segunda-feira, 11 de março de 2013
domingo, 10 de março de 2013
Assustada liberdade da minha paixão
Esta liberdade assusta-me
a de caminhar indefinidamente
das rectas perpendiculares
no centro de um círculo de vidro,
Procuro o quadrado
com um coração rectangular
procuro-me dentro de um cubo de gelo
com gotinhas de água e beijos de mar,
Esta liberdade
assusta-me como me assustam as palavras
por dizer
do linear ao caos que as nuvens
provocam no meu corpo de arame
e oiço-as nos gritos silenciosos das
argamassas do feitiço,
Enlouqueces-me como enlouqueceste os
diâmetros do pensamento
duas asas com grandes letras desenhadas
e da liberdade desalinhada
assustada assusta-me caminhar
indefinidamente sobre os versos do amor,
Que morra a paixão
e o dizer
e todos os pedaços de cartão
com números e lábios pintados de
vermelho com olhos a condizer,
Esta liberdade assusta-me
a de permanecer levemente só entre
parêntesis e pontos finais
sem travessões
sem nada mais.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Um filete de rosa com sílabas vermelhas
Eras tua ainda, trazias nos cabelos os fios de noite
que a lua deixou sobre as nuvens de insónia, eras tu ainda e nada
fazia prever o desfecho da tua passagem pela madrugada de Inverno,
desenhava-te nas paredes imprevistas e húmidas do palheiro de
Carvalhais (S. Pedro do Sul), na eira, eras tu ainda, sentia-te
correr até encontrares os pinheiros de algodão que o avô Domingos
tinha na fogueira da velhice, e no entanto
Perdi-te, perdi-te como se perde o vento numa
superfície lisa e na planície imensa sem obstáculos que impeçam a
livre circulação da paixão, escrevia-te silenciosamente as cartas
que nunca enviei, por medo, por falta de tempo, ou,
Porque o vento nunca me deixava, ou porque o vento
me enrolava no campo indefinido de milho com espantalhos em pano e
palha, ora aqui, ora acolá, perdidamente, só, pensando nas
infinitas palavras por escrever, as ditas, e não ditas, quando
chegava a chuva e tínhamos de nos recolher, debaixo do sono, sem luz
eléctrica, e de uma lanterna inventávamos filmes de desenhos
animados, e ainda era tu, sabia-o porque apalpava-te a mãos de seda
e um brilho de diamante acendia a noite escura entre os espantalhos,
também eles, perdidamente,
Sós?
Coisas de mulheres, éramos crianças saltitantes
sobre os arames enferrujados que atravessavam as margens
inconclusivas das manhãs sem literatura, bebíamos, lutávamos sobre
uma cama inventada com sabor a sémen e Luas recheadas com os
sobejados flamingos do rio que atravessava a cidade, dentro da cidade
tínhamos pessoas, mulheres, homens e, pássaros que nunca tinham
experimentado voar,
Por medo, por falta de jeito, ou porque o vento
nunca me deixava, ou porque o vento me enrolava no campo indefinido
de milho com espantalhos em pano e palha, ora aqui, ora acolá,
perdidamente, só, pensando nas infinitas palavras por escrever, as
ditas, e não ditas, quando chegava a chuva e tínhamos de nos
recolher, debaixo do sono, e
Sós? E eras tua ainda, levantávamos-nos cedo,
imaginávamos lençóis de linho estendidos nas cordas bambas que a
tempestade tinha trazido do outro lado da ilha, vivíamos separados
por um túnel de mel, lá fora as gotas de água, as poucas, quando
caiam sobre a tua pele de papel fotográfico, uma luz de iodo se
acendia, e um pequeno trapezista com mãos de aranha voava como os
pássaros que
Por medo, por vergonha,
Nunca tinham experimentado as loucuras do prazer
entre telhados e espantalhos, crescia a manhã, vinhas de longe até
longe, como algumas palavras que nunca se cansam de prenunciar,
escritas, faladas ou murmuradas contra os vidros da janela com
orelhas de madeira, lembras-te? Sós, e ainda eras tu, e ainda tinhas
nos lábios um filete de rosa
(Coisas de mulheres, éramos crianças saltitantes
sobre os arames enferrujados que atravessavam as margens
inconclusivas das manhãs sem literatura, bebíamos, lutávamos sobre
uma cama inventada com sabor a sémen e Luas recheadas com os
sobejados flamingos do rio que atravessava a cidade, dentro da cidade
tínhamos pessoas, mulheres, homens e, pássaros que nunca tinham
experimentado voar,)
Um filete de rosa com sílabas vermelhas, da água
gelada cresciam as estrelas minguas dos teus olhos com sabor a geada,
eras, ainda tu, quando desceram do céu os grandes dentes de marfim
que se acorrentaram aos cadáveres dos barcos encalhados na tua saia,
ouvia-te chorar quando eu entrava em casa fora de horas, dois ou três
dias depois de partir, e apenas te respondia
Andei por aí,
Vagueava como vagueiam as nuvens de prata com
sandálias de couro, os calções acordavam numa praia de areia
branca, linda, e ao longe imaginava tendas de circo com palhaços,
com artistas malabaristas, como hoje, por aqui e colá, entre
espantalhos e fios de seda, entre sémen de maré e o pôr-do-sol que
ainda nos resta e ainda vive em liberdade,
Sentias-me?
