domingo, 21 de maio de 2023


 Gesso s/tela para pintura acrílica. Francisco Luís Fontinha – Alijó.

Insónia

 Neste pedacinho de papel

Escondo a primeira lágrima da manhã,

Desenho neste pedacinho de papel

O primeiro sorriso da primeira lágrima da manhã,

Neste pedacinho de papel

Escrevo o olhar da primeira lágrima da manhã.

 

Neste pedacinho de papel

Beijo a primeira lágrima da manhã,

E ainda tenho tempo,

Antes me de ausentar,

De abraçar a primeira lágrima da manhã.

 

Neste pedacinho de papel

Construo a primeira Caravela da manhã

E o último Galeão da noite…

Neste pedacinho de papel

Guardo as algemas do teu sono…

E poisa neste pedacinho de papel

A insónia…

 

 

 

 

Alijó, 21/05/2023

Francisco Luís Fontinha

sábado, 20 de maio de 2023

Um círculo de pássaros

 

(óleo s/tela)

 

Olho-te e vejo um círculo de pássaros.

Olho-te,

Olho-te e vejo o silêncio pincelado de azul.

Olho-te,

Olho-te e vejo o cinzento barco em direcção ao abismo…

Olho-te e oiço o perfume do mar.

 

Olho-te e abraçam-se a mim os cheiros da minha infância,

Quando da terra queimada,

Se erguia o Sol,

E olho-te, e olho-te sabendo que também tu me olhas,

Que também tu vês em mim as cores do silêncio.

 

E olho-te encantado da vida…

Porque sou o teu pai,

Porque te pintei durante a tarde…

Da tarde,

Os cheiros a terra queimada,

O capim dançando na tua mão…

E eu,

Olho-te,

Sabendo que tu também me olhas.

 

Olho-te e consigo ver nesta confusão de cores…

A luz dos teus olhos,

Consigo ouvir o silêncio dos teus olhos…

E olho-te.

Sabendo que me olhas,

Sabendo que em breve te despedirás de mim…

E ficarás para sempre no silêncio de uma parede,

Sem nome,

Sem janela para o mar.

 

E eu, e eu vou olhar-te para sempre,

Como olho para sempre os meus quadros,

Os mortos e os vivos.

E olho-te…

 

 

 

 

Alijó, 20/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Dois minúsculos círculos verdes

 Estou aqui.

Ando sempre por aí,

Umas vezes cá,

Outras vezes, lá.

Estou aqui e ando por aí,

Como os pássaros,

Como as árvores,

Como as flores,

Como as palavras,

Umas vezes,

Aqui,

Outras,

Por aí.

 

Estou aqui,

Estou por aí…

Aqui,

Aqui muito bem sentado,

Apaixonado pelo Pacheco, Cesariny, AL Berto, Lobo Antunes…

E claro,

Loucamente apaixonado, por mim.

 

Estou aqui,

Por aqui,

Com cores,

Sem cores,

Sem o mar,

Aqui,

Por aí…

Estou aqui, diga-se, muito bem sentado,

E penso,

E penso que não devia pensar…

 

Aqui.

Estou aqui.

Aqui, sentado, muito bem sentado,

Enquanto o Ansys faz as simulações,

Penso,

Penso que não devia pensar,

Escrevo,

Pinto,

E fumo.

 

Oiço Carlos Santana.

Penso.

Levanto-me, e abraçado a dois minúsculos círculos verdes, desisto de pensar,

Sento-me,

E fumo.

Oiço-o.

Aqui,

Por aqui e por aí…

Escrevo, escrevo poemas ao silêncio,

Escrevo textos para a saudade…

E claro,

Pinto, pinto muito.

 

E umas vezes por aqui,

Outras,

Talvez mais por lá…

E por aqui,

Escrevo,

E pinto

E fumo

E bebo

E oiço-o.

 

Às vezes, confundia o sono com a primeira geada da manhã,

Como eu estava enganado!

Andando.

Escrevendo.

Pintando.

Voando.

Por aqui,

Por aí…

Quem sabe,

Talvez,

Em pedacinhos de nada.

 

Estou aqui.

Ando sempre por aí,

Umas vezes cá,

Outras vezes, lá.

Estou aqui e ando por aí,

Como os pássaros,

Como as árvores,

Como as flores,

Como as palavras,

Umas vezes,

Andando,

Outras,

Outras vezes,

Voando.

 

 

 

Alijó, 20/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Retracto

 O meu retracto,

Por Francisco Luís Fontinha.

 

Quem sou, pergunto-me enquanto recordo o som das acácias da minha infância. Quem sou eu, depois de ter deixado a minha cidade nas sombras da saudade. Quem serei eu, quando as minhas cinzas povoarem as alegrias da minha cidade.

Acordei. Acordei acreditando que voava sobre as mangueiras do meu quintal; e claro, a minha mãe a construir papagaios em papel, depois, corríamos pela rua com a ponta do cordel na ponta dos dedos…

E eu delirava com todas aquelas cores em direcção ao infinito. Depois de todo o cordel estar esticado, ele ficava ali, quietinho, dizendo-me adeus…

E eu, eu filmava todos aqueles momentos.

Mas enquanto me olhava no espelho, olhei os meus olhos; e se me perguntassem o que dizem os meus olhos…

Puxo de um cigarro, penso. Talvez não deva pensar mais.

Penso.

E os meus olhos dizem que esta viga de seis metros, alveolar, um IPE360…, ao fim de dois segundos, morre. Colapsa.

Nós, nós demoramos muito mais a colapsar.

E os meus olhos dizem-me que são um livro de poesia, um livro que se extingue a cada dois segundos,

Colapsa.

Morre.

E os meus olhos dizem que todas as cores estão loucamente apaixonadas por todas as minhas telas,

Depois,

Colapsou.

Mas o meu retracto ainda não está completo.

Olho-me,

Penso,

E grito.

Acordei acreditando que o retracto que via no espelho, não era o meu. Acordei acreditando que a cada equação de silêncio, há um beijo desejado e uma lâmina de paixão concluída.

E a minha cidade lá está. Como todos eles lá estão.

Depois, pego no meu retracto, coloco-o no cavalete, afasto-me um pouco de ambos, e…,

Nada.

Olhava-os. Eles também me olhavam.

Sorria-lhes. Eles também me sorriram.

Somos assim.

Sorrimos uns para os outros.

Vês?

São tão lindas, mãe, são tão lindas todas estas cores…

 

 

 

Alijó, 20/05/2023

Um anónimo


 Óleo s/tela – Francisco Luís Fontinha – Alijó.

Do meu silêncio… de amar

 Desce desse pedestal,

Abraça-te ao meu silêncio,

Cerra os olhos…

E voa no meu olhar.

 

Desce desse pedestal,

Abraça-te ao meu mar,

Do meu mar onde escondo as minhas palavras…

E os meus barcos de brincar.

 

Desce desse pedestal,

Flor em papel colorido,

Cerra os olhos…

Dos teus olhos que procuro todas as noites,

 

De todos os luares.

Desce desse pedestal,

E abraça-te ao meu silêncio…

Do meu silêncio… de amar.

 

 

 

Alijó, 20/05/2023

Francisco Luís Fontinha