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foto de: A&M ART and Photos
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Parecíamos cascatas de papel mergulhadas nas
pequenas gotículas de suor que o corpo dele absorvia quando
terminava o dia, escondia-se em nós a claridade do desejo,
sobressaltava-se como uma serpente enrolada no pescoço de uma Lady,
parecíamos cascatas em flor, sem jeito, desfeito, parecíamos o
orvalho na mão de um transeunte vestido de fato-macaco e luvas
transparentes onde escondia os poucos dedos que lhe restaram da
explosão de sémen quando da noite envergonhada porque uma janela
indesejada
Transtornada,
Vomitou pequenas lâminas de aço e uma lâmpada de
néon, escondida no espelho do quarto, masturbava-se sentindo-se voar
sobre os alfinetes dos rochedos como pronomes envenenados em esquinas
de areia, as palavras suicidavam-se contra os poucos raios de Sol
acabados de nascer,
Detesto nascer, e cada vez que nasço... fico
triste, fico... fico ausente como livros esquecidos na paragem do
eléctrico, ela chamava-se Etelvina, usava cabelo curto, às vezes
aparecia no bairro com calções muito justos, tinha nos olhos a tela
das imagens de uma máquina de slides inventada por dois loucos, e de
uma caixa de sapatos e uma lanterna
Transtornada, transtornávamos a parede em granito
puro, húmido e frio, saboroso no Verão, transeunte passeando na
avenida dos Cristais de Iodo e Etelvina seguia sabendo que estava a
ser fotografada por um par de olhos verdes, os sapatos rasos
chapinhavam no soalho um melódico som comparável apenas quando a
lareira se encontrava em orgias de calor no interior de um
recuperador de calor, muitas vezes eu
Quis ser o teu corpo, muitas vezes
Habitar em ti,
Muitas vezes sentei-me com o pretexto de me sentir
cansado, mas na verdade, fazia-o apenas para te ver passar,
finíssimas pernas sentia-as submersas no meu peito, e quis ser o teu
corpo, muitas vezes, habitar em ti, ser o que tu nunca foste, fazer o
que nunca foste capaz de fazer, muitas vezes
Sentava-me com o pretexto de
Cansado,
E no entanto,
Vivíamos paredes meias com a argamassa solidão das
noites em construção, o carpinteiro semeava pregos nas clarabóias
em vidro duplo para que os pássaros não entrassem em nós, e o
nosso erro
Não deixarmos os pássaros serem como nós,
Vivos, fingindo-se cansado, sentava-me e via-a
passar como pernas alimentadas por cogumelos acabados de escrever
Escrever?
Acabados de colher, ainda mexiam, ainda lhe
palpitava o coração e só nesse dia é que descobri que a Etelvina
fazia com que os corações dos cogumelos palpitassem mesmo depois de
morrerem, e ainda há quem não acredite que
Os cogumelos apaixonam como as árvores?
As mulheres,
Os homens,
E também eles, e também nós, e
Enfim,
O dilema de sempre, as questões insignificantes de
sempre,
Que
A
Solidão...
É uma coisa engraçada quando existe uma lareira e
uma Etelvina que faz com que os corações dos cogumelos,
Que têm os corações dos cogumelos?
Palpitam, palpitam quando ela lhes toca,
E eu também palpitava... se ela me tocasse, e eu
também palpitava.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 23 de Outubro de 2013