E fugias de mim como ainda hoje fogem as palavras
dos caderno preto,
Sós?
Tristes
Ou
Por aí cozinhando caldos em colheres de inox,
Tristes,
(DUAS SIMPLES HORAS, E DAQUI A DUAS HORAS JÁ VOLTO
A ESTAR AUTORIZADO A FAZER AMIGOS POR AQUI, COMO SE A AMIZADE
DEPENDESSE DE REGRAS, NÃO SERÁ ISTO UMA FORMA DE DITADURA?) -
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Ou,
Sós? Tristes porque hoje já não és tu, porque
ontem
Tínhamos as poucas coisas a que chamávamos de
vida, e dois espantalhos (de pano e palha) vivíamos no campo de
milho do tio Serafim, e ao longe, ouvíamos os sinos de Carvalhais, e
numa noite
O vento
Ou
O mar?
Separou-nos como se separam as ervas miseras da
cidade, entre ruas e ruelas, entre espantalhos e os pinheiros de
algodão que o avô Domingos tinha na fogueira da velhice, e no
entanto
Hoje já não tenho medo.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
sábado, 9 de março de 2013
A fuga inventada
Inventei distâncias para fugir de ti
criei dentro de mim
personagens invisíveis
bonecos e bonecas em pura porcelana
vivi menti
como um agarrado jardim
às árvores comestíveis
dos corpos mortos na lareira chama,
Como me arrependo das caminhadas pela
montanha
comendo ervas daninhas
ou aguentando o castigado castigo
do homem com cabeça de vidro
dormíamos inventando prazeres
e pequenos gemidos
que a noite engolia
e o dia
o querido dia transpirava
vomitava
contra as ardósias das ruas em
desalinho
dentro de mim invenção da manhã
doente e sonolenta,
Inventei o coração de prata
e o orgasmo matinal
inventei os relógios de sol
e os telhados de lata,
Inventei distâncias para fugir de ti
desenhei versos de amor
nas parede insolentes
dos corpos com colares de iodo
inventei a loucura
e as enfermarias onde acorrentam Marias
e a mim
que inventei as árvores com folhas de
papel...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Os ouros em fumo de cigarros
Poucas coisas tínhamos para dizer,
(há dias assim, esquisitos, doentes, dias de
“merda” que eu vejo a aproximação de uma noite, também ela,
esquisita, doente, e de “merda”),
deixou de ter paz e sossego, depois de clarear a
manhã e de muitos milímetros quadrados de gotinhas de água,
lembrou-se que hoje era Sábado, e que hoje não necessitava de
levantar-se cedo, tomar banho apressadamente, o pequeno almoço em
soluços e o primeiro café ainda as moedas jazem na algibeira, hoje
Sábado não puxou pelo primeiro cigarro, pois precisamente hoje,
Sábado passaram dez meses que fumou o último cigarro, e
dizia ele,
é como o amor e a paixão, aos poucos vamos
esquecendo, tudo na vida podemos esquecer, não apagar como se
existisse um apagador que absorvesse o giz das coisas boas e das
coisas más que a vida constrói sobre a ponte metálica que
atravessa o rio da saudade, mas, depois, depois passados os enormes
segundos multiplicados pelos duodécimos do prazer, e
dizia ele que ainda ontem tinha tudo, e hoje, nada
lhe resta,
(eu sinceramente não acredito nas suas palavras,
porque nunca se tem tudo, e quando pensamos que temos, falta sempre
algo), mas isso é lá com ele e de aldrabão tem um pouco, como
todas as flores que vi e ouvi no jardim da casa dele,
poucas coisas existem concretamente para dizer,
que está a chover, mas isso não me é novidade,
cheguei do café à pouco e acreditem que tinha mais água em mim do
que moedas de ouro, e como diz ele
os ouros desaparecem como o fumo dos cigarros,
é a vida amigo Gonçalves digo-lho eu, confesso que
fica mais calmo, do tipo, deixa lá amigo, a minha casa também ardeu
toda, ou então?
