sábado, 7 de dezembro de 2013

nocturno desejo

foto de: A&M ART and Photos

Não..., não chores. Não chores não, porque as lágrimas são gotículas de silêncio nos lábios do nocturno desejo..., não, não chores... não!
Porque as pedras são palavras disfarçadas de uivos sorrisos nas parvas madrugadas...


sinto de ti as coisas perdidas que as ruas de Lisboa absorveram
sinto em ti
(uma rosa morta dentro de um livro)
a saudade verde na branca tela do corpo magoado da cachopa de cabelo encaracolado...
a pele flácida e escura como nocturnas avenidas em mesas de bares nos portos de engate
sinto em ti
de mim
não
não chores
não
não chores não...
porque as pedras são palavras disfarçadas de uivos sorrisos nas parvas madrugadas

um rio de chuva corre nas tuas veias de alga amaldiçoada
o espelho meu espera-te e despe-te
ficas sossegada sobre a desassossegada mesa-de-cabeceira
na eira saltitam as espigas do velho milho em delírios corações de azoto
e tu
entre as frestas do espigueiro...
alimentas-te da minha apaixonada mão como lábios do nocturno desejo
não
não chores...
não venhas ao meu encontro porque lá fora há sonâmbulas paixões com cabeça de pôr-do-sol
e choras porquê?
e vens a mim... porquê?


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Dezembro de 2013
Participação de Francisco Luís Fontinha - Alijó

Francisco Luís Fontinha Alijó (Participa na "Antologia SOLAR DOS POETAS - Volume I") Nasceu em Angola, Luanda, a 23 de Janeiro de 1966. Em 1971 vem para Portugal com os pais e fixam-se em Alijó, Vila Real, onde faz os estudos, primários, secundários, e mais tarde, já como desenhador, frequenta o curso de Engenharia Mecânica, em Bragança, que por dificuldades económicas, não concluiu. Apaixonado por livros, gosta de ler, escrever, desenhar, e colecciona cachimbos. Escreve regularmente no seu blogue Cachimbo de Água (http://cachimbodeagua.blogs.sapo.ao/). Tem um texto de ficção escolhido pelo escritor José Luís Peixoto, publicado na rubrica Conte Connosco 2 – pág. 72/73, livro apenas digital. Ultimamente tem um poema publicado na pág. 465/466 na “Antologia de Poesia Contemporânea Vol. IV, Entre o Sono e o Sonho”, Chiado Editora, participou nas colectânea de poesia “Palavras de cristal I” e “Aqui há Poetas – Poesia sem gavetas parte II”. Vai participar na colectânea de poesia “Palavras de cristal II”, e é autor nas Antologias “Logos”.

os quês e os porquês

foto de: A&M ART and Photos

um dia perceberás os quês
e os porquês...
… os porquês das minhas correntes de aço
e os quês...
os quês das minhas tristes mãos de papel celofane
um dia saberás que todas estas palavras nunca existiram
que eu não existo e sou apenas uma invisível mulher filha da madrugada
um dia
quem sabe
perceberás os meus quês e os teus
dela
porquês das sílabas tontas quando embriagadas nas nocturnas viagens ao infinito
um dia saberás que fui sempre um covarde de merda
correndo aprisionado a um maldito barco enferrujado
um gajo doido... que sonha com telhados em zinco
(vê tu meu amor... telhados em zinco)
palhotas
mangueiras
bananeiras...
pai... o que são machimbombos?
isso não existe
porquês
os quês
como borboletas nas tuas calças de tecido engomado...
saíamos das cabeças com cobertura de chocolate
tínhamos os dedos entrelaçados
e os quês
porquês
não sabiam
nós não sabíamos que os homens eram em granito
e os olhos construídos de sombras tempestades de aveia
aveia, pai?
querias tu escrever... areia
quero eu escrever
meu filho
aveia... aveia límpida em sexos murchos depois do cacimbo abalar...
um dia perceberás os quês
e os porquês...
e o que faço eu aqui
esperando o teu insípido regresso
os quês
e o amanhecer dos teus porquês...
um dia perceberás que as nuvens são de algodão
e as nádegas
nádegas, pai?
não, não meu filho...
que os livros são de palavras loucas
que procuram loucas bocas e apaixonados lábios...
(eu um homem em fuga
da paixão
do regresso dos quês...
e dos quês... dos porquês...
eu
um homem apaixonado com medo dele
ele... o covarde de merda
de pedra e com olhos de sombras tempestades de aveia)


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Dezembro de 2013

incinerada traição

Foto de: A&M ART and Photos

a voz incinerada da traição mergulha nas esplanadas dos bosques solitários
habito no teu peito pela mendicidade dos teus lábios de prata
habito na tua boca porque me exiges as palavras da madrugada
sou um bandido vestido de negro
vomitando estrelas
inventando luares
mulheres
e agrestes segredos
a voz aloja-se nos meus braços e acorrentam-me aos rochedos da paixão
o amor
o amor parece um livro de cinzas mergulhado na lareira do desejo
amanhã... amanhã... amanhã acordará o teu alegre beijo

tenho uma folha de pergaminho recheada de silêncios palavras
e nenhuns azulejos brancos das paredes tristes dos edifícios de soja
com sabor a limão
e rodelas de azeitona... a voz incinerada alimenta-se dos teus alegres sorrisos
desenhados
esculpidos... as estátuas do Inverno caminhando junto ao rio
tenho uma folha de sangue
uma veia que se esgota a cada milímetro de saudade
a voz aparece depois de encerradas todas as janelas do predicado verbo
a lareira acesa... come-nos como percevejos animais de estimação
no colchão do amanhecer...
a voz incinerada da traição mergulha nas esplanadas dos bosques solitários


(não revisto)
Sábado, 7 de Dezembro de 2013
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

flores de papel

foto de: A&M ART and Photos

acreditava que habitavas as perfumadas flores de papel
tínhamos dentro de nós uma aldeia em combustão
sentíamos os impulsos das revistas sobejantes dos quiosques de cartão
líamos coisas desinteressantes
coisas... coisas supérfluas que depois de mortas
acreditavam
como eu acreditava
que habitam nas flores perfumadas de papel
os velhos espantalhos de vidro
com chapéu de palha
uma árvore rangia
e sentíamos-lhe o rosnar dos pulmões nas ardósias tardes dos cigarros em delírio...
livros com desenhos abstractos
e palavras inacessíveis à nossa voz
as mãos tuas traziam às minhas mãos de xisto esmigalhado as tristes sílabas da madrugada
acreditava
acredito?
não mais... que existem dias de tédio
horas de sofrimento
relógios de pulso cancerosos porque alguém os decretou como tal...
as horas passam
os dias afundam-se no cais transversal das salinas em pastel...
livros
com... abstractos desenhos e pedaços de pólvora seca para deitarmos na lareira das lágrimas encarnadas
o jornal acaba de morrer
no caixão poucas ou nenhumas fotografias a preto-e-branco para alicerçarem o esqueleto à madeira de mogno
eu acreditava
acreditava nas tuas minhas mãos de porcelana envenenada e no entanto o relógio...
o cabrão do relógio... também ele morre
também ele... foge de nós como todos os homens de pedra do jardim dos angustiados camafeus
a lareira recorda-nos as fogosas noites de neblina
embrulhados na vodka da Ajuda
descíamos a Calçada... e nada
gritávamos... e nada
e a ponte dilacerada... adormecia
e sonhava que... acreditava nas perfumadas flores de papel


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 6 de Dezembro de 2013