quinta-feira, 24 de outubro de 2013

cristais sonolentos em manhãs endiabradas

foto de: A&M ART and Photos

entranhava-me nos teus indefinidos sorrisos
quase como um espelho com vida
que sofre
ama
e odeia a madrugada depois da despedida
entranhava-me nos meandros castanhos das tuas janelas de vidro
quando poisavas os cotovelos num peitoril embriagado
sofrido
cansado
dorido...
entranhava-me todo eu em ti
nuvem percebida das palavras encurraladas no corredor da solidão
vem a insónia e me diz
… você meu amigo
você é louco como as tempestades dos cristais sonolentos em manhãs endiabradas
em teus corpos endurecidos
embalsamados
esqueletos dentro do armário sem vida
suicidado num dia de neblina
indiferente às coisas belas que habitam o Outono
entranhava-me no sono dos teus indefinidos sorrisos
fotografava-te com um cintilante olhar
ser amante
companheiro
poeta
jardineiro...
infeliz
feliz
as palavras escritas nos teus seios mórbidos sem fumo nem cigarros
sem claridade nem fulminantes beijos em lábios de esferovite
entranhava-me
e desentranhava-me
comia
descosia
e dormia jurando que não te sentia


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 24 de Outubro de 2013

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Janela indesejada

foto de: A&M ART and Photos

Parecíamos cascatas de papel mergulhadas nas pequenas gotículas de suor que o corpo dele absorvia quando terminava o dia, escondia-se em nós a claridade do desejo, sobressaltava-se como uma serpente enrolada no pescoço de uma Lady, parecíamos cascatas em flor, sem jeito, desfeito, parecíamos o orvalho na mão de um transeunte vestido de fato-macaco e luvas transparentes onde escondia os poucos dedos que lhe restaram da explosão de sémen quando da noite envergonhada porque uma janela indesejada
Transtornada,
Vomitou pequenas lâminas de aço e uma lâmpada de néon, escondida no espelho do quarto, masturbava-se sentindo-se voar sobre os alfinetes dos rochedos como pronomes envenenados em esquinas de areia, as palavras suicidavam-se contra os poucos raios de Sol acabados de nascer,
Detesto nascer, e cada vez que nasço... fico triste, fico... fico ausente como livros esquecidos na paragem do eléctrico, ela chamava-se Etelvina, usava cabelo curto, às vezes aparecia no bairro com calções muito justos, tinha nos olhos a tela das imagens de uma máquina de slides inventada por dois loucos, e de uma caixa de sapatos e uma lanterna
Transtornada, transtornávamos a parede em granito puro, húmido e frio, saboroso no Verão, transeunte passeando na avenida dos Cristais de Iodo e Etelvina seguia sabendo que estava a ser fotografada por um par de olhos verdes, os sapatos rasos chapinhavam no soalho um melódico som comparável apenas quando a lareira se encontrava em orgias de calor no interior de um recuperador de calor, muitas vezes eu
Quis ser o teu corpo, muitas vezes
Habitar em ti,
Muitas vezes sentei-me com o pretexto de me sentir cansado, mas na verdade, fazia-o apenas para te ver passar, finíssimas pernas sentia-as submersas no meu peito, e quis ser o teu corpo, muitas vezes, habitar em ti, ser o que tu nunca foste, fazer o que nunca foste capaz de fazer, muitas vezes
Sentava-me com o pretexto de
Cansado,
E no entanto,
Vivíamos paredes meias com a argamassa solidão das noites em construção, o carpinteiro semeava pregos nas clarabóias em vidro duplo para que os pássaros não entrassem em nós, e o nosso erro
Não deixarmos os pássaros serem como nós,
Vivos, fingindo-se cansado, sentava-me e via-a passar como pernas alimentadas por cogumelos acabados de escrever
Escrever?
Acabados de colher, ainda mexiam, ainda lhe palpitava o coração e só nesse dia é que descobri que a Etelvina fazia com que os corações dos cogumelos palpitassem mesmo depois de morrerem, e ainda há quem não acredite que
Os cogumelos apaixonam como as árvores?
As mulheres,
Os homens,
E também eles, e também nós, e
Enfim,
O dilema de sempre, as questões insignificantes de sempre,
Que
A
Solidão...
É uma coisa engraçada quando existe uma lareira e uma Etelvina que faz com que os corações dos cogumelos,
Que têm os corações dos cogumelos?
Palpitam, palpitam quando ela lhes toca,
E eu também palpitava... se ela me tocasse, e eu também palpitava.


(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 23 de Outubro de 2013

labirinto corpo de canela

foto de: A&M ART and Photos

tenho uma mão que não me pertence
da vida sobejam-me os sonhos que nunca me pertenceram
e no entanto acreditava na escuridão nocturna
vivo e vivia entre ruas e ruelas como esqueletos de ossos sacrificados ao jantar
vivia pensando que era uma gaivota
e que nos meus braças habitavam cegonhas e pernaltas
barcos e caravelas
portas e janelas

acreditava que estava só
e eu queria
e eu
… eu quero estar só

tenho uma mão que não me pertence
e acariciou o teu labirinto corpo de canela
acredita que vivia
não vivo
caminho somo sonâmbulo nos carris do medo
na paixão do segredo
acreditava e não o estou...
só abandonado triste desalmado e desamado

(acreditava que estava só
e eu queria
e eu
… eu quero estar só)

porque tenho uma mão de perfume que não me pertence
e que nunca me pertenceu
porque tenho um jardim com árvores e arbustos
bancos em madeiras e rapazes traquinas
saltitando
e nos anzóis que a tarde alicerça nas cancelas da maré
acreditava
e não estou só... porque tenho uma mão que não me pertence


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 23 de Outubro de 2013