também tal como tu estou encornado e não é isso
que me vai matar ou por isso vou deixar de viver, vamos mas é ao
tasco beber umas minis, uns vinhos tintos, e quem sabe, na volta do
correio, um novo amor apareça, como apareceram aquelas palavras que
descobriste na parede do sótão, ou
(que está a chover, mas isso não me é novidade,
cheguei do café à pouco e acreditem que tinha mais água em mim do
que moedas de ouro, e como diz ele
os ouros desaparecem como o fumo dos cigarros),
ou, poucas coisas tínhamos para dizer, e como
sempre haviam silêncios disfarçados de melódicos sons embrulhados
num fino pano de linho, ou
não quero,
eu respondia-lhe,
eu também deixei de querer,
e comecei a acreditar nas nuvens com braços e
pernas e corpos de mulher, e comecei a acreditar no vento que
empurram as nuvens com corpo de mulher para o cimo da montanha, onde
solitariamente, vive uma pedra com braços e pernas e também com
corpo de mulher, e comecei a acreditar nas palavras que começaram a
cair do céu, e comecei a acreditar que o mar
não tinha nada para me dizer,
e comecei a creditar que um vez por semana o mar
subia a montanha e com a sua salgada água ensanguentava as nuvens e
a pedra, com pernas e braços e corpos de mulher, e comecei a ver os
dias a entrarem dentro de um tubo de vácuo, e rodopiavam e
rodopiavam e rodopiavam
(que está a chover, mas isso não me é novidade,
cheguei do café à pouco e acreditem que tinha mais água em mim do
que moedas de ouro, e como diz ele
os ouros desaparecem como o fumo dos cigarros),
e rodopiavam até tropeçarem nas mentiras
inventadas pelos livros que só o Inverno consegue transformar em
lareira, estava frio, a nuvem e a pedra, com braços e pernas e
corpos de mulher começaram, também elas, a acreditar
(e quando muita gente começa a acreditar numa
mentira, quando chega o Sábado, já é uma verdade anunciada,
proclamada e publicada em livro branco que em todos as lápides
existe),
é assim a vida, amigo Gonçalves,
sabes?
não, diz,
vou ouvir um pouco de Fingertips e ler o livro de
Colette “Gigi” ou Bernardo Soares “Livro do Desassossego”, ou
em vez de ler, oiço apenas, ou aproveito e enquanto oiço, penso,
que
poucas coisas tínhamos para dizer, e no entanto,
chove torrencialmente na minha vida.
Francisco Luís Fontinha
sexta-feira, 8 de março de 2013
Mulheres a preto e branco
Ei-lo que se recusará a regressar antes que a ponte
velhíssima de madeira se desmorone sobre as pálidas algas das
tristes tardes de Inverno, ei-lo, o transeunte mais procurado dos
Pinhais de Cima, aldeia pacata e silenciosa que cresceu, aos poucos
como um cogumelo de areia, entre as rochas fragmentadas das cabeças
ocas dos homens com pernas de cimento, enferrujado o aço, sobejaram
algumas paisagens que um fotografo famoso guardou para a posteridade,
algumas fotografias a preto e branco, porque ele sempre amou as
fotografias a preto e branco e não se cansa de dizer que
São como as mulheres, belas,
Uma fotografia a preto e branco e uma mulher, ambas
elas belas, e a diferença está no papel, a fotografia exibe um
papel macio, cristalino e cintilante, e a mulher, exibe uma pele de
sombras que caminham sobre as ondas cristas que a maré desenha nos
desejos depois de partir o pôr-do-sol e antes de regressar a lua,
Ei-lo, o ausente mutante que acreditava nas palavras
que lia, ei-lo agachado no pavimento húmido dos quartos reles de
pensões miseráveis, e no entanto, ele, preferia as fotografias a
preto e branco, e às mulheres, das mulheres recebia uma chave de
carícia em formato de três por três e que tinha como objectivo
abrir todos os corações mais secretos e encerrados das noites
ilimitadas, quando a tangente de (x) tende para uma cama com lençóis
de papel e um guarda-fato com um espelho onde se vê o círculo
trigonométrico das mulheres de coração claustrofóbico, ele
Sou uma fotografia aparvalhada, vesti-me de palhaço,
sem tenda de circo e apenas com uma roulote dei duas voltas à aldeia
dos Pinhais de Cima, e desenha no invisível rectas, cubos, círculos,
triângulos e meninas de chocolate,
Existem mulheres a preto e branco como fotografias
com coxas transeuntes, e têm o coração tão fechado, tão fechado,
que nem o amigo Rocha das Chaves consegue abri-los, coisas dos
artistas, escritores e poetas, porque se eu tivesse a habilidade que
ele tem para abrir fechaduras...
