós, adormecíamos como dos corvos suspensos na putrefacção da insónia, cintilavam os teus seios nas pálpebras do mal-me-quer adocicado, louco

Apaixonado, eu?

O corpo incha como uma orquestra desafinada, os lençóis de linho misturados com os beijos nocturnos do sémen inventado pelos rochedos da memória, hoje há caracóis, sardinhas... os monstros marinhos da tua língua, os teus seios abraçados a uma tela vazia, branca, triste como as ruas da cidade do abismo,

Hoje?

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21/10/2018

quinta-feira, 18 de outubro de 2018


Apaixonado, eu?
O corpo incha como uma orquestra desafinada, os lençóis de linho misturados com os beijos nocturnos do sémen inventado pelos rochedos da memória, hoje há caracóis, sardinhas... os monstros marinhos da tua língua, os teus seios abraçados a uma tela vazia, branca, triste como as ruas da cidade do abismo,
Hoje?
O velho caixote em madeira embrulhado com as comestíveis sereias de açúcar, a fotografia sempre extinta no meu olhar, não
Existes?
Talvez...
Mas sonhava, desenhava figuras geométricas nos lençóis da tempestade, sacudia as infames equações do orgasmo, e
Silêncio...
Que roupa vou vestir amanhã, mãe?
Silêncio,
E depois dos desejados sonhos do meu candeeiro
Porque nunca rezei,
Mãe...!
Navegas na morte, habitam em ti as saudades da partida, o regresso sem saída, absorto, infinitesimal adormecido numa lápide de sonho, partimos, chegamos, o frio entranhou-se-nos nos ossos, esquecemos as palavras, e todos os momentos, a loucura imaginária dos vinhedos escrevia nos rochedos... o xisto disfarçado de “Alimento para Cães”, as ruas inúteis, fúteis, onde ”putas e drogados” dormiam para fugirem ao vicio, a emigração dos corações de areia, a sedução, o prazer quando o teu corpo balançava na alegria, o sótão vazio, o telhado encravado nas ombreiras da paixão,
Amo-te, escreve ela todos os dias no espelho embaciado,
Amas-me?
O que é o amor, meu amor...
Palavras, poemas, poetas... & mortos sem cabeça, Amas-me? O que é o amor, meu amor...
Pedra, madeira...ou papel quadriculado,
Oiço
“Foda-se o amor”
E...
 
 
Francisco Luís Fontinha
18/10/2018

domingo, 14 de outubro de 2018

A tempestade


A noite passada

Foi um horror…

 

A gata desgastada,

Rasgou todos os meus papéis,

Deitou-se sobre o meu cobertor,

Adormeceu enquanto eu estripava um livro de poesia,

Gemia, ela, como se fosse a tempestade,

Antes de acordar o dia.

 

 

Francisco Luís Fontinha

14/10/2018