sábado, 4 de fevereiro de 2012

Cacilheiros e gaivotas com cio

Olho a cidade
Enfeitada de mendigos e miseráveis
E vejo-me sentado junto ao rio
A contar cacilheiros e gaivotas com cio

Também eu mendigo
Sem cio
Miserável diplomado
Escondido nos jardins de Belém

Subo a calçada e desapareço entre os paralelepípedos da miséria
E de um livro do António (Lobo Antunes)
As recordações de Luanda entram-me pela janela da infância
E apalmo as mangueiras e apalpo o mar

E as minhas pernas fraquejam dentro da cidade
E os meus braços enfeitados de mendigos e miseráveis…
Desce a noite sobre a Ajuda
E um mangala sorri aos orgasmos das árvores

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Fim de tarde


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Francisco Fontinha PCP


O meu blog é muito inteligente, não só me diz o número de visitantes como também a origem das visitas e as palavras-chave e respetivas fontes de trafego.
Um curioso ou curiosa escreveu no Google “Francisco Fontinha PCP” e quanto a isso nada de especial, porque nunca escondi que fui militante do Partido Comunista Português como também nunca escondi outras coisas, mas preocupo-me qual a razão desta busca; para satisfazer curiosidades alheias fica aqui a reprodução do cartaz de candidato à câmara municipal de Alijó pela CDU.
E agora recordo-me da senhora que quando me viu sorriu e disse,
- Conheço-o de algum lado!
Possivelmente de estar pendurado nalgum poste de iluminação ao que lhe respondeu um amigo meu, e a senhora muito admirada Porquê um poste de iluminação?
- Porque ele foi candidato pela CDU e passaste nalgum local onde estava o cartaz dele suspenso num poste de iluminação ou árvore Respondeu-lhe o meu amigo.
E por falar em postes de iluminação e árvores certamente alguns gostariam de me ver pendurado de corda ao pescoço, mas enganem-se, porque por muito miserável que seja a minha vida percebo enquanto visito o meu primo Augusto que existem pessoas a lutar pela vida, e não estamos em tempos de crises existenciais.
Percebo que por ter sido militante do PCP me tem sido difícil encontrar trabalho, porque há pessoas que não entendem que uma coisa nada tem a ver com a outra, percebo que por escrever e desenhar me tem prejudicado na procura de trabalho, porque há pessoas que devem pensar que sou maluquinho ou atrasado mental, e agora percebo o senhor reformado que se queixa da misera reforma e enquanto dorme devaneia aos gritos,
- Estou Teso Estou Teso Estou Teso…
A esposa acorda, poisa-lhe a mão sobre o coiso… e coiso nenhum, o coiso em banhos no Tejo.
A destinta senhora, Marilú, abana a cabeça e indignada diz-lhe,
- Meu querido marido Até a dormir és mentiroso.
E quase a terminar este texto fico sem perceber a curiosidade de alguém escrever no Google “Francisco Fontinha PCP”, mas uma coisa é certa, ando Todos os dias Teso e não minto enquanto durmo.

59,4 X 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Medo de amar

Olho-me ao espelho
E uma árvore caduca em sorrisos
Seios fervilham nas mãos do oceano
Com o desejo de navegar
Sem medo
Com o desejo de desejar
O mar
Nos carris desgovernados da maré
Antes de acordar o pôr-do-sol…

Olho-me ao espelho
E eu tão feio
Imundo
Olho-me ao espelho
E uma árvore caduca em sorrisos
E o meu corpo range como gotas de chuva

Seios fervilham nas mãos do oceano
Com o desejo de navegar
Sem medo

Medo de amar.

Solidão


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Qual o amor

Qual o amor impossível
Que vive em mim
Como se fosse um plátano tombado
No silêncio do jardim,

Qual o amor impossível
Que dorme e bebe da minha solidão
Qual o amor
Que finge pegar na minha mão,

Qual o amor
Que dança nas ondas do mar
Que brinca e caminha
Sem nunca me abraçar.