Meu Deus, quantos corações,
(paciência, cada um tem o seu ofício, e eu, não
tenho nenhum)
E eu tenho muita, como as árvores, vou esperando
que cessem todas as tempestades e que uma nuvem com recheio de amor
desça às profundezas das masmorras onde se passeiam correntes e
argolas e animais ferozes, a selva desceu à cidade, os rios fugiram
para a montanha, e um ditador roubou-nos o mar, mas não nos
importamos, já nos roubaram tantas coisas
Que
É mais uma, que diferença faz?
(este bloqueio vai estar activo durante mais 1 dia e
23 horas)
Que nascemos para vivermos sobre tempestades (só
alguns) e que também (só alguns) são incapazes de abrir uma
simples fechadura, ou
Arrombar a janela de paixão,
Ou levitar sobre os telhados dos Pinhais de Cima,
vestido de domador de feras, porque começando por ele, há feras
completamente indomáveis como o porteiro do edifício contiguo à
repartição onde trabalha o Alfredo, o velho Alfredo que desde que
me lembro espera e desespera pelo regresso
E ei-lo que se recusará a regressar antes que a
ponte velhíssima de madeira se desmorone sobre as pálidas algas das
tristes tardes de Inverno, ei-lo, o transeunte mais procurado dos
Pinhais de Cima, aldeia pacata e silenciosa que cresceu, aos poucos
como um cogumelo de areia, entre as rochas fragmentadas das cabeças
ocas dos homens com pernas de cimento, enferrujado o aço, sobejaram
algumas paisagens que um fotografo famoso guardou para a posteridade,
algumas fotografias a preto e branco, porque ele sempre amou as
fotografias a preto e branco e não se cansa de dizer que são como
as mulheres, belas, e como as flores, ainda mais belas que as
fotografias, mas
Menos belas que as mulheres a preto e branco.
(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha
quinta-feira, 7 de março de 2013
Desisti dos cabelos negros com olhos castanhos
Vou sonhando, vou, dentro das águas milenares que
da fonte da inocência brotam, deixei de procurar-te, tal como deixei
de me importar com o sal que a água transporta, e às escondidas, e
Vou
E sem saber que a vizinha que eu pensava existir
apenas no espelho do guarda-fato, porque era naquele lugar que eu a
encontrava todos os dias, hoje
Bateu-me à porta,
Procurou-me, e deixei de a procurar, desisti dos
cabelos negros com olhos castanhos e pele cor de chocolate,
bateram-me à porta, preparei-me para abrir, e ela parecendo uma rosa
descida do pedestal do silêncio, murmurou-me, gritou-me,
infernizou-me a paciência
O vizinho por acaso tem sal que me empreste?
Respondi-lhe que não, que o único sal que disponho é o que
transporta a água, e que me desculpasse mas estou com pressa, vou
sair, preciso de sair desta casa
O vizinho é mesmo um rabugento e mal educado,
Pois sou, claro que sou, mas não fui eu que lhe
bati à porta a pedir sal, fui?
É por essas e por outras que vai morrer só, E
passei-me, e respondi-lhe deselegantemente que o facto de estar só
não quer dizer que esteja só,
Ela
Não percebi,
Eu
Também não é para a senhora perceber e
desculpe-me mas tenho de encerrar a porta, vá ao vizinho do segundo
esquerdo, parece que esse tem sempre tudo,
Ele é o colesterol, ele é bicos de papagaio, ele é
a próstata, ele é o esqueleto empenado..., talvez tenha sal, quem
sabe?
