segunda-feira, 15 de maio de 2023

Doce-mar

 Imagino as sílabas do teu cabelo

Abraçadas ao ponto de interrogação e vírgula dos meus lábios,

Imagino o meu poema,

Este poema,

Escrito no silêncio dos teus seios…

Imagino o mar,

Poisado docente no teu ventre de mãe…

Esperando o regresso do parêntesis recto das minhas mãos,

 

Imagino cada palavra que escrevo

Dançando nos teus olhos de doce-mar…

Imagino cada traço que deixo numa tela…

Imagino-a em apertados abraços às tuas coxas...

Enquanto um parvalhão de um relógio,

(que me recuso a imaginar)

Saltita de ponteiro em ponteiro…

Até que regressam os primeiros pingos de chuva pela manhã…

E o relógio senta-se,

E ignora-nos,

 

Imagino cada gotícula de suor,

Cada pedacinho de uma gotícula de suor que se passeia no teu corpo…

Pego-lhe docemente,

Brinco com ela…

Peso-a…

E percebo que o teu corpo é habitado por uma fina película de desejo…

E sempre que abro a janela,

Lá está ele…

O meu mar,

O mar que um dia me levará…

 

 

 

Alijó, 15/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Família


 Família - Acrílico/óleo s/tela – 90cm x 120cm – Francisco Luís Fontinha – Alijó.

domingo, 14 de maio de 2023

Em construção

 

Em construção. Acrílico s/tela – 90cm x 120cm. Francisco Luís Fontinha – Alijó.

O inferno das palavras

 Sabes, meu amor,

Dos sonâmbulos dias,

Os nossos dias,

Dos nossos outros dias,

E sabes, meu amor,

Em cada dia,

Nasce um poema,

Beijam-se as flores em poesia,

E tudo,

Tudo meu amor…

Num só dia.

 

Nasce-se num determinado dia,

Nasce um filho, num qualquer dia,

Morre-se a cada dia,

Que passa,

Enquanto a Terra roda a trinta quilómetros por segundo…

Deixa lá a Terra, meu amor…

(roda sobre um eixo imaginário)

Imagina tu, meu amor, imagina…

O Sol quando acorda,

Todas as plantas abrem os olhinhos…

E todos em uníssono,

Bom dia…

E tudo, meu amor…

Tudo antes de morrer o dia,

 

Ao começar o dia.

Todos temos um dia,

Eu tenho muitos dias,

Dias, dias…

Morreu, morreu, morreu…

Tudo apenas num só dia.

 

Sabes, meu amor,

Dos sonâmbulos dias,

Os nossos dias,

E sabes meu amor,

Enerva-me este inferno das palavras,

Em todos os dias,

A cada dia.

 

E um dia não são dias.

Ouvi-o tantas vezes quando se escondia ma escuridão…

E eu, imaginava os teus olhos quando se despede a noite do luar…

Abraçam-se,

Beijam-se loucamente,

E depois temos de levar com a Noiluar,

Que é o resultado do produto da despedida da noite… com o luar.

 

Hoje não há mar, meu amor.

E hoje também não há marinheiros dentro de mim…

Hoje diria que…

E sei lá o que dizer

Ou o que diria,

Ou não diria,

Se em cada dia,

A todo o dia…

Este inferno das palavras…

Não morre um dia.

A cada dia.

Do outro dia…

Quem diria…

Que ele,

Que ela…

Quem diria…

Diria eu,

Não.

 

 

 

Alijó, 14/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Do sono

 Um quilograma de sono, será sempre um quilograma…

E se eu dispensar um quilograma do meu sono,

Certamente,

Não será por isso que fico mais pobre,

Decidido; vendo um quilograma do meu sono.

Um quilograma a menos, talvez dê para começar uma tela…

Ou…

Simplesmente para olhar o pôr-do-sol.