O miserável feliz

A vida aos poucos comeu-lhe a alegria e a vontade de viver, sobre ele poisou um lençol embebido em solidão e todas as luzes se extinguiram antes de acordar a noite,
- Nunca tive sorte ao amor Queixava-se em conversas informais entre meia dúzia de imperiais e tremoços, Queixava-se da falta de sorte com o dinheiro, Queixava-se de sempre ter vivido num estado de abandono, e quando nada mais havia do que se queixar, Queixava-se do governo e dos políticos,
E o leitor tem toda a legitimidade em questionar-me
- Será que a vida come alegrias e vontades?
E o leitor tem toda a legitimidade em questionar-me O que tem de trágico não ter sorte ao amor?, de trágico nada, a tragédia existe quando não se tem sorte ao amor, a tragédia existe quando não se tem sorte com o dinheiro, e meus amigos, a pior das tragédias é precisamente viver quase num estado de miséria encoberta por um lençol embebido em solidão e todas as luzes se extinguirem antes de acordar a noite, isso sim uma verdadeira tragédia,
- E com a crise em que vivemos Entre imperiais e tremoços Chineses ele dizia-nos que No Money No Amor, evapora-se e foge como o diabo da cruz, porque amar um miserável só em literatura, e mesmo assim, e mesmo assim… talvez uma das personagens de Dostoiévski conseguisse amar o dito miserável, mas não esquecemos que quem escreveu os miseráveis foi o grande Victor Hugo, mas não esquecemos que os tempos eram outros e que a Rússia nunca mais foi a mesma desde que as almas mortas de Nikolai Gogol morreram de fome e de miséria enquanto um Czar pançudo passava a tarde inteira a morfar esturjão grelhado e embebia-se na vodka e cantava e dançava…, e não pensem vossemecês que Victor Hugo era Russo, porque não era,
E o povo pá? Digamos E as almas pá? As almas morriam,
E entre idiotas e crime e castigo e entre as noites brancas e o jogador ou entre as recordações da casa dos mortos e o eterno marido… mendiga à janela o eterno marido abraçado a gente pobre,
- E na literatura existe sempre um miserável ou um atrofiado que sofre de amores, ou na pior das hipóteses, na literatura existe sempre um miserável e um atrofiado que sofre de amores, o chamado dois em um, homem de boas maneiras e educado, culto e inteligente, mas quis o destino que fosse miserável,
E embebia-se na vodka e cantava e dançava… e ainda hoje quando olha para uma garrafa de vodka poisada na prateleira de vidro semeada com grãos de pó um crucifixo contrai-se-lhe no estômago e um tambor de alumínio que sobejou de uma máquina de lavar roupa entra em centrifugação, e o Czar tomba como se fosse uma árvore embriagada depois de uma noite de vento,
- Será que a vida come alegrias e vontades?
Pois… não sei, mas verdade verdade é que os temas dos livros de  Dostoiévski ou de Nikolai Gogol são atuais e estão na moda e que esta merda não mudou de então para cá e nunca mudará, e não esquecendo o nosso Eça de Queirós “Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão e ele saberia certamente o que estava a dizer, só desconhecia que em princípios do século XXI as razões fossem o cheiro intenso a merda,
A vida aos poucos comeu-lhe a alegria e a vontade de viver, sobre ele poisou um lençol embebido em solidão e todas as luzes se extinguiram antes de acordar a noite, morreram de fome e de miséria enquanto um Czar pançudo passava a tarde inteira a morfar esturjão grelhado e embebia-se na vodka e cantava e dançava…
E ainda hoje, e ainda hoje enquanto morremos de fome eles cantam e dançam…, e tombam como se fossem árvores embriagadas depois de uma noite de vento.

(texto de ficção)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012


84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

Dias tristes

Há dias tristes
Dias como hoje
Sem sol
Sem palavras
Dias em desespero
Que chegue a noite
Dias
Há dias tristes
Dias sem o mar
Dias de solidão
Dias parvos
Abraçados a livros parvos
Que as minhas mãos folheiam
E adormecem
Sem perceber que todos os dias
Têm horas amargas
Minutos em sofrimento
Segundos de fingimento

Há dias tristes
Dias como hoje
Sem sol
Sem palavras

Dias de merda
Como todos os dias da minha vida

Há dias tristes
Dias como hoje
Sem sol
Sem palavras

Dias de inferno