quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Os cinzentos beijos da madrugada

foto de: A&M ART and Photos

A flor do desassossego acorda-me com se eu fosse um metro quadrado de terra não fértil
como se eu fosse um pedaço de papel ainda não escrito
doente
debaixo da sombra dos embondeiros
oiço os mabecos vomitarem as sílabas de aço das poucas palavras pronunciadas
gordas... acabadas
tristes como eu porque o dia não cresce
porque a lareira do desejo afunda-se nos cinzentos beijos da madrugada
“a flor tu” que o calendário da paixão colocou na parede da minha mão...
“a flor tu” que eu recuso tocar
porque as nuvens prateadas são como as sandálias... esquecem-se de caminhar
e morrem no mar,

E eu toco-te sem perceber que os abraços são filhos do vento
e “a flor tu”
um fino esqueleto de luz voando sobre as montanhas do prazer
a flor
a flor do desassossego acorda-me
enoja-me
faz de mim um velho mendigo sem casa para habitar
sem palavras para escrever...
sem jardins
sem nada...
e eu toco-te e tu...
e tu... tocas-me pensando que sou uma pedra de xisto esquecida nos socalcos do destino.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Quarta-feira, 1 de Janeiro de 2014

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Voos nocturnos

foto de: A&M ART and Photos

Voo entre as espadas de sombra das paredes de gesso
oiço do vão de escada os uivos do lobo cinzento
talvez se sente
talvez... me espere
oiço-lhe na voz os silêncios do medo
os arrufos da solidão
do vão de escada... alcança-se o sótão das palavras
onde habita uma folha rasgada,

Uma frase suspensa no arame da paixão...
uma moeda de prata que roda sobre a mesa-de-cabeceira
voo e não dou conta dos ponteiros do velho relógio em direcção ao abismo
uma trégua... preciso urgentemente da trégua do sossego
uma amiga palavra
uma toalha envenenada
encharcada... como o éter embriagado depois das pétalas caírem sobre o mar
e a gaivota dos teus lábios acordar das marés esverdeadas,

Voo... entre as espadas... gesso
sinto-o como lâminas de espuma sobre o meu pescoço à deriva no Oceano do amor
voo e não voo.. vou depois de partir conhecer os túmulos secretos dos esqueletos em desejo
voo como uma gaivota sem asas
estonteante
doente...
fugindo da doce guilhotina dos dias sem Primavera
voo e voo até tombar como uma árvore sobre o jardim das despedidas...

Fingidas
sinto-o como sentia o sal dentro das minhas veias
cordas de nylon voavam como eu sobre a cidade dos delírios
despedidas...
porquê?
aceites somos palhaços de palha seca dormindo no centro da eira com vista para a torre da Igreja
e de fingidas
às... prometidas... prometidas espadas de sombra das paredes de gesso.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 31 de Dezembro de 2013

fugir de mim

foto de: A&M ART and Photos

fugir de mim e esconder-me dentro do silêncio pergaminho
enrolar-me às palavras não escritas
aquelas pensadas e não ditas
fugir...
caminhar sobre os cobertores da insónia
despedir-me da inocência mão do destino
ir ao espelho
vestir-me de menino...
e fugir
fugir... fugir de mim até acordar a madrugada prateada
e ouvir-te sorrir
e sentir-te saltitar sobre a ardósia rasurada...

fugir
fugir das noites por ti inventadas
escrever
escrever... e fugir... e adormecer nas tuas lágrimas choradas

fugir de mim
abrir a janela dos abismos rochedos com olhos castanhos
sentar-me
sentar-me à beira rio e... fugir de mim e esconder-me dentro do silêncio pergaminho
escrever
sentir no rosto o vento abandonado
vagueando pela cidade como um mendigo coitado
fugir...
fugir e fugir... até que o cortinado do desejo arda nas lápides dos alicerces desalinhados
fugir
e escrever...
escrever nos lábios das pétalas embriagadas como homens estatuados...

(fugir
fugir das noites por ti inventadas
escrever
escrever... e fugir... e adormecer nas tuas lágrimas choradas)

fugir
fugir e sentir...
sentir os orgasmos fingidos
dos pinheiros bravios da montanha do medo...
fugir e fugir e partir... partir sem sentir os falsos amigos
fugir de mim e esconder-me dentro do silêncio pergaminho.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 31 de Dezembro de 2013