 

Um quilograma do meu sono, vendo-o…

Ou quem quiser,

Troco um quilograma de meu sono por um dos livros de Luiz Pacheco…

Que ainda não tenha,

Um quilograma do meu sono,

Vendido

Ou trocado,

Tanto faz,

 

Será apenas um quilograma do meu sono.

Vendo ou troco um quilograma do meu sono…

Enquanto faço negócio, penso…

Tudo o que poderei fazer com um quilograma do meu sono a menos…

Um quilograma do meu sono;

Vendo-o,

Troco-o…

Dou-o.

 

 

 

Alijó, 14/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Às vezes, meu amor, às vezes penso e sonho…

 Às vezes, penso,

Penso muito, meu amor, às vezes penso de onde vêm estas imagens que semeio nas telas e em pequenas folhas,

Às vezes, penso,

Penso muito, meu amor,

De onde vêm todas estas palavras que escrevo,

De onde vêm todas estas imagens e todas as palavras,

 

Às vezes, meu amor, às vezes sinto o medo…

O medo de que estas imagens se abracem a mim

E algum idiota me diga que estou louco…

Mas não será essa loucura com que nos apelidam…, a melhor forma de sonhar o mundo?

Às vezes, meu amor, às vezes penso e sonho…

 

Penso que estou a sonhar,

Muitas vezes sonho que estou a pensar,

Às vezes penso,

Penso e dizem-me que não devia pensar, tanto…

Mas penso,

Mas sonho,

Sonho que penso que nenhuma criança terá fome,

Penso que sonho que nenhuma mulher será espancada…

E penso, penso muito, meu amor…

 

Penso e imagino a alvorada,

Sonho e penso, quando se despede de mim o luar…

Penso, meu amor, penso muito,

Que não devia pensar tanto,

Penso por que razão todas estas imagens e palavras fizeram parte das minhas brincadeiras em criança,

Penso, meu amor,

Penso muito, penso que se despede o dia… e uma infinita madrugada está para regressar,

E abraço a noite, como te abraço… lentamente…

 

E penso, e sonho…

E muito lentamente olho-te e percebo que tens uns olhos lindos…

Gosto de olhar os olhos e deles receber as estrelas da manhã…

 

E penso, muito, que não devia pensar,

Mas penso,

E sonho,

Sonho que penso,

Penso no que sonho…

E alguns dirão; está louco,

 

Às vezes, penso,

Penso muito, meu amor, às vezes penso de onde vêm estas imagens que semeio nas telas e em pequenas folhas,

Às vezes, penso,

Penso muito meu amor…

Penso que às vezes a escuridão é uma óptima companhia,

Depois, meu amor, penso…

O que dirá o gladíolo para a tulipa!

Ou será que estão ambos quase abraçados…

E nada dizem,

Ou será que dizem?

 

E eu, penso, penso muito, meu amor…

Penso que há dias de chuva loucamente felizes,

E que há dias de sol que são uma autêntica merda,

E uma criança fica encantada com um brinquedo…,

Mesmo que não tenha qualquer valor comercial…

Porque ainda há crianças que não sabem o significado de brinquedo,

 

Tive-os, muitos.

Destruía-os…

(dizem que saí ao tio António, mal recebia um brinquedo destruía-o imediatamente…

E quando lhe perguntavam, era para ver como era por dentro)

Eu fazia o mesmo,

Tive-os,

Muitos…

Mas muitos não os tiveram,

E alguns que os tiveram…

Viviam em casas assombradas;

Felizmente a minha casa nunca foi assombrada,

 

E penso.

E sonho,

Sonho muito, meu amor,

Sonho e penso, que fazer com todas estas imagens…

E sonho que penso,

Quando depois de pensar o que sonhei…

Nada;

Fecho a janela e hoje não me apetece mais olhar o mar.

Cansei-me, hoje, meu amor… cansei-me do mar.

 

E penso,

E dou comigo a pensar,

Que sonho,

Mas não,

Só poderei estar a sonhar.

 

 

 

 

Alijó, 14/05/2023

Francisco Luís Fontinha