Ela nunca me gramou, sempre me desculpou nas minha
aventuras, mas eu sabia que fingia, e nunca me perdoou as fendas que
deixei nas paredes da vida, ela nunca percebeu que eu apenas tenho
alguns cachimbos e uns tantos livros, nada mais, e no entanto,
bastantes CDS, considero-me um barco feliz, tenho asas, voo sobre os
telhados das aldeias de zinco, quando quero, puxo da âncora e
estaciono num qualquer banco de jardim,
“Cuidado, pintado de fresco”,
E quando percebo, zás..., o casco recheado de
listras encarnadas, como um prisioneiro abandonado no cais do
inferno, quando o rio se transforma em absorto desejo das entranhas
algibeiras de prata, das mãos, incham os dedos coloridos com sabor a
limão, e erguem-se-lhe do ventre as flores mortas que as noites se
poisam nos seios de oiro clandestino,
Ouvia-te permaneceres sentada nas árvores anãs do
jardim do sétimo andar direito, e um desejo de vidro sinto-o
apaixonado pela janela que o homem de xisto e a mulher de socalco,
deixaram embalsamada como as casas em ruínas da minha alegre vida,
As paredes de gesso, fendilhadas raízes sobre a
terra queimada, o azul regressou hoje a casa, na boca trazia a dor de
mais um dia passado em branco, junto a uma parede de cimento, vestido
de preto, com um lindo chapéu de abas largas, o azul entranha-se-lhe
no púbis como o mar quando sobe as escadas do abismo e desaparece
entre telhas de vidro e chapas de miniatura com mistura de chocolate
e amêndoa, e
Nunca vi uma mulher sentada sobre o mar, mas não
invalida que não exista uma, uma apenas, porque também nunca tive o
prazer de olhar um protão e ele existe
Vive nas recordações que a terra engole todas as
quintas-feiras ao meio-dia, e como barco que era, fazia-se ao mar,
tapava os ouvidos para não ouvir os lamentos da vizinha, porque
Umas vezes era o sal, outras, outras a salsa,
outras, insignificâncias com as palavras que ele escrevia,
“Porque o que ela quer é peso”, o
insignificante Alberto a preencher-me os ouvidos, e eu respondia-lhe
És parvo pá, ela é doida, só isso, nada mais do que isso,
E escrevia, escrevia as parvoíces do dia como se
fossem histórias de encantar, e de encantar, de encantar apenas os
sons do relógio da torre da Igreja, vou sonhando, vou, dentro das
águas milenares que da fonte da inocência brotam, deixei de
procurar-te, tal como deixei de me importar com o sal que a água
transporta, e às escondidas, e
Vou
E sem saber que a vizinha que eu pensava existir
apenas no espelho do guarda-fato, porque era naquele lugar que eu a
encontrava todos os dias, hoje
Bateu-me à porta,
E hoje descobri que vou...
(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha
quarta-feira, 6 de março de 2013
Do sabão em barra de antigamente
Pedi a todos os sons que se calassem e,
cessou-se-lhe a respiração, vi, como se fossem uma nuvem de fogo,
dois olhos a separarem-se de uma cabeça com caracóis loiros, dos
lábios, um fino aroma a morango sobressaía e emergia do pequeno
cadáver que Deus (como é costume dizer-se) tinha chamado até si,
Perguntava-me
Porquê ela?
Responderam-me que era a vontade de Deus, e eu, eu
que nunca contrariei a vontade dele, mesmo discordando das suas leis,
às vezes, egoístas, aceitei
E
Porquê ela?
