domingo, 22 de fevereiro de 2015


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


A aldeia padece de claridade, existem fios de escuridão nos telhados cansados das palhotas de algodão,
Enigmático, eu?
Nunca tinha assistido à dança de um caixão...
Já imaginaram o dançar de um caixão?
Há tripas e...
Moelas,
E palavras sem coração, sentia-me embriagado nas mãos do amanhecer, sentia-me um miúdo encostado à sonolência da idade,
A aldeia em chamas, os campos esbranquiçados na tela do desejo imaginavam canções de moluscos e alguns grãos de areia,
O desenho teu na cidade dos alicerces alienados, os bares em combustão, as miúdas dançando canções de solidão,
Amas-me?
Que não,
Que a arte vive e vai morrer no teu olhar,
Ouves-me?
E palavras sem coração, avenidas nuas, travestidas de machimbombos reumáticos voando sobre a cidade, eu... eu... adormecia,
Inventava beijos nos teus braços, a minha primeira paixão, imaginava-te uma flor triste e cansada, nos circos ambulantes da saudade,



(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 22 de Fevereiro de 2015

Estátua de gelo...

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


O amor suicida-se nos lábios do sorriso de xisto,
uma carta poisa respeitadamente sobre uma almofada granítica,
impregnada de silêncios
e fósforos adormecidos na inocência do poema,
faltam-me as palavras...
oiço-o nos braços do seu amante,
inventado beijos
e livros entranhados nos socalcos do desejo,
há no Outono uma noite em despedida,
a sinfonia da saudade
nas clarabóias do sexo,
e lá fora todos os transeuntes são imagens a preto e branco,
expostas numa parede branca,
descendo a calçada,
virava à direita,
o engate,
a rua,
em nada,
como lâminas de sono contra as marés de prata,
não quero os sonhos
nem os seios dos caixotes de vidro
que habitam as minhas mãos de medo,
o amor suicida-se
nos lábios do sorriso de xisto... e a penumbra é uma estátua de gelo...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 22 de Fevereiro de 2015


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Eles chegaram, o caixão ainda cheirava à tinta fresca da manhã, brincava um silêncio de olhos verdes no vão de escada,
Foder num vão escada, como fodem todas as palavras do poema...
Sabíamos que o corpo não pertencia às nossas vidas,
Clandestino, eréctil nas disciplinas do abismo, o poema esfomeado esperando o amante suicidado,
amanhã, amanhã nascerá um cansaço de medo no afastamento dos círculos das cidades embriagadas,
Sem iluminação, sem mulheres ou bares para combater a distracção, uns panfletos expostos na parede xistosa,
Há Tripas,
O caixão dançava no centro da sala de estar,
Confesso,
Nunca tinha assistido à dança de um caixão...
Já imaginaram o dançar de um caixão?
Há tripas e...
Moelas,



(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 22 de Fevereiro de 2015