domingo, 9 de abril de 2017

A casa dos espirros


Vagabundos,

Sonâmbulos

Cromos

E outros cromados,

Assim avança a vida do poeta…

Sobre a janela da solidão,

Desamados,

Triângulos de prata no papel amachucado

Correndo pela paixão na juventude das pirâmides sonolentas,

Vagabundos,

Sonâmbulos

Cromos

E outros cromados,

Enigmáticos circos de terra em terra,

Palhaços,

Candidatos a palhaços…

Num empobrecido poste de iluminação,

A forca miserável do inventor

Entre círculos e cubos de sombra…

A inquietude neblina que assombra a mão

Do palhaço candidato a palhaço,

As bocas de esperma descendo a calçada

Até se sentar junto ao rio,

Ouvem-se os socalcos do amanhecer

Quando as enxadas do prazer batem no xisto esfarrapado,

O circo não tem fim,

O fogo adormece as almas dos condenados,

E sobre o papel amachucado…

A casa dos espirros,

Os vampiros telhados das cidades em chamas…

Tudo arde no teu olhar

Como arderam as minhas palavras nas náuseas do sono…

Ergo-me,

Faço-me vagabundo como eles…

E vivo apaixonadamente no cubículo da idade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 9 de Abril de 2017

sábado, 8 de abril de 2017

STOP


Finge o tempo acordar nos adormecidos sargaços da manhã,

Invento o esmagado espaço que os pássaros alimentam sem perceberem que a madrugada se suicidou nos rochedos da solidão,

Sou feliz assim…

Procuro nas janelas do amanhecer os carrascos envelhecidos da paixão,

E dou conta que nas minhas mãos restou a saudade,

Pego num livro,

Abro-o e procuro nele as personagens da noite,

Vagarosamente,

Construo o invisível visitante da desgraça…

Que vive em minha casa,

Oiço o teu sorriso nos alpendres da insónia,

Caminho sobre o teu corpo como um vagabundo da vergonha,

E mesmo assim… para ti, sou o assassino das palavras não escritas,

Velhas e irritantes,

Escrevo-te como escrevi milhares de vezes à Lua,

Em vão…

A distância dos supérfluos caminhos do desgosto,

Essas… parecem adormecidas nos meus pequenos lábios de porcelana,

As fotografias,

As imagens prateadas das sandálias do cacimbo que ficaram nas enxadas profundas dos charcos de água,

Os fantasmas do luar descendo a calçada até que a morte vinha e nos levava para destinos incrédulos, ausentes, sem nada,

Finge o tempo,

Finge o lamaçal de vaidades que me rodeiam e odeiam como serpentes de veneno encarnado,

O tempo que não avança nas tuas coxas,

Os teus seios que se encontram acorrentados ao mísero porto, o cheiro nauseabundo da nafta e de velhas sucatas, a proximidade do teu sorriso agachado no pavimento encaixotado, móveis, miudezas e outros ossos…

A loucura,

Que finge pertencer-me…

E que eu nunca tive a oportunidade de a vencer na batalha da solidão,

São, meu amor, são os poemas desertos do desencontro que me deixam atormentado,

São as tuas palavras cravadas no meu peito que me dão as asas necessárias para eu voar junto à janela…

E mesmo assim, queres que eu finja que sou poeta…

STOP.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 8 de Abril de 2017

sábado, 1 de abril de 2017

Entre mim em ti… meu amor


Os mares envergonhados da solidão

Que caminham durante a noite nos meus braços cansados,

Sinto no corpo as cancelas imaginárias da saudade

Como um sonâmbulo tresloucado,

Inferioridade minha das terras envenenadas

Da terra queimada,

Hoje, nada tenho para te oferecer,

Nem palavras,

Nem… nem amanhecer,

Os mares envergonhados…

Que as canibais laranjas deixam ficar nos teus lábios

E do sumo apedrejado pela loucura

Regressam as sonolências viagens sem destino…

Tenho no corpo o peso doirado da lua

Que alimentam as minhas mãos

Do silêncio vergado pelas pedras da paixão,

Não preciso da tua boca,

Dos teus beijos,

Das… das tuas palavras vãs…

Queria ter no peito o sol amargurado das ribeiras clandestinas

Que descem os socalcos do sono,

Envergar na lapela as sombras tumultuosas que poisam na minha janela,

Os pássaros destinos das árvores enganadas por mim,

Os papéis secretos do voo frenético e engasgado das gaivotas libertinas,

Às vezes tenho medo,

Às vezes pareço um menino aprisionado no cais da esperança,

Abraço-te imaginariamente como um louco veleiro encalhado na sombra inocente do esplendor amigo da rua sem nome…

Os vidros em cacos escorregam pelo meu corpo de pedra lascada

E suicido-me quando cai a noite em ti,

Meu amor, em ti…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 1 de Abril de 2017