sábado, 30 de novembro de 2013

O amor das pedras cinzentas...

foto de: A&M ART and Photos

Ofereceu a bala inseminada com as impressões digitais do poema em construção, poisou os cotovelos sobre a iluminada folha de papel com meia dúzia de palavras, leu e releu e puxou o gatilho da caneta de tinta permanente sobre a secretária em pinho, voaram sobre a biblioteca todas as gaivotas de porcelana que permaneciam entre os livros e outras bugigangas, aos poucos, como silêncios de um pêndulo cansado, foram cessando as agonias do homem poeta da caneta de prata, uma bala silenciada adormecia-se como flores numa jarra, dentro dele apenas se ouviam as esquina de luz do espelho prateado,
A saudade submergiu do corpo caído sobre a secretária, ouvias as minhas preces como quem escreve um livro infinito, uma estória que só termina quando duas rectas tristes e sós se encontram
No infinito,
Dizem-me, eles,
A saudade é filha da balda da caneta de prata, as palavras morreram como morreram os teus sorrisos e como morreram as tuas caricias e como morreram as tuas mãos sobre o meu peito em feitiço... e como morreram
Quem quem morreu?
Como morreram os fantasmas dos roseirais de Luanda, e há uma filme escondido nas paredes de um casebre, na parede traseira uma placa com a inscrição de “FIM” aparece
Desaparece
E morreram os teus lábios nos meus lábios quando entrelaçados nos meus cabelos as lições de piano, o som melódico das teclas borbulham nos alicerces da madrugada, ofereceu a bala e suicidou-se com a caneta de prata
Sentia o cheiro intenso da tinta derramada nas alvenarias como desenhos abstractos que os teus olhos inventaram nas prateleiras velhas, nas prateleiras caducas, morreram os teu seios nos meus lábios, morreram as tuas cintilantes pálpebras nos cadeados de estanho, e ouvia-te das lágrimas os aplausos nas cantigas dos rabugentos e enferrujados barcos,
O aço é um corpo só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim
Quem quem morreu?
A bala, procuravam em mim a caneta de prata o suicídio fictício das palavras,
Quem quem morreu?
A bala, procuravam em mim as sombras desnorteadas das tardes de Segunda-feira, e eu, eu sabia-o, admitia-o... que um dia, tu, a bala e a caneta de prata... invadiriam o meu silêncio, um dia, tu, eu, que um dia, tu, a bala e a caneta de prata... invadiriam o meu sofrimento de lírio apaixonado, deitado sobre a secretária da
Saudade?
Que morreram as tuas peugadas absorvidas pelo meu pesadíssimo corpo em aço, só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim
Quem quem morreu?
A saudade,
(só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim)
Quem quem morreu?
Quem quem morreu?
O amor das pedras cinzentas...
FIM.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 30 de Novembro de 2013

cigarros embalsamados

foto de: A&M ART and Photos

salivas-me as serpentes de fogo do relógio nocturno da escuridão
havíamos construído o pêndulo do desejo
que ficou no centro do vulcão teu beijo
às derramadas sílabas que a paixão enfurece
emagrece a montanha branca das ribeiras desertas
abraças-me em longos ramos de cetim
que escondem as janelas do quadriculado caderno das madrugadas embainhadas nos pulmões das aranhas de silício castanho
salivas-me as velhas cinzas dos cigarros embalsamados
e sinto-lhes o cheiro dos esqueletos de palha quando mergulham no rio dos Luares apaixonados
uma gaivota poisa nos teus seios de cartão
e sinto-te prisioneira das amarras vagabundas nas ruelas envergonhadas
salivas-me e deixo de ouvir os teus brincos telintarem nas lâminas dos veados negros
uivam os lobos do teu orgasmo
entre geadas e plumas num bar desgovernado quando me salivas as palavras prometidas então...
a púmice enrola-se nos sabres de luz teu corpo de orvalho
a alvorada estrelar das amêndoas com chocolate derretem-se nos teus lábios que me salivam as vozes íngremes desvairadas que o Inverno inventa nas lareiras do orgulho
tenho medo de ti
como sempre o tive quando vinham na minha direcção os eléctricos e as marés de sémen dos homens apátridas que a tempestade recriou no cenário da vaidade
sinto-lhes o cheiro a vodka quando atracam nos meus ombros sombreados
e pareço um transeunte mendigo de fotografia na lapela
um doente mental diplomado
descendo e subindo
escadas corpos medos
e salivas-me como se eu fosse uma rosa encarnada a envelhecer numa jarra falseada...



(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 30 de Novembro de 2013