terça-feira, 6 de março de 2012

Janela de tungsténio

Apenas uma janela de tungsténio
Me separa do mar
Oiço-o mas não o vejo
Sinto-lhe as mãos sobre o meu rosto
Quando das paredes de vidro do cubo
Uma abelha cintila e chama a noite
Os cortinados cerram-se
E caminham em direção ao imaginário mundo adormecido
Me separa do mar
E vejo o meu rosto curvilíneo
Projetado num beijo
Em desejo
Na boca do cansaço
Que desce pela garganta de um cigarro fictício
Embrulhado em fumo tricolor
E as paredes do cubo começam a engordar

(estou só)

O magala de mãos na algibeira
Olha o rio
E uma sombra abraça-o
E ouvem-se gemidos geométricos
Dentro do cubo de vidro
O espelho finge orgasmos
E o candeeiro mergulha no papel de parede
Depois de acordar a noite
Depois do prazer
Antes de todas as nuvens extinguirem-se contra as rochas
Às quatro horas da madrugada
Noite cinzenta

(estou só)

E o Tejo deixa de ser Tejo.

29,7 x 42 – Francisco Luís Fontinha

Porquê as acácias?

(dedicado ao visitante anónimo que algures em Moutain View, Califórnia, tem paciência para ler as porcarias que escrevo)

Fantasmas,
Pedaços de tecido em busca de um corpo, sombras que caminham durante a noite até ao rio e esperam pelo abraço de um relógio de pulso prisioneiro da maré, é assim a minha vida, fantasmas que entram ao cair da noite e desaparecem pela manhã, antes de acordar,
Antes de eu acordar e olhar-me no espelho, muito antes de eu ter tempo de colocar a minha mão sobre a mesa-de-cabeceira em busca de um livro perdido, e dou-me conta que até as personagens fugiram, escondem-se, gritam-me enquanto mergulho no sonho, uma bicicleta enferrujada corre e desce a calçada, um homem sem braços e sem pernas espera pacientemente a mão da solidão,
- Os dias são tristes porque as acácias deixaram de sorrir E nunca mais lhe ouvi a voz melódica que descia pelas teias de aranha da infância, E nunca mais
Fantasmas
- Percebi porque choravam as acácias, E nunca mais percebeu porque a melhor amiga o visita durante a noite, constrói um sonho e chora e tem fome e à sua volta todos os prédios da cidade enterram-se terra adentro, e nunca mais,
Pedaços de tecido em busca de um corpo, sombras que caminham durante a noite até ao rio e esperam pelo abraço de um relógio de pulso prisioneiro da maré, e os dias já não são dias, e as noites são gotinhas de dor em círculos concêntricos entre os seios e o púbis
- Porquê as acácias?
E quando uma janela se abre
- O desejo
As gotinhas de dor em cima da bicicleta e as gotinhas saltam para o rio e a bicicleta senta-se sobre o xisto onde uma tela em tons de azul espera que o homem sem pernas e sem braços fume o cigarro esquecido nas mão da solidão,
O desejo,
- Pedaços de tecido em busca de um corpo,
Os fantasmas disfarçados de sorriso
- O mar descansa nas mãos do pôr-do-sol e a janela do meu corpo cerra-se eternamente como se fosse um caixão de madeira que arde numa fogueira de livros e telas e palavras e fantasmas…
Os fantasmas disfarçados de sorriso em pedaços de tecido,
- Os meus amigos Fantasmas,
Quando os dias são tristes porque as acácias deixaram de sorrir…

(texto de ficção)

segunda-feira, 5 de março de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Homem sem destino

Das mandibulas da solidão
A flor exígua da vida jacente sobre o mármore curvilíneo
Caiem sorrisos das árvores enfeitadas de silêncio
E nas mãos de um homem sem destino
Crescem gotinhas de suor embalsamadas pela tempestade da noite
É no medo de adormecer
Que a flor exígua da vida morre
E grita
E desaparece entre as rodas dentadas de um orgasmo literário
E gira
E corre até se abraçar ao mar
Traveste-se de pássaro antes de acordar o dia
Abre todas as janelas que escondem o céu
E todas as portas começam a voar
Como se fosse sempre noite
Como se fosse sempre invisível

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

O beijo da noite

Pedacinhos de saliva
Suspendem-se dos lábios da noite
Queria beijar a noite
E despedir-me eternamente do dia
Das luzes que brincam à volta das minhas palavras
Como uma corda de nylon no pescoço da vida
Queria ser um rio
Embrulhado no final de tarde
Quando da montanha desce o vento
E o mar finge adormecer
Ao sabor do medo
Das árvores em pecado nos carris do horizonte
E a bordo de mim
Um suspiro sobre o meu peito
Onde fervilham pedacinhos de saliva

domingo, 4 de março de 2012