Perguntava-me,
E porque não eu? Sim, podíamos trocar de posição,
e em vez de ela adormecer eternamente no leito de lençóis bordados
com flores e corações, poderia muito bem ser eu, eu no lugar dela,
eu enroscado nos pedaços de cartão que arrebanhei do caixote do
lixo, que todas as noites dorme na esquina da rua,
Porque eu, dizia ele, não faço falta,
E eu, não concordo, porque todos fazemos falta,
mesmo os cadáveres indefesos, sem família, sem nada, mesmo esses,
alguém sentirá a sua falta, e por isso proponho
A Associação dos Cadáveres Abandonados, com sede
numa rua perdida dentro da cidade também ela perdida, uma cidade
completa, com árvores e pássaros e barcos, e homens e mulheres
Que dormem embrulhados em pedaços de cartão,
(Pedi a todos os sons que se calassem e,
cessou-se-lhe a respiração, vi, como se fossem uma nuvem de fogo,
dois olhos a separarem-se de uma cabeça com caracóis loiros, dos
lábios, um fino aroma a morango sobressaía e emergia do pequeno
cadáver que Deus (como é costume dizer-se) tinha chamado até si),
E homens e mulheres, tristes e sós, vivos e
obrigados a transportar um esqueleto desclassificado e não
catalogado, alguns até, já perderam metade dos ossos, outros,
outros tiverem e sentiram a necessidade de os venderem, e há sempre
um oportunista à procura de pechinchas
Porque eu, dizia ele, não faço falta,
E eu, não concordo, porque todos fazemos falta,
mesmo os cadáveres indefesos, sem família, sem nada, mesmo esses,
alguém sentirá a sua falta, e por isso proponho, proponho-me a
vestir-me de estátua e ficar eternamente num dos jardins a
fotografar à distância o rio, também ele, um cadáver, triste como
eu, alegre como ela,
A Associação dos Cadáveres Abandonados associa-se
às pechinchas & pechinchas do senhor Manel Zé, cigano
respeitado e honesto, criador de cavalos e comerciante na área dos
fios de cobre, e quando tem algum tempo, dedica-se a fabricar ouros
em casa, e diz que são como os originais, mas depois de os
acariciarmos, notam-se-lhes os ossos, um esqueleto esquelético como
os suspiros de amor que a mulher dele, a dona Maria dos Anéis
transporta nas axilas, e lá fora chora-se a partida da querida
Margarida com os seus loiros caracóis e que por dificuldades da
própria vida decidiu ir para longe, muito longe, até que ninguém
se lembre dela,
E homens e mulheres, tristes e sós, vivos e
obrigados a transportar um esqueleto desclassificado e não
catalogado..., como os cortinado pesadíssimos, negros, que encerram
as janelas da paixão, escondem as flores verdadeiras, enquanto as
outras, de papel, fingem orgasmos nas asas das abelhas entre margens
de um rio doente, pestilento, ofegante, ouviam-se-lhes as garras a
atingirem as mandíbulas dos triciclos de aço, mabecos em fúria num
País desorganizado e amedrontado, e diziam-me que no capim viviam
sonhos
Rebolava-me sobre ele, escavava cavernas e inventava
guerras com soldados de borracha, e juro
Nunca vi e senti, um sonho, portanto
Mentiram-me,
Mentiram-me como me mentiram quando me disseram que
foi Deus que a escolheu, quando hoje sei, tenho a certeza, que ele,
ele não tem paciências nem forças nem vontade
De se meter nessas coisas,
Mesquinhices de mulheres do soalheiro, escadas sem
patamar semeadas por velhas, que esperam, esperam pela chegada do
campanário, da chama iluminada de palavras, e depois de um crucifixo
enferrujado atravessar durante a noite o rio dos Desgostos, elas,
coitadas, ainda acreditam no poder
Do sabão em barra de antigamente,
E claro que ele não se mete nessas coisas, ele não
é de mexericos, do disse que não disse, e certamente terá muito
mais em que pensar, olha por exemplo
Como irá ele resolver o problema das infiltrações
que estão a afectar severamente o sótão, e alguns dos livros já
se encontram misturados numa penumbra húmida com listras verdes e
amarelas e negras, outros deles, intactos, e até parece que nada lhe
acontece, saúde de ferro como o bisavô António, sentado na eira a
enrolar cigarros só com uma mão e a contar-me histórias da
Primeira guerra Mundial, coitado, coitados deles, dos vivos, dos
mortos e dos que cá chegaram transportando um esquelético esqueleto
onde já se notava a falta de alguns ossos, talvez os tenham trocado
por comida, ou
Perdidos pelos campos imensos e desconhecidos,
Eles regressaram, ele regressou,
E encontrou uma junta de bois mais esquelética do
que ele e do que alguns dos seus camaradas, como é cruel a vida, e
os chamamentos com as inexplicáveis cartas de chamada, hoje
Senhor Francisco?
Sim, sou eu,
Acaba de ser contemplado com uma viagem para o
Além...
E Pergunto-me
Porquê, Porquê eu?
